Instruções para comentário comparado entre poesia de Cesário Verde e pintura
Trata-se de escrever comentário comparado
entre uma pintura — que poderão escolher em tantos sites na net (tentar perceber
os que são de melhor qualidade, provavelmente os de museus ou mais
institucionais) — em confronto com características da poesia de Cesário Verde,
integrando alusões a poemas e algumas citações.
Este trabalho ser-me-á enviado por mail,
com o link da pintura. Depois de emendado por mim, enviar-me-ão uma segunda
versão, que afixarei para todos. Fica um exemplo meu aqui, em baixo, cujos
aspetos de formato devem procurar seguir.
Reparem como é referido o nome do quadro,
indicando-se também a data, como se foi mencionando o pintor (sem nos demorarmos
em pormenores biográficos); como foram referidos os versos de «O Sentimento dum
Ocidental» (mas podem ter usar outros poemas de Cesário e não é preciso
concentrarem-se num único). Relativamente ao texto que lhes deixo como exemplo,
talvez pudesse ter aproveitado mais a pintura em causa. A extensão do texto
será entre quatrocentas e quinhentas palavras. (O texto abaixo tem 499
palavras.)
O trabalho é para ficar lançado ainda
antes do final do período. O primeiro envio (já a computador) pode ser feito
logo que queiram. Emendarei e levar-lhes-ei versão em papel que usarão para
corrigir o vosso ficheiro (que me enviarão depois).
Nome de
aluno [nota]
Aproveito este quadro de
James Ensor — «L’Intrigue [A Intriga]» (1890) —, que nasceu em 1860, apenas
cinco anos depois de Cesário Verde (1855-1886), mas morreu já em 1949. O pintor
nascido em Ostende conheceria as duas grandes guerras, enquanto que o poeta
lisboeta nem chegou ao século XX.
O aspeto que me
interessa no óleo do pintor belga, e que nele é recorrente, dir-se-á mesmo um
emblema do seu estilo, surge também em poemas de Cesário Verde mas nem será um
dos traços mais característicos do poeta. Trata-se da representação de figuras com
esgares carnavalescas, um pouco insólitas, na fronteira entre o inverosímil
(mágico, fantástico) e o realista ainda que grotesco ou caricatural. Nas telas
de Ensor, estas figuras aparecem em cortejos e podem corresponder a representações
de momentos extraordinários mas verdadeiros; estão, digamos assim, justificadas
pelo contexto particular, em geral dentro de uma multidão festiva (no quadro em
causa, o Carnaval de Ostende). Em «O Sentimento dum Ocidental», as máscaras que
me lembraram as de Ensor pontuam um percurso em que acreditamos — o «eu» vai
andando pela cidade, do fim da tarde à madrugada, cruzando-se com personagens
que constituem retratos sociais identificáveis, num espaço reconhecível no mapa
de Lisboa (entre Sé e Bairro Alto), não se percebendo se são figuras
excecionais que o «eu» observasse nas suas andanças, se metáforas do que a
visão da cidade lhe desperta ou sonhos motivados por outras personagens que não
explicite (neste último caso, seriam o equivalente da célebre metamorfose dos vegetais
em «Num Bairro Moderno»).
As «freiras que os jejuns
matavam de histerismo» são o termo com que o poeta compara as «burguesinhas do
Catolicismo» (III, vv. 12 e 9), por isso não podemos dizer que se trate da
realidade descrita nem de aparições «surrealistas». Porém, na estrofe anterior,
o «eu» confessava «pens[ar] / ver círios, laterais, [...] filas de capelas, /
com santos, fiéis, andores, ramos, velas» (vv. 6-7), quase a assunção de um
sonho de quem é propenso a transmutações e a transmigrações. Já a previsão de
«castíssimas esposas, / que aninh[a]m em mansões de vidro transparente» (IV, vv.
15-16) será da ordem da crítica social ainda que implique atmosfera onírica (a
não ser que a transparência do vidro a que aqui se alude seja mais material do que
cremos). E os cães que parecem lobos (IV, v. 36) ou os carpinteiros que parecem
morcegos (I, vv. 15-16), os prédios grandes como montes (IV, v. 42), as luzes
de uma caleche que são olhos sangrentos (IV, v. 8), entre outras comparações,
hipérboles, metáforas, são recursos linguísticos para descrever uma Lisboa
disfórica, a tal maré de fel.
Onde Cesário mais sugere
James é logo na parte I. O «trôpego arlequim [que] braceja numas andas» (v. 30)
lembra um desses foliões típicos de Ensor — seja ele uma espécie de artista
circence efetivamente em passeio pela cidade ou, o que é mais provável, uma
imagem buscada no acervo quase cubista muito avant la lettre da Lisboa fantasmagórica deste Cesário/Ensor, se
calhar também Verde/Chagall.
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