Monday, September 06, 2021

Sonetos de Antero de Quental para leitura em voz alta

Podem ir preparando (para quinta e sexta-feira) a leitura expressiva de quatro sonetos de Antero. (Perceberão as razões desta distribuição, quando, na quarta-feira, virem as classificações da fase de grupos e os agrupamentos nos oitavos e na Liga Europa.) Não se preocupem em ler o título dos sonetos. (Como sempre, no dia das leituras, terão folhas com os sonetos.)

No 12.º 1.ª:

Preparam os sonetos 1 a 4: Mariana C., Nuno, Sara, João C.; Daniel, Diogo, Duarte, João F.;

Preparam os sonetos 5 a 8: Rafa, Francisca S.-L, Francisco, Ricardo N.; Andrea, Miguel, Rita, Francisca P.;

Preparam sonetos: 9 a 12: Tiago, João M., Diana; Catarina, Martim, Mariana D.; Inês, Maria, Ricardo M.; Tomás, Ricardo S., João N.

No 12.º 3.ª:

Preparam os sonetos 1 a 4: Inês S, Mariana, Joana N., Nuno; Henrique, Joana M., Raams, Pedro;

Preparam os sonetos 5 a 8: Inês G., Madá, Margarida R., Marta; Pina, Diogo, Madalena, João P.;

Preparam os sonetos: 9 a 12: Martinho, Tiago, João C.; Leonor, Miguel; Eduardo H., Margarida S.; Eduardo C., Neves.


Sonetos


[1]     A um Poeta

 

Tu que dormes, espírito sereno, 
Posto à sombra dos cedros seculares, 
Como um levita à sombra dos altares, 
Longe da luta e do fragor terreno, 

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno 
Afugentou as larvas tumulares... 
Para surgir do seio desses mares, 
Um mundo novo espera só um aceno... 

Escuta! É a grande voz das multidões! 
São teus irmãos, que se erguem! São canções... 
Mas de guerra... e são vozes de rebate! 

Ergue-te, pois, soldado do Futuro, 
E dos raios de luz do sonho puro, 
Sonhador, faze espada de combate! 

 

 

[2]     Ad Amicos

 

Em vão lutamos. Como névoa baça, 
A incerteza das coisas nos envolve. 
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve, 
Nas suas próprias redes se embaraça. 

O pensamento, que mil planos traça, 
É vapor que se esvai e se dissolve; 
E a vontade ambiciosa, que resolve, 
Como onda entre rochedos se espedaça. 

Filhos do Amor, nossa alma é como um hino 
À luz, à liberdade, ao bem fecundo, 
Prece e clamor dum pressentir divino; 

Mas num deserto só, árido e fundo, 
Ecoam nossas vozes, que o Destino 
Paira mudo e impassível sobre o mundo. 

 

 

[3]     Ideal

 

Aquela, que eu adoro, não é feita 
De lírios nem de rosas purpurinas, 
Não tem as formas lânguidas, divinas 
Da antiga Vénus de cintura estreita... 

Não é a Circe, cuja mão suspeita 
Compõe filtros mortais entre ruínas, 
Nem a Amazona, que se agarra às crinas 
Dum corcel e combate satisfeita... 

A mim mesmo pergunto, e não atino 
Com o nome que dê a essa visão, 
Que ora amostra ora esconde o meu destino... 

É como uma miragem que entrevejo, 
Ideal, que nasceu na solidão, 
Nuvem, sonho impalpável do Desejo... 

 

 

[4]     O Palácio da Ventura

 

Sonho que sou um cavaleiro andante. 
Por desertos, por sóis, por noite escura, 
Paladino do amor, busco anelante 
O palácio encantado da Ventura! 

Mas já desmaio, exausto e vacilante, 
Quebrada a espada já, rota a armadura... 
E eis que súbito o avisto, fulgurante 
Na sua pompa e aérea formosura! 

Com grandes golpes bato à porta e brado: 
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... 
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais! 

Abrem-se as portas d’ouro com fragor... 
Mas dentro encontro só, cheio de dor, 
Silêncio e escuridão — e nada mais! 

 

 

[5]     Metempsicose

 

Ardentes filhas do prazer: dizei-me! 
Vossos sonhos quais são, depois da orgia? 
Acaso nunca a imagem fugidia 
Do que fostes, em vós se agita e freme? 

Noutra vida e outra esfera, aonde geme 
Outro vento, e se acende um outro dia, 
Que corpo tínheis? que matéria fria 
Vossa alma incendiou, com fogo estreme? 

Vós fostes nas florestas bravas feras, 
Arrastando, leoas ou panteras, 
De dentadas de amor um corpo exangue... 

