Aula 114R-114
Aula 114R-114 (23 [1.ª], 24/mar [3.ª]) Eis a parte B do Grupo I do exame do ano passado
(1.ª fase). Quanto à parte A, os itens 1, 2 e 3 eram sobre um poema de Alberto
Caeiro. Na parte C, o item 7 era uma exposição sobre «a emergência de uma
consciência coletiva do povo português» em Fernão Lopes.
parte B
Leia os dois textos e as notas. Na resposta
aos itens de 4. a 6., tenha em consideração ambos os textos.
O oficial era moço, talvez
não tinha trinta anos; posto que o trato das armas, o rigor das estações, e o
selo visível dos cuidados que trazia estampado no rosto, acentuassem já mais
fortemente, em feições de homem feito, as que ainda devia arredondar a
juventude.
A sua estatura era mediana,
o corpo delgado, mas o peito largo e forte como precisa um coração de homem para
pulsar livre; seu porte gentil e decidido de homem de guerra desenhava-se
perfeitamente sob o espesso e largo sobretudo militar – espécie de great-coat1
inglês que a imitação das modas britânicas tinha tornado familiar nos nossos
bivaques2. Trazia-o desabotoado e descaído para trás, porque a noite
não era fria; e via-se por baixo elegantemente cingida ao corpo a fardeta parda
dos caçadores, realçada de seus característicos alamares3 pretos e
avivada de encarnado...
Uniforme tão militar, tão nacional,
tão caro a nossas recordações – que essas gentes, prostituidoras de quanto
havia nobre, popular e respeitado nesta terra, proscreveram4 do
exército... por muito português de mais talvez! deram-lhe baixa para os
beleguins5 da alfândega, reformaram-no em uniforme da bicha6!
Não pude resistir a esta
reflexão: as amáveis leitoras me perdoem por interromper com ela o meu retrato.
Mas
quando pinto, quando vou riscando e colorindo as minhas figuras, sou como
aqueles pintores da Idade Média que entrelaçavam nos seus painéis dísticos de
sentenças, fitas lavradas de moralidades e conceitos... talvez porque não
sabiam dar aos gestos e atitudes expressão bastante para dizer por eles o que
assim escreviam, e servia a pena de suplemento e ilustração ao pincel...
Talvez: e talvez pelo mesmo motivo caio eu no mesmo defeito...
Será; mas em mim é
irremediável, não sei pintar de outro modo.
Voltemos ao nosso retrato.
Os olhos pardos e não muito
grandes, mas de uma luz e viveza imensa, denunciavam o talento, a mobilidade do
espírito – talvez a irreflexão... mas também a nobre singeleza de um carácter
franco, leal e generoso, fácil na ira, fácil no perdão, incapaz de se ofender
de leve, mas impossível de esquecer uma injúria verdadeira.
Almeida
Garrett, Viagens na Minha Terra, 2.ª ed., Lisboa, Portugália, 1963, pp.
148-149.
– Meu pai! Não meta este
senhor em maiores trabalhos! – disse Mariana.
– Não tem dúvida, menina –
atalhou Simão; – eu é que não quero meter ninguém em trabalhos. Com a minha
desgraça, por maior que ela seja, hei de eu lutar sozinho.
João da Cruz, assumindo uma
gravidade de que a sua figura raras vezes se enobrecia, disse:
– Senhor Simão, Vossa
Senhoria não sabe nada do mundo. Não meta sozinho a cabeça aos trabalhos, que
eles, como o outro que diz, quando pegam de ensarilhar um homem, não lhe deixam
tomar fôlego. Eu sou um rústico; mas, a bem dizer, estou naquela daquele que dizia
que o mal dos seus burrinhos o fizera alveitar7. Paixões, que as
leve o diabo, e mais quem com elas engorda. Por causa de uma mulher, ainda que
ela seja filha do rei, não se há de um homem botar a perder8.
