Sonetos de Camões para Liga dos Campeões
Cada aluno preparará a leitura de três sonetos de
Camões. Os sonetos a preparar são aquele cujo número corresponde ao vosso número
de sorteio da Liga dos Campeões (está nas tabelas que temos usado) e os dois
seguintes. Por exemplo, quem tem o número 1 no sorteio (foram Mariana C., no
12.º 1.ª, e Mariana, no 12.º 3.ª) preparará os sonetos 1, 2, 3. Quem tenha o
número 15 (Inês, no 12.º 1.ª; Marta, no 12.º 3.ª) preparará os sonetos 15, 16,
17. Note-se que quem tenha sido sorteado como número 28 (Tomás, no 12.º 1.ª) preparará
28, 1, 2 (como só pus 28 sonetos, neste caso regressamos ao início); e quem
tenha sido sorteado como 27 (Ricardo M.) preparará 27, 28, 1.
1
A fermosura desta fresca
serra
E a sombra dos verdes castanheiros,
O manso caminhar destes
ribeiros,
Donde toda a tristeza se
desterra;
O rouco som do mar, a
estranha terra,
O esconder do Sol pelos
outeiros,
O recolher dos gados
derradeiros,
Das nuvens pelo ar a
branda guerra;
Enfim, tudo o que a rara
natureza
Com tanta variedade nos
of'rece,
Me está, se não te vejo,
magoando.
Sem ti, tudo me enoja e me
aborrece;
Sem ti, perpetuamente
estou passando,
Nas mores alegrias, mor
tristeza.
2
Acho-me
da Fortuna salteado;
o tempo
vai fugindo pressuroso,
deixando-me da vida duvidoso
e cada instante mais desesperado.
Trocou-se
o meu descuido em tal cuidado
que, donde a glória é mais, é mais penoso;
nem vivo, de perder-me, receoso;
nem, de poder ganhar-me, confiado.
Qualquer
ave nos montes mais agrestes,
qualquer fera na cova repousando,
tem horas de alegria; eu todas tristes.
Vós,
saudosos olhos, que o quisestes,
pois com tormento amor me estão pagando,
chorai, como o que vedes, o que vistes.
3
Alegres campos, verdes
arvoredos,
claras e frescas águas de
cristal,
que em vós debuxais ao
natural,
discorrendo da altura dos
rochedos;
silvestres montes, ásperos
penedos,
compostos em concerto
desigual,
sabei que, sem licença de
meu mal,
já não podeis fazer meus
olhos ledos.
E, pois me já não vedes
como vistes,
não me alegrem verduras
deleitosas,
nem águas que correndo
alegres vêm.
Semearei em vós lembranças
tristes,
regando-vos com lágrimas
saudosas,
e nascerão saudades de meu
bem.
4
Alma minha gentil, que te
partiste
tão cedo desta vida
descontente,
repousa lá no Céu
eternamente,
e viva eu cá na terra
sempre triste.
Se lá no assento etéreo,
onde subiste,
memória desta vida se
consente,
não te esqueças daquele
amor ardente
que já nos olhos meus tão
puro viste.
E se vires que pode
merecer-te
algῦa cousa a dor que me ficou
da mágoa sem remédio de
perder-te,
roga a Deus, que teus anos
encurtou,
que tão cedo de cá me leve
a ver-te,
quão cedo de meus olhos te
levou.
5
Amor é um fogo que arde
sem se ver,
é ferida que dói, e
não se sente;
é um contentamento
descontente,
é dor que desatina sem
doer.
É um não querer mais que
bem querer;
é um andar solitário entre
a gente;
é nunca contentar-se de
contente;
é um cuidar que ganha em
se perder.
É querer estar preso por
vontade;
é servir a quem vence, o
vencedor;
é ter com quem nos mata,
lealdade.
Mas como causar pode seu
favor
nos corações humanos
amizade,
se tão contrário a si é o
mesmo Amor?
6
Aquela triste e leda
madrugada,
cheia toda de mágoa e de
piedade,
enquanto houver no mundo
saudade
quero que seja sempre
celebrada.
