Sonetos de Antero de Quental para leitura em voz alta
Podem ir preparando (para quinta e sexta-feira) a
leitura expressiva de quatro sonetos de Antero. (Perceberão as razões
desta distribuição, quando, na quarta-feira, virem as classificações da fase de
grupos e os agrupamentos nos oitavos e na Liga Europa.) Não se preocupem em ler o título dos sonetos. (Como sempre, no dia das leituras, terão folhas com os sonetos.)
No 12.º 1.ª:
Preparam os sonetos 1 a 4: Mariana C., Nuno, Sara,
João C.; Daniel, Diogo, Duarte, João F.;
Preparam os sonetos 5 a 8: Rafa, Francisca S.-L,
Francisco, Ricardo N.; Andrea, Miguel, Rita, Francisca P.;
Preparam sonetos: 9 a 12: Tiago, João M., Diana;
Catarina, Martim, Mariana D.; Inês, Maria, Ricardo M.; Tomás, Ricardo S., João
N.
No 12.º 3.ª:
Preparam os sonetos 1 a 4: Inês S, Mariana, Joana
N., Nuno; Henrique, Joana M., Raams, Pedro;
Preparam os sonetos 5 a 8: Inês G., Madá,
Margarida R., Marta; Pina, Diogo, Madalena, João P.;
Preparam os sonetos: 9 a 12: Martinho, Tiago, João
C.; Leonor, Miguel; Eduardo H., Margarida S.; Eduardo C., Neves.
Sonetos
[1] A um Poeta
Tu que dormes, espírito
sereno,
Posto à
sombra dos cedros seculares,
Como um
levita à sombra dos altares,
Longe da
luta e do fragor terreno,
Acorda! É tempo! O sol,
já alto e pleno
Afugentou
as larvas tumulares...
Para surgir
do seio desses mares,
Um mundo novo
espera só um aceno...
Escuta! É a grande voz
das multidões!
São teus
irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra...
e são vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado
do Futuro,
E dos raios
de luz do sonho puro,
Sonhador,
faze espada de combate!
[2] Ad Amicos
Em vão lutamos. Como
névoa baça,
A incerteza
das coisas nos envolve.
Nossa alma,
em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas
próprias redes se embaraça.
O pensamento, que mil
planos traça,
É vapor que
se esvai e se dissolve;
E a vontade
ambiciosa, que resolve,
Como onda
entre rochedos se espedaça.
Filhos do Amor, nossa alma
é como um hino
À luz, à liberdade,
ao bem fecundo,
Prece e
clamor dum pressentir divino;
Mas num deserto só,
árido e fundo,
Ecoam
nossas vozes, que o Destino
Paira mudo
e impassível sobre o mundo.
[3] Ideal
Aquela, que eu adoro,
não é feita
De lírios
nem de rosas purpurinas,
Não tem as
formas lânguidas, divinas
Da antiga
Vénus de cintura estreita...
Não é a Circe, cuja mão
suspeita
Compõe
filtros mortais entre ruínas,
Nem a
Amazona, que se agarra às crinas
Dum corcel
e combate satisfeita...
A mim mesmo pergunto, e
não atino
Com o nome
que dê a essa visão,
Que ora
amostra ora esconde o meu destino...
É como uma miragem que
entrevejo,
Ideal, que
nasceu na solidão,
Nuvem, sonho
impalpável do Desejo...
[4] O Palácio da Ventura
Sonho que sou um
cavaleiro andante.
Por
desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do
amor, busco anelante
O palácio
encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto
e vacilante,
Quebrada a
espada já, rota a armadura...
E eis que
súbito o avisto, fulgurante
Na sua
pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato
à porta e brado:
Eu sou o
Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos,
portas d’ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d’ouro
com fragor...
Mas dentro
encontro só, cheio de dor,
Silêncio e
escuridão — e nada mais!
[5] Metempsicose
Ardentes filhas do prazer:
dizei-me!
Vossos
sonhos quais são, depois da orgia?
Acaso nunca
a imagem fugidia
Do que
fostes, em vós se agita e freme?
Noutra vida e outra esfera,
aonde geme
Outro
vento, e se acende um outro dia,
Que corpo tínheis?
que matéria fria
Vossa alma
incendiou, com fogo estreme?