Mordei pois esta carne palpitante, 
Feras feitas de gaze flutuante, 
Lobas! leoas! sim, bebei meu sangue! 

 

 

[6]     Na Mão de Deus

 

Na mão de Deus, na sua mão direita, 
Descansou afinal meu coração. 
Do palácio encantado da Ilusão 
Desci a passo e passo a escada estreita. 

Como as flores mortais, com que se enfeita 
A ignorância infantil, despojo vão, 
Depois do Ideal e da Paixão 
A forma transitória e imperfeita. 

Como criança, em lôbrega jornada, 
Que a mãe leva ao colo agasalhada 
E atravessa, sorrindo vagamente, 

Selvas, mares, areias do deserto... 
Dorme o teu sono, coração liberto, 
Dorme na mão de Deus eternamente! 

 

 

[7]     Nox

 

Noite, vão para ti meus pensamentos, 
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, 
Tanto estéril lutar, tanta agonia, 
E inúteis tantos ásperos tormentos... 

Tu, ao menos, abafas os lamentos, 
Que se exalam da trágica enxovia... 
O eterno Mal, que ruge e desvaria, 
Em ti descansa e esquece alguns momentos... 

Oh! Antes tu também adormecesses 
Por uma vez, e eterna, inalterável, 
Caindo sobre o mundo, te esquecesses, 

E ele, o mundo, sem mais lutar nem ver, 
Dormisse no teu seio inviolável, 
Noite sem termo, noite do Não-ser! 

 

 

[8]     Oceano Nox

 

Junto do mar, que erguia gravemente 
A trágica voz rouca, enquanto o vento 
Passava como o voo dum pensamento 
Que busca e hesita, inquieto e intermitente, 

Junto do mar sentei-me tristemente, 
Olhando o céu pesado e nevoento, 
E interroguei, cismando, esse lamento 
Que saía das coisas, vagamente... 

Que inquieto desejo vos tortura, 
Seres elementares, força obscura? 
Em volta de que ideia gravitais? 

Mas na imensa extensão, onde se esconde 
O Inconsciente imortal, só me responde 
Um bramido, um queixume, e nada mais... 

 

 

[9]     Noturno

 

Espírito que passas, quando o vento 
Adormece no mar e surge a lua, 
Filho esquivo da noite que flutua, 
Tu só entendes bem o meu tormento... 

Como um canto longínquo — triste e lento — 
Que voga e subtilmente se insinua, 
Sobre o meu coração, que tumultua, 
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento... 

A ti confio o sonho em que me leva 
Um instinto de luz, rompendo a treva, 
Buscando, entre visões, o eterno Bem. 

E tu entendes o meu mal sem nome, 
A febre de Ideal, que me consome, 
Tu só, Génio da noite, e mais ninguém! 

 

 

[10]     Sonho Oriental

 

Sonho-me às vezes rei, nalguma ilha, 
Muito longe, nos mares do Oriente, 
Onde a noite é balsâmica e fulgente 
E a lua cheia sobre as águas brilha... 

O aroma da magnólia e da baunilha 
Paira no ar diáfano e dormente... 
Lambe a orla dos bosques, vagamente, 
O mar com finas ondas de escumilha... 

E enquanto eu na varanda de marfim 
Me encosto, absorto num cismar sem fim, 
Tu, meu amor, divagas ao luar, 

Do profundo jardim pelas clareiras, 
Ou descansas debaixo das palmeiras, 
Tendo aos pés um leão familiar. 

 

 

[11]     Tormento do Ideal

 

Conheci a Beleza que não morre 
E fiquei triste. Como quem da serra 
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra 
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre, 

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre; 
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra 
Perder a cor, bem como a nuvem que erra 
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre. 

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura, 
Tropeço, em sombras, na matéria dura, 
E encontro a imperfeição de quanto existe. 

Recebi o batismo dos poetas, 
E assentado entre as formas incompletas 
Para sempre fiquei pálido e triste. 

 

 

[12]     Solemnia Verba

 

Disse ao meu coração: Olha por quantos 
Caminhos vãos andámos! Considera 
Agora, desta altura fria e austera, 
Os ermos que regaram nossos prantos... 

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos! 
E noite, onde foi luz de primavera! 
Olha a teus pés o mundo e desespera, 
Semeador de sombras e quebrantos! 

Porém o coração, feito valente 
Na escola da tortura repetida, 
E no uso do penar tornado crente, 

Respondeu: Desta altura vejo o Amor! 
Viver não foi em vão, se é isto a vida, 
Nem foi demais o desengano e a dor.