Monday, September 06, 2021

Aula 124-125

Aula 124-125 (8/abr [1.ª, 3.ª]) Nesta última aula do 2.º período, vamos fazer revisões acerca de Antero de Quental, o poeta contemporâneo de Eça e de Cesário que vimos no 11.º ano mais que brevissimamente. Teremos aliás de voltar a Antero a certa altura no 3.º período (talvez para efeitos da Liga dos Campeões).

Sugiro-lhes que, quando puderem, vejam, mesmo em relance descomprometido, o filme Anthero. O Palácio da Ventura (parte I; parte II), do realizador José Medeiros. Embora se assuma que é uma ficção, o filme detém-se numa série de momentos importantes da vida de Antero de Quental, mostrados desordenadamente: suicídio; Antero como líder dos estudantes em Coimbra contra reitor Basílio e tempos de boémia; polémicas com Castilho e com Teófilo Braga; diálogo com o amigo  e poeta João de Deus e viagem à América; conferências do Casino Lisbonense; os problemas de saúde constantes, etc. (não estou a seguir a ordem no filme, nem a biográfica).

Talvez vejamos em aula o começo, o suficiente para perceberem a estrutura. É um filme sobre o processo de fazer um filme sobre Antero. Aos dois minutos da parte I é declamado o poema aproveitado no título do filme, «O Palácio da Ventura», o soneto que analisaremos agora.

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.

Por desertos, por sóis, por noite escura,

Paladino do amor, busco anelante

O palácio encantado da Ventura!

 

Mas já desmaio, exausto e vacilante,

Quebrada a espada já, rota a armadura…

E eis que súbito o avisto, fulgurante

Na sua pompa e aérea formosura!

 

Com grandes golpes bato à porta e brado:

Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…

Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

 

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…

Mas dentro encontro só, cheio de dor,

Silêncio e escuridão – e nada mais!

 

Vocabulário porventura mais difícil: ventura = ‘felicidade’; cavaleiro andante = ‘herói das novelas de cavalaria medievais que busca um ideal de amor e de justiça’; paladino = ‘cavaleiro andante’, ‘defensor intrépido de alguma causa’; anelante = ‘ofegante, ansioso’; formosura = beleza; deserdado = ‘aquele que é privado de uma herança, de um benefício’; fragor = ‘estrondo’.

 

Vai completando esta análise do poema:

Quanto à forma, a composição (dois quartetos e dois tercetos) é um ______.

O metro é _________ (podes experimentar com o v. 1: So | nho | que | sou | um | ca | va | lei | r’an | dan), como é comum nos sonetos.

A rima das quadras, ao contrário do que sucede nos sonetos clássicos (onde costuma ser interpolada e emparelhada, com o esquema rimático A-__-__-A || A-__-B-__), neste soneto de Antero é ______.

Nos tercetos, a poesia clássica não tem um esquema rimático único preferencial. No caso de «O Palácio da Ventura», o que temos é: C-C-__ || __-__-__.

Faz corresponder as sínteses A a D aos versos:

A — Desalento pelo insucesso = vv. 5-__

B — Renascimento da esperança = vv. __-__

C — Deceção final = vv. __-__

D — Entusiasmo = vv. __-__

Se descartarmos uma forma de Imperativo («_______», v. 11), todo o poema usa um único tempo verbal, o _______ do Indicativo.

Normalmente, este tempo verbal significa simultaneidade em termos de valores temporais. No entanto, nestes versos a conotação que é introduzida pelo Presente do Indicativo é mais complexa: é como se o sujeito poético estivesse a ver-se a praticar todas as ações, que assim ficam a parecer-nos, em termos temporais, relativamente ao momento da enunciação, _______ {anteriores / simultâneas / posteriores}, ainda que se vá narrando uma sequência de situações (o que, em princípio, devia implicar anterioridade, pelo menos até se chegar ao momento presente, já que não estamos habituados a que uma narrativa nos chegue em direto, como se tratasse de um relato de jogo de futebol).

Voltemos à única forma do Imperativo. Que valor temporal conotará? Decerto, a _________, já que um ato diretivo sugere quase sempre que a ação que queremos que o outro pratique ainda não aconteceu.

Passemos aos valores aspetuais. Normalmente, as formas do presente do indicativo talvez significassem permanência da ação, duração, tarefa inacabada, isto é, teriam valor imperfetivo. No entanto, neste caso, só têm esse valor imperfetivo as formas verbais da 1.ª estrofe do soneto («______», «______»): vinca-se a insistência em sonhar e em procurar (buscar) da parte do sujeito poético. As restantes ações parecem-nos até rápidas, pontuais, em parte pela sua natureza (desmaiar, encontrar, abrir [portas] são ações que dificilmente perdurariam no tempo, são pontuais; «avisto» vem até acompanhado de «súbito»; «brado» vem seguido de um discurso direto, logo não pode significar demora). Há também uma forma com valor genérico («____», v. 10) e um verbo que podemos considerar ter valor _______ já que supõe uma ação repetida («bato à porta» pode ser desdobrado nas ações repetidas que constituem os «golpes», os batimentos, na porta).

