Cesário pelo 11.º 4.ª
Rodrigo (Muito Bom)
Escolho este quadro de Jacek Yerka — “The city is landing [A Cidade está Pousando]” (2002)
—, pintor contemporâneo nascido em 1952 que, embora de uma época diferente da
de Cesário Verde (que viveu somente no século XIX), apresenta uma visão surrealista
com traços distópicos, através da metamorfose entre o real e o imaginário,
bastante semelhante à de Cesário.
Um elemento fundamental da poesia de Cesário
Verde é a cidade, cenário de muitas deambulações do poeta. Na pintura de Yerka,
interessa-me a destruição aparente da mesma (ou, quem sabe, a sua mágica
reconstrução na mente do artista, que a faz pousar pelas artes mágicas de um
pincel), que, negra e sombria, mortal, remete instantaneamente para a poesia de
Cesário e para as polaroids que nos
oferece da cidade lisboeta. Em “O Sentimento dum Ocidental”, o poeta
apresenta-nos uma versão da capital portuguesa mais depressiva e sofrível —
“Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia” —,
transfigurando a cidade num pesadelo vivo de edifícios opressores que
“semelham-se a gaiolas”, trabalhadores que surgem “como morcegos, ao cair das
badaladas” e um ambiente que o entristece de forma profunda (“Chora-me o
coração que se enche e que se abisma”).
Também no poema “A Débil” se encontram vestígios
desta cidade destrutiva e corruptora tão característica de Cesário. O cenário
torna a ser retratado como “uma turba ruidosa, negra, espessa” que torna doente
o sujeito poético. A cidade doentia, em oposição à “débil” que por ele passa,
fá-lo sentir-se preocupado pela segurança da jovem, que se encontra sozinha e
desprotegida num ambiente tão destrutivo e mortal.
No entanto, note-se que nem toda a cidade de
Yerka está irremediavelmente destruída. De facto, o pintor polaco apresenta uma
cidade sobretudo rica e grandiosa, ostentando o seu poder arquitetónico numa
corrida em direção ao céu inatingível, apenas para depois pousar em solo firme.
Em “Num Bairro Moderno”, Cesário também apresenta uma visão alegre da cidade
(ainda que se sinta doente — “com as tonturas de uma apoplexia” —, aspeto
sempre presente na sua poesia), transfigurando o que há em seu redor de forma
um tanto brincalhona, nomeadamente através de comparações e metáforas entre uma
mulher e os seus frutos e vegetais (“Descobria / Uma cabeça numa melancia, / E
nuns repolhos seios injetados”).
Também é característico na poesia de Cesário um
outro aspeto que podemos entrever visualizado na obra do pintor polaco: a
distinção e observação de classes sociais. O sujeito poético dos poemas de
Cesário Verde, enquanto passeia pela cidade, observa os trabalhadores e sente
prazer em vê-los, energicamente, completar o seu labor (vv. 16, 31, 36-37 de “O
Sentimento dum Ocidental”, I; vv. 17-20 de “Num Bairro Moderno”; vv. 3-5 de
“Cristalizações”), constatando as desigualdades sociais de que padecem,
nomeadamente em “Num Bairro Moderno” (vv. 11-12, 26-30). Na pintura de Jacek
Yerka podemos quase dividir a cidade em duas regiões: uma maior e mais
enriquecida, para a burguesia e classes sociais superiores, e uma em
decadência, para a fação pobre e trabalhadora. Ambas são densas e bastante
claustrofóbicas, outra característica da Lisboa de Cesário Verde. Através da
sua poesia, o poeta português alterou a forma como vemos o real e quase
antecipou aspetos da escola surrealista já de meados do século XX.
Clara (Bom)
A
pintura a óleo “A noite estrelada” (1889) é de Vincent Van Gogh, um artista contemporâneo do português Cesário
Verde. Esta pintura e o poema "O Sentimento dum Ocidental" do poeta
do século XIX têm alguns aspetos semelhantes e alguns aspetos contrastantes.
A
semelhança mais interessante entre estas duas obras é o facto de ambas
remeterem para um sentimento de mal-estar, algo vulgar nos poemas de Cesário.
No poema o sujeito poético faz alusões constantes à sua doença enquanto caminha
pela cidade. Inicialmente, “O gás extravasado” enjoa-o e, já na segunda parte
deste poema, o sujeito pensa ter “um aneurisma” tal como na pintura, onde podemos ver em primeiro plano
um cipreste, árvore que é associada à morte em diversas culturas europeias.
