Saturday, August 25, 2018

Instruções para comentário comparado entre poesia de Cesário Verde e pintura


Trata-se de escrever comentário comparado entre uma pintura — que poderão escolher em tantos sites na net (tentar perceber os que são de melhor qualidade, provavelmente os de museus ou mais institucionais) — em confronto com características da poesia de Cesário Verde, integrando alusões a poemas e algumas citações.
Este trabalho ser-me-á enviado por mail, com o link da pintura. Depois de emendado por mim, enviar-me-ão uma segunda versão, que afixarei para todos. Fica um exemplo meu aqui, em baixo, cujos aspetos de formato devem procurar seguir.
Reparem como é referido o nome do quadro, indicando-se também a data, como se foi mencionando o pintor (sem nos demorarmos em pormenores biográficos); como foram referidos os versos de «O Sentimento dum Ocidental» (mas podem ter usar outros poemas de Cesário e não é preciso concentrarem-se num único). Relativamente ao texto que lhes deixo como exemplo, talvez pudesse ter aproveitado mais a pintura em causa. A extensão do texto será entre quatrocentas e quinhentas palavras. (O texto abaixo tem 499 palavras.)
O trabalho é para ficar lançado ainda antes do final do período. O primeiro envio (já a computador) pode ser feito logo que queiram. Emendarei e levar-lhes-ei versão em papel que usarão para corrigir o vosso ficheiro (que me enviarão depois).

Nome de aluno [nota]

Aproveito este quadro de James Ensor — «L’Intrigue [A Intriga]» (1890) —, que nasceu em 1860, apenas cinco anos depois de Cesário Verde (1855-1886), mas morreu já em 1949. O pintor nascido em Ostende conheceria as duas grandes guerras, enquanto que o poeta lisboeta nem chegou ao século XX.
O aspeto que me interessa no óleo do pintor belga, e que nele é recorrente, dir-se-á mesmo um emblema do seu estilo, surge também em poemas de Cesário Verde mas nem será um dos traços mais característicos do poeta. Trata-se da representação de figuras com esgares carnavalescas, um pouco insólitas, na fronteira entre o inverosímil (mágico, fantástico) e o realista ainda que grotesco ou caricatural. Nas telas de Ensor, estas figuras aparecem em cortejos e podem corresponder a representações de momentos extraordinários mas verdadeiros; estão, digamos assim, justificadas pelo contexto particular, em geral dentro de uma multidão festiva (no quadro em causa, o Carnaval de Ostende). Em «O Sentimento dum Ocidental», as máscaras que me lembraram as de Ensor pontuam um percurso em que acreditamos — o «eu» vai andando pela cidade, do fim da tarde à madrugada, cruzando-se com personagens que constituem retratos sociais identificáveis, num espaço reconhecível no mapa de Lisboa (entre Sé e Bairro Alto), não se percebendo se são figuras excecionais que o «eu» observasse nas suas andanças, se metáforas do que a visão da cidade lhe desperta ou sonhos motivados por outras personagens que não explicite (neste último caso, seriam o equivalente da célebre metamorfose dos vegetais em «Num Bairro Moderno»).
As «freiras que os jejuns matavam de histerismo» são o termo com que o poeta compara as «burguesinhas do Catolicismo» (III, vv. 12 e 9), por isso não podemos dizer que se trate da realidade descrita nem de aparições «surrealistas». Porém, na estrofe anterior, o «eu» confessava «pens[ar] / ver círios, laterais, [...] filas de capelas, / com santos, fiéis, andores, ramos, velas» (vv. 6-7), quase a assunção de um sonho de quem é propenso a transmutações e a transmigrações. Já a previsão de «castíssimas esposas, / que aninh[a]m em mansões de vidro transparente» (IV, vv. 15-16) será da ordem da crítica social ainda que implique atmosfera onírica (a não ser que a transparência do vidro a que aqui se alude seja mais material do que cremos). E os cães que parecem lobos (IV, v. 36) ou os carpinteiros que parecem morcegos (I, vv. 15-16), os prédios grandes como montes (IV, v. 42), as luzes de uma caleche que são olhos sangrentos (IV, v. 8), entre outras comparações, hipérboles, metáforas, são recursos linguísticos para descrever uma Lisboa disfórica, a tal maré de fel.
Onde Cesário mais sugere James é logo na parte I. O «trôpego arlequim [que] braceja numas andas» (v. 30) lembra um desses foliões típicos de Ensor — seja ele uma espécie de artista circence efetivamente em passeio pela cidade ou, o que é mais provável, uma imagem buscada no acervo quase cubista muito avant la lettre da Lisboa fantasmagórica deste Cesário/Ensor, se calhar também Verde/Chagall.