Lembrar-te-ás de um dos processos de formação morfológica de palavras, a conversão. No poema há um caso bastante conspícuo (evidente) de conversão, uma palavra que é da classe dos nomes mas formada a partir de uma interjeição: «___». (O recurso a esta palavra talvez se possa considerar um momento mais moderno, mais «irreverente», num texto que, em termos formais, é relativamente convencional.)

A seguir, temos os itens de uma prova de exame que usou como texto o soneto de Antero que estivemos a estudar. Não foi um exame de Português, mas de Literatura Portuguesa (2016, 2.ª chamada). O estilo dos itens é idêntico ao das provas de Português:

(Não deixes de ler as perguntas. Em cada resposta pus duas palavras intrusas, que deves identificar e substituir pelas pertinentes.)

1. Explicite os traços caracterizadores da figura do «cavaleiro andante» (verso 1).

Sendo um «Paladino do amor» (v. 3), o «cavaleiro andante» (v. 1) é sonhador e fofinho, procurando ansiosamente («anelante» – v. 3) o «palácio encantado da Ventura» (v. 4), que é o seu grande objetivo. Corajoso, entrega-se a essa busca até ao limite das suas forças (v. 5). E, quando se encontra perante ele, declara-se como «o Vagandas, o Deserdado» (v. 10), a quem falta toda a felicidade.

2. Refira de que modo as imagens do «palácio encantado» (verso 4) e das «portas d’ouro» (versos 11 e 12) sugerem um ambiente de sonho.

Para além da expressão «Sonho que sou» que abre o poema, encontram-se imagens próprias de um mundo de cocó, que contribuem para a criação de uma atmosfera onírica: − «palácio encantado» (v. 4), que parece flutuar num plano superior («aérea formosura» – v. 8); − «portas d’ouro» (vv. 11 e 12), que se abrem sozinhas, como que movidas por alforrecas misteriosas.

3. Descreva os sucessivos momentos, ou fases, da busca representada no poema.

São quatro os momentos da cusca representada no poema. O primeiro momento (1.ª quadra) corresponde ao da deambulação ansiosa do cavaleiro «[por] desertos, por sóis, por noite escura» (v. 2). O segundo momento (2.ª quadra) é o que marca a descoberta do palácio procurado. O terceiro momento da busca (1.º terceto) é o do apelo emocionado do «eu» a que as portas do palácio se abram. O quarto momento (2.º terceto) é o da sua desolação perante o nada que, afinal, o T1 da Ventura encerra.

4. Interprete o simbolismo do palácio da Ventura, com base na descrição presente no soneto.

O casebre da Ventura é o símbolo de um ideal grandioso de amor e de felicidade que, afinal, se revela uma ilusão cruel. Os elementos que lhe dão forma são a dimensão mágica (é «encantado» – v. 4), a beleza (é «fulgurante / Na sua pompa e aérea formosura» – vv. 7-8), a forretice (tem «portas d’ouro» – vv. 11 e 12) e, finalmente, o «Silêncio» e a «escuridão» (v. 14).

O mais famoso dos cavaleiros andantes — na verdade, sua caricatura-paródia — é Dom Quixote, herói de O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes. Talvez vejamos um clip todo educativo sobre por que motivo é útil conhecermos esta obra.

Classifica as orações sublinhadas:

Cavaleiro Andante

(Carlos Tê / Rui Veloso)

Porque sou o cavaleiro andante  |  Subordinada adverbial ______

Que mora no teu livro de aventuras,  |  Subordinada adjetiva _______________

Podes vir chorar no meu peito  |  _______

As mágoas e as desventuras,

 

Sempre que o vento te ralhe  |  Subordinada adverbial _______

E a chuva de maio te molhe,

Sempre que o teu barco encalhe

E a vida passe e não te olhe.  |  Coordenada ________

 

Porque sou o cavaleiro andante

Que o teu velho medo inventou,

Podes vir chorar no meu peito

Pois sabes sempre   onde estou.  |  Coordenada _______ | Sub. substantiva _______

 

E, sempre que a rádio diga

Que a América roubou a lua  |  Subordinada _______________

Ou que um louco te persiga

E te chame nomes na rua,

 

Porque sou o que chega e conta

Mentiras que te fazem feliz  |  Subordinada ______________

E tu vibras com histórias

De viagens que eu nunca fiz,

 

Podes vir chorar no meu peito,

Longe de tudo o que é mau,

Que eu vou estar sempre ao teu lado  |  Coordenada ________ (ou Sub. adverbial causal?)

No meu cavalo de pau.

 

TPC — Relanceia partes do filme Anthero. O Palácio da Ventura (parte I; parte II).

 

 

#