Mulheres há tantas como a praga, e são como as rãs do charco, que mergulha uma,
e aparecem quatro à tona d’água. Um homem rico e fidalgo como Vossa Senhoria,
onde quer, topa uma com um palmo de cara como se quer, e um dote de encher o
olho. Deixe-a ir com Deus ou com a breca, que ela, se tiver de ser sua, à mão
lhe há de vir dar, e tanto faz andar pra trás como pra diante, é ditado dos
antigos. Olhe que isto não é medo, fidalgo; tome sentido, que João da Cruz sabe
o que é pôr dois homens duma feita a olhar o sete-estrelo9, mas não
sabe o que é medo. Se o senhor quer sair à estrada e tirar a tal pessoa ao pai,
ao primo, e a um regimento, se for necessário, eu vou montar na égua, e daqui a
três horas estou de volta com quatro homens, que são quatro dragões.
Simão fitara os olhos
chamejantes nos do ferrador, e Mariana exclamara, ajuntando as mãos sobre o
seio:
– Meu pai! não lhe dê esses
conselhos!…
– Cala-te aí, rapariga! –
disse mestre João. – Vai tirar o albardão10 à égua, amanta-a, e
bota-lhe seco. Não és aqui chamada.
– Não vá aflita, senhora
Mariana – disse Simão à moça, que se retirava amargurada. – Eu não aproveito
alguns dos conselhos de seu pai. Ouço-o com boa vontade, porque sei que quer o
meu bem; mas hei de fazer o que a honra e o coração me aconselhar.
Camilo Castelo Branco, Amor
de Perdição, edição de Aníbal Pinto de Castro, Porto, Caixotim, 2006, pp.
194-195.
notaS
1 great-coat – espécie de
sobretudo; casaco comprido. || 2 bivaques – modalidade de
estacionamento de tropas em que estas se alojam em tendas de campanha ou
abrigos improvisados. || 3 alamares – cordões metálicos que
guarnecem, pela frente, uma peça de vestuário, de um lado ao outro da
abotoadura. || 4 proscreveram – baniram; afastaram. || 5
beleguins – oficiais de justiça. || 6 uniforme da
bicha – uniforme de aspirante a oficial. || 7 alveitar –
referência a alguém cujo conhecimento assenta na experiência de vida; aquele
que trata de doenças de animais, sem diploma legal. || 8 botar a
perder – deitar a perder. || 9 sete-estrelo – grupo de
estrelas na constelação das Plêiades; as estrelas. || 10 albardão
– sela grande; assento grosseiro que se coloca no dorso da cavalgadura para a
montar.
* 4. O «oficial» e Simão apresentam características que permitem
defini-los como heróis românticos. Explique o modo como uma dessas
características, comum a ambas as personagens, se manifesta em cada uma delas.
Na sua resposta, comece por identificar a característica comum às personagens.
* 5. O narrador, num caso, e João da Cruz, no outro, exprimem
opiniões sobre o que observam no mundo em que vivem. Explicite uma opinião
defendida por cada um deles.
6.
Selecione a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo
apresentadas.
Nos excertos transcritos, é
possível identificar características das narrativas do Romantismo.
Por exemplo, no excerto de Viagens
na Minha Terra, o narrador interrompe o retrato da personagem para
introduzir reflexões. Terminadas essas reflexões, afirma «Voltemos ao nosso
retrato.» (linha 25), expressão através da qual se dirige _______.
Por seu lado, no excerto de
Amor de Perdição, é percetível a diferença de classe social das
personagens, entre outros aspetos, através ______.