Ela só, quando amena e
marchetada
saía, dando ao mundo
claridade,
viu apartar-se d’ῦa outra vontade,
que nunca poderá ver-se
apartada.
Ela só viu as lágrimas em
fio,
que d’uns e d’outros olhos
derivadas
s’acrescentaram em grande
e largo rio.
Ela viu as palavras
magoadas
que puderam tornar o fogo
frio,
e dar descanso às almas
condenadas.
7
Busque Amor novas artes,
novo engenho,
para matar-me, e novas
esquivanças;
que não pode tirar-me as
esperanças,
que mal me tirará o que eu
não tenho.
Olhai de que esperanças me
mantenho!
Vede que perigosas
seguranças!
Que não temo contrastes
nem mudanças,
andando em bravo mar,
perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode
haver desgosto
onde esperança falta, lá
me esconde
Amor um mal, que mata e
não se vê.
Que dias há que n’alma me
tem posto
um não sei quê, que nasce
não sei onde,
vem não sei como, e dói
não sei porquê.
8
Correm turvas as águas
deste rio,
que as do Céu e as do
monte as enturbaram;
os campos florecidos se
secaram,
intratável se fez o vale,
e frio.
Passou o verão, passou o
ardente estio,
ῦas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados já
deixaram
do mundo o regimento, ou
desvario.
Tem o tempo sua ordem já
sabida;
o mundo, não; mas anda tão
confuso,
que parece que dele Deus
se esquece.
Casos, opiniões, natura e
uso
fazem que nos pareça desta
vida
que não há nela mais que o
que parece.
9
Enquanto quis Fortuna que
tivesse
esperança de algum
contentamento,
o gosto de um suave
pensamento
me fez que seus efeitos
escrevesse.
Porém, temendo Amor que
aviso desse
minha escritura a algum
juízo isento,
escureceu-me o
engenho co tormento,
para que seus enganos não
dissesse.
Ó vós que Amor obriga a
ser sujeitos
a diversas vontades,
quando lerdes
num breve livro casos tão
diversos,
verdades puras são, e não
defeitos;
e sabei que, segundo o
amor tiverdes,
tereis o entendimento de
meus versos.
10
Erros meus, má fortuna,
amor ardente
em minha perdição se
conjuraram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava o
amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão
presente
a grande dor das cousas
que passaram,
que as magoadas iras me
ensinaram
a não querer já nunca ser
contente.
Errei todo o discurso de
meus anos;
dei causa que a Fortuna
castigasse
as minhas mal fundadas
esperanças.
De amor não vi senão
breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse que
fartasse
este meu duro génio de
vinganças!
11
Grão
tempo há já que soube da Ventura
a vida
que me tinha destinada;
que a longa experiência da passada
me dava claro indício da futura.
Amor
fero, cruel, Fortuna dura,
bem tendes vossa força exprimentada:
assolai, destrui, não fique nada;
vingai-vos desta vida, que inda dura.
Soube
Amor da Ventura que a não tinha;
e, por que mais sentisse a falta dela,
de imagens impossíveis me mantinha.
Mas vós,
Senhora, pois que minha estrela
não foi melhor, vivei nesta alma minha,
que não tem a Fortuna poder nela.
12
Está o
lascivo e doce passarinho
Com o
biquinho as penas ordenando,
O verso sem medida, alegre e brando,
Espedindo no rústico raminho.
O cruel
caçador (que do caminho
Se vem calado e manso desviando),
Na pronta vista a seta endereitando,
Lhe dá no Estígio lago eterno ninho.
Destarte
o coração, que livre andava
(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia, foi ferido.
Porque o
Frecheiro cego me esperava,
Pera que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
13
Leda
serenidade deleitosa,
que
representa em terra um paraíso:
entre rubis e perlas, doce riso;
debaixo de ouro e neve, cor de rosa.
Presença
moderada e graciosa,
onde ensinando estão despejo e siso
que se pode por arte e por aviso,
como por natureza, ser fermosa:
fala de
quem a morte e a vida pende,
rara, suave; enfim, Senhora, vossa;
repouso nela alegre e comedido.