Vós fostes nas florestas
bravas feras,
Arrastando,
leoas ou panteras,
De dentadas
de amor um corpo exangue...
Mordei pois esta carne
palpitante,
Feras feitas
de gaze flutuante,
Lobas! leoas!
sim, bebei meu sangue!
[6] Na Mão de Deus
Na mão de Deus, na sua
mão direita,
Descansou
afinal meu coração.
Do palácio
encantado da Ilusão
Desci a
passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais,
com que se enfeita
A
ignorância infantil, despojo vão,
Depois do
Ideal e da Paixão
A forma
transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega
jornada,
Que a mãe
leva ao colo agasalhada
E
atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do
deserto...
Dorme o teu
sono, coração liberto,
Dorme na
mão de Deus eternamente!
[7] Nox
Noite, vão para ti meus
pensamentos,
Quando olho
e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril
lutar, tanta agonia,
E inúteis
tantos ásperos tormentos...
Tu, ao menos, abafas os
lamentos,
Que se
exalam da trágica enxovia...
O eterno
Mal, que ruge e desvaria,
Em ti
descansa e esquece alguns momentos...
Oh! Antes tu também
adormecesses
Por uma
vez, e eterna, inalterável,
Caindo
sobre o mundo, te esquecesses,
E ele, o mundo, sem mais
lutar nem ver,
Dormisse no
teu seio inviolável,
Noite sem
termo, noite do Não-ser!
[8] Oceano Nox
Junto do mar, que erguia
gravemente
A trágica
voz rouca, enquanto o vento
Passava
como o voo dum pensamento
Que busca e
hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me
tristemente,
Olhando o
céu pesado e nevoento,
E
interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das
coisas, vagamente...
Que inquieto desejo vos
tortura,
Seres
elementares, força obscura?
Em volta de
que ideia gravitais?
Mas na imensa extensão,
onde se esconde
O
Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido,
um queixume, e nada mais...
[9] Noturno
Espírito que passas,
quando o vento
Adormece no
mar e surge a lua,
Filho
esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes
bem o meu tormento...
Como um canto longínquo —
triste e lento —
Que voga e
subtilmente se insinua,
Sobre o meu
coração, que tumultua,
Tu vertes
pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em
que me leva
Um instinto
de luz, rompendo a treva,
Buscando,
entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal
sem nome,
A febre de
Ideal, que me consome,
Tu só,
Génio da noite, e mais ninguém!
[10] Sonho Oriental
Sonho-me às vezes rei, nalguma
ilha,
Muito
longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite
é balsâmica e fulgente
E a lua
cheia sobre as águas brilha...
O aroma da magnólia e da
baunilha
Paira no ar
diáfano e dormente...
Lambe a
orla dos bosques, vagamente,
O mar com
finas ondas de escumilha...
E enquanto eu na varanda
de marfim
Me encosto,
absorto num cismar sem fim,
Tu, meu
amor, divagas ao luar,
Do profundo jardim pelas
clareiras,
Ou
descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos
pés um leão familiar.
[11] Tormento
do Ideal
Conheci a Beleza que não
morre
E fiquei triste.
Como quem da serra
Mais alta
que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê
tudo, a maior nau ou torre,
Minguar, fundir-se, sob
a luz que jorre;
Assim eu vi
o mundo e o que ele encerra
Perder a cor,
bem como a nuvem que erra
Ao pôr do
sol e sobre o mar discorre.
Pedindo à forma, em vão,
a ideia pura,
Tropeço, em
sombras, na matéria dura,
E encontro
a imperfeição de quanto existe.
Recebi o batismo dos
poetas,
E assentado
entre as formas incompletas
Para sempre
fiquei pálido e triste.
[12] Solemnia Verba
Disse ao meu coração:
Olha por quantos
Caminhos
vãos andámos! Considera
Agora,
desta altura fria e austera,
Os ermos
que regaram nossos prantos...
Pó e cinzas, onde houve
flor e encantos!
E noite,
onde foi luz de primavera!
Olha a teus
pés o mundo e desespera,
Semeador de
sombras e quebrantos!
Porém o coração, feito
valente
Na escola
da tortura repetida,
E no uso do
penar tornado crente,
Respondeu: Desta altura
vejo o Amor!
Viver não
foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi
demais o desengano e a dor.
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