(A) às leitoras … do registo
de língua usado por João da Cruz
(B) ao «oficial» … da altivez
revelada por Simão
(C) às leitoras … da altivez
revelada por Simão
(D) ao «oficial» … do registo
de língua usado por João da Cruz
Vimos estes
minutos de episódios de 1986:
https://www.rtp.pt/play/p4460/e599390/1986
(episódio 9: 3-3.40; 5.40-8)
https://www.rtp.pt/play/p4460/e599399/1986 (ep. 10: 3.20-11; 18.30-20.35)
https://www.rtp.pt/play/p4460/e599407/1986
(ep. 12: 32.10-33)
https://www.rtp.pt/play/p4460/e599408/1986
(ep. 13: 35.20-40)
1986 — Patrícia (e Sérgio) |
Amor de Perdição — Mariana (e Simão) |
Há mensagens
de paixão não assumida |
|
Por exemplo, os escritos nas ____
da então Escola Secundária de Benfica. |
Por exemplo, o ____ de Mariana ao
ver o sangue de Simão. |
Outros, sem
querer, adivinham a paixão escondida |
|
Depois de assistir a uma discussão
entre Sérgio e Patrícia, Tiago comenta: «Vocês parecem um casal de ______». |
Depois de a filha desmaiar, João
da Cruz assinala, brincando, a sua exagerada ______ perante a ferida de
Simão. |
Pais são
adjuvantes |
|
Pai de Sérgio, representado por
Nuno Markl, transporta mesa depois de convencer direção da Escola Secundária
de Benfica de que se tratava de expediente para, mais tarde, melhorar o
mobiliário do importante _______ de ensino. |
João da Cruz, ao valorizar a filha
relativamente às «fidalgas», ao dar-lhe o encargo de apoiar o enfermo,
favorece proximidade de Mariana e Simão. Além disso, depois de assassinado o
ferrador, é a ______ que vai ajudar Mariana a consagrar-se ao apoio a Simão. |
As
apaixonadas são como irmãs ou colegas, dedicam-se ao seu amor sem exigir reciprocidade |
|
Coleção de cromos, despiques sobre
gostos musicais ou sobre o Jornal do Incrível mostram que Patrícia
aceita desempenhar esse papel de simples colega, companheira dos lazeres,
ainda que vão surgindo «arrufos de ______». |
É o próprio Simão que trata
Mariana por «minha irmã», ao mesmo tempo que descarta qualquer outro tipo de
relação («Pudesse eu ser o ______ de sua filha», diz ele para João da Cruz). |
As duas
apaixonadas ajudam as rivais |
|
Patrícia vai ouvindo os projetos
de Sérgio relativamente à loira desconhecida, disfarçando a contrariedade,
troçando dele mas colaborando nos seus planos (cujo conhecimento servirá o
seu propósito). É _____ de Sérgio acerca dos seus anseios quanto à putativa
amante. |
Mariana apoia sempre Simão no amor
por Teresa, por exemplo, levando e trazendo correspondência. O ciúme que
sente não a leva a agir contra quem ama aquele que ela ama. É a _____ de
Simão acerca do seu amor por Teresa. |
Apaixonadas revelam
tardiamente a sua paixão |
|
Patrícia nada diz a Sérgio até ao
dia das eleições; nessa altura aparece ela no encontro marcado, em vez da ______.
Sérgio percebe finalmente os sentimentos de Patrícia, aceita a sua
aproximação, parece esquecer a loira e acolhe bem a nova situação. |
A partir de certa altura, Mariana
assume que, mesmo sem ser a escolhida por Simão, quer estar sempre a seu
lado. Simão percebe que ela o ama, quer ______ de alterar assim a vida por
ele, mas nem por isso a impede de continuar a seu lado. |
As
apaixonadas acabam por ficar ao lado do seu herói |
|
No dia das
eleições e do encontro crucial, Patrícia cumpre o desejo de ______ Sérgio. O
elemento masculino do par parece acomodar-se à situação sem mostrar demasiada
surpresa. |
No dia do
lançamento do cadáver ao mar, Mariana cumpre o desejo de não _______ Simão. O
elemento masculino do par parece acomodar-se à situação sem mostrar demasiada
surpresa. |
E, afinal, qual é o verdadeiro
par romântico (no sentido de par de «heróis
românticos») de 1986? Quem luta contra
o que esperam deles, enfrentando o senso comum? Quem tem preocupações com a
liberdade, a sua e a dos outros? Quem quebra barreiras sociais (ou, neste caso,
de papel profissional)?
É o par{escolhe, circundando:} Marta-Tiago,
Patrícia-Sérgio, Mariana-Gonçalo, Eduardo-Alice.
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