Estas as
armas são com que me rende
e me cativa Amor; mas não que possa
despojar-me da glória de rendido.
14
O céu, a terra, o vento
sossegado...
As ondas, que se estendem
pela areia...
Os peixes, que no mar o
sono enfreia...
O noturno silêncio
repousado...
O pescador Aónio, que,
deitado
onde co vento a água se
meneia,
chorando, o nome
amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que
nomeado:
— Ondas (dezia), antes que
Amor me mate,
tornai-me a minha Ninfa,
que tão cedo
me fizestes à morte estar
sujeita.
Ninguém lhe fala; o mar de
longe bate,
move-se brandamente o
arvoredo;
leva-lhe o vento a voz,
que ao vento deita.
15
Oh! como se me alonga, de
ano em ano,
a peregrinação cansada
minha!
Como se encurta, e como ao
fim caminha
este meu breve e vão
discurso humano!
Vai-se gastando a idade e
cresce o dano;
perde-se-me um remédio,
que inda tinha;
se por experiência se
adivinha,
qualquer grande esperança
é grande engano.
Corro após este bem que
não se alcança;
no meio do caminho me
falece,
mil vezes caio, e perco a
confiança.
Quando ele foge, eu tardo;
e, na tardança,
se os olhos ergo a
ver se inda parece,
da vista se me perde e da
esperança.
16
Posto
me tem fortuna em tal estado,
E tanto
a seus pés me tem rendido!
Não tenho que perder já, de perdido,
Não tenho que mudar já, de mudado.
Todo o
bem para mim é acabado;
Daqui dou o viver já por vivido;
Que, aonde o mal é tão conhecido,
Também o viver mais será escusado.
Se me
basta querer, a morte quero,
Que bem outra esperança não convém,
E curarei um mal com outro mal.
E pois
do bem tão pouco bem espero,
Já que o mal este só remédio tem,
Não me culpem em querer remédio tal.
17
Transforma-se o amador na
cousa amada,
por virtude do muito
imaginar;
não tenho, logo, mais que
desejar,
pois em mim tenho a parte
desejada.
Se nela está minh’alma
transformada,
que mais deseja o corpo de
alcançar?
Em si somente pode
descansar,
pois consigo tal alma está
liada.
Mas esta linda e pura
semideia,
que, como um
acidente em seu sujeito,
assi co a alma minha
se conforma,
está no pensamento como
ideia:
o vivo e puro amor de que
sou feito,
como a matéria simples,
busca a forma.
18
Um mover d’olhos, brando
e piadoso,
sem ver de quê; um riso
brando e honesto,
quase forçado; um doce e
humilde gesto,
de qualquer alegria
duvidoso;
um despejo quieto e
vergonhoso;
um repouso gravíssimo e
modesto;
ῦa pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo e
gracioso;
um encolhido ousar; ῦa brandura;
um medo sem ter culpa; um
ar sereno;
um longo e obediente
sofrimento;
esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mágico
veneno
que pôde transformar meu
pensamento.
19
Doces
águas e claras do Mondego,
doce
repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego:
de vós
me aparto; mas, porém, não nego
Que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança;
mas quanto mais me alongo, mais me achego.
Bem
pudera Fortuna este instrumento
d' alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;
mas alma,
que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
20
Ah,
minha Dinamene assi deixaste
Quem não
deixara nunca de querer-te!
Ah, Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!
Como já
para sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?
Nem
falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Ó mar! Ó
céu! Ó minha escura sorte!
Qual pena sentirei, que valha tanto,
Que ainda tenho por pouco o viver triste?
21
Brandas
águas do Tejo que, passando
por
estes verdes campos que regais,
plantas, ervas, e flores e animais,
pastores, ninfas ides alegrando;
não sei
(ah, doces águas!), não sei quando
vos tornarei a ver; que mágoas tais,
vendo como vos deixo, me causais
que de tornar já vou desconfiando.
Ordenou
o Destino, desejoso
de converter meus gostos em pesares,
partida que me vai custando tanto.
Saudoso
de vós, dele queixoso,
encherei de suspiros outros ares,
turbarei outras águas com meu pranto.
22
Correm turvas as águas
deste rio,
que as do Céu e as do
monte as enturbaram;
os campos florecidos se
secaram,
intratável se fez o vale,
e frio.
Passou o verão, passou o
ardente estio,
ῦas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados já
deixaram
do mundo o regimento, ou
desvario.
Tem o tempo sua ordem já
sabida;
o mundo, não; mas anda tão
confuso,
que parece que dele Deus
se esquece.
Casos, opiniões, natura e
uso
fazem que nos pareça desta
vida
que não há nela mais que o
que parece.
23
Ditoso seja aquele que
somente
se queixa de amorosas
esquivanças;
pois por elas não perde as
esperanças
de poder n’algum tempo ser
contente.
Ditoso seja quem, estando
ausente,
não sente mais que a pena
das lembranças;
porqu’, inda que se tema de
mudanças,
menos se teme a dor quando
se sente.
Ditoso seja, enfim,
qualquer estado
onde enganos, desprezos e
isenção
trazem o coração
atormentado.
Mas triste quem se sente
magoado
d’erros em que não pode
haver perdão,
sem ficar n’alma a mágoa
do pecado.
24
Sete anos de pastor Jacob
servia
Labão, pai de Raquel,
serrana bela;
mas não servia ao pai,
servia a ela,
e a ela só por prémio
pretendia.
Os dias, na esperança de
um só dia,
passava, contentando-se
com vê-la;
porém o pai, usando de
cautela,
em lugar de Raquel lhe
dava Lia.
Vendo o triste pastor que
com enganos
lhe fora assi negada a sua
pastora,
como se a não tivera
merecida;
começa de servir outros
sete anos,
dizendo: — Mais servira,
se não fora
para tão longo amor tão
curta a vida.
25
Crecei,
desejo meu, pois que a Ventura
já vos
tem nos seus braços levantado;
que a bela causa de que sois gerado
o mais ditoso fim vos assegura.
Se
aspirais por ousado a tanta altura,
não vos espante haver ao Sol chegado;
porque é de águia real vosso cuidado,
que, quanto mais o sofre, mais se apura.
Ânimo,
coração! que o pensamento
te pode inda fazer mais glorioso,
sem que respeite a teu merecimento.
Que
cresças inda mais é já forçoso,
porque, se foi de ousado o teu intento,
agora de atrevido é venturoso.
26
Doces lembranças da
passada glória,
que me tirou a Fortuna
roubadora,
deixai-me repousar em paz ῦ hora,
que comigo ganhais pouca
vitória.
Impressa tenho n’alma
larga história
deste passado bem que
nunca fora,
ou fora, e não passara,
mas já agora
em mim não pode haver mais
que a memória.
Vivo em lembranças, mouro
d’esquecido,
de quem sempre devera ser
lembrado,
se lhe lembrara estado tão
contente.
Oh! quem tornar pudera a
ser nascido!
Soubera-me lograr do bem
passado,
se conhecer soubera o mal
presente.
27
Gostos
falsos de amor, gostos fingidos,
gostos
vãos sempre limitados,
gostos grandes quando imaginados,
gostos pequenos quando possuídos;
inda não
alcançados já perdidos,
inda não começados já acabados,
inconstantes, mudáveis, apressados,
aparecidos e desaparecidos.
Já vos
perdi, e perdi a esperança
de vos cobrar; agora só queria
convosco se acabasse esta lembrança;
que, se
me cansa a vida e fantesia
viver de vós tão longe, mais me cansa
lembrar-me o tempo que vos possuía.
28
Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a
confiança;
todo o mundo é composto de
mudança,
tomando sempre novas
qualidades.
Continuamente vemos
novidades,
diferentes em tudo da
esperança;
do mal ficam as mágoas na
lembrança,
e do bem (se algum houve),
as saudades.
O tempo cobre o chão de
verde manto,
que já coberto foi de neve
fria,
e, em mim, converte em
choro o doce canto.
E, afora este mudar-se
cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.
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