Quanto ao pintor desta obra estava internado num hospício quando a realizou,
que nos confirma o estado de moléstia pela qual Van Gogh também estava a
passar.
Também encontramos
uma identidade entre a causa desse mesmo sentimento de indisposição no quadro e
no poema. O eu do poema é afetado pelo ambiente da cidade (“Que as sombras, o
bulício, o Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.”), tal
como no quadro podemos ver a aldeia em que o pintor cresceu e como ele se sente
afetado por agora não estar lá. Aqui verificamos uma das características da
escrita de Cesário Verde, a relação entre o estado de doença do sujeito poético
com o ambiente da cidade que o rodeia.
Existe também um
contraste entre estas duas obras tendo em conta o tempo e o cenário. No poema,
o sujeito poético está “Nas nossas ruas, ao anoitecer,”, enquanto a pintura
representa a vista sobre a janela de um hospício ao amanhecer. Adicionalmente,
nos versos de Cesário Verde o céu é caracterizado como escuro e com nuvens (“O
céu parece baixo e de neblina,”), ao contrário do que podemos observar na
pintura em que o céu está estrelado, ideia reforçada pelo título da mesma (“A
noite estrelada”), permitindo ao observador
deduzir que se trata de uma noite calma, sem nuvens. Seguidamente,
podemos inferir que o eu do poema está a vaguear por uma cidade e relata o que
observa, tendo por isso uma perspetiva dinâmica sobre a cidade, enquanto o pintor tem uma vista estática
sobre o cenário, pois não consegue sair do quarto em que está internado.
Podemos concluir que
a obra artística realizada por este pintor holandês e os versos escritos por
Cesário podem ser relacionados, mesmo se os seus autores estavam então em
contextos bastante diferentes.
Pedro (Muito Bom -/Bom +)
A obra «De sterrennacht [A Noite Estrelada]»
(1889), arquitetada pelo célebre pintor holandês Vincent Van Gogh, denota
múltiplos aspetos passíveis de equiparação com a poesia de Cesário Verde,
espelhando características comuns e distintas dos dois artistas.
A tela descreve a paisagem que se avistava da
janela do quarto do pintor no hospício que habitou no final da vida, o que
indicia a instabilidade mental de Van Gogh, que sofria de depressão e surtos
psicóticos. Adivinha-se que a saúde do poeta português se deteriorava
progressivamente, como ficou expresso em diversas ocasiões pelo «eu», que se
lhe assemelha, por exemplo em «Num Bairro Moderno», onde confessa sentir
frequentemente as «tonturas d’uma apoplexia» (v. 15).
O retrato de elementos contemplados no quotidiano
não é exclusivo de Van Gogh, é também traço característico dos poemas de
Cesário. Contudo, o pintor configura a sua arte de uma perspetiva estática,
evidenciando somente um ângulo da paisagem que aprecia, enquanto o sujeito
poético nos surge errante, fazendo transparecer múltiplas conceções dos objetos
que considera, como os discrepantes grupos sociais que constituem uma cidade em
degradação física e moral em «O Sentimento dum Ocidental».
As espirais que se desenham no céu noturno
conferem ao quadro mobilidade, igualmente patente nos versos de Cesário,
compondo o prisma idealizado pelo «eu» das suas experiências através do realce
de componentes naturais («Ondeiam milhos, nuvens e miragens», em «De verão», v.
24) ou da descrição dos calceteiros que «calçam de lado a lado a longa rua» (v.
5) e dos «carros de mão, que […] / conduzem saibro, vagarosamente» (vv. 37-38),
em «Cristalizações».
Nota-se um contraste luminoso na tela do
holandês, protagonizado pelas estrelas e lua radiantes e pelo negrume que
impera a nível do solo. A manipulação da luz é fulcral para provocar diferentes
tonalidades nos objetos que edificam a paisagem e denuncia a disposição do «eu»
relativamente à realidade que testemunha. Em «De verão», reina uma aura de
deleite e descontração que se transfigura nas evidências cromáticas do trigo e
dos calcadouros, lembrando «fusões de imensos oiros, / e o mar um prado verde e
florescente» (vv. 74-75). No sentido inverso, em «O Sentimento dum Ocidental» a
fraca luminosidade impõe uma atmosfera que se tolda «duma cor monótona» (I, v.
8), conduzindo a um ambiente depressivo e melancólico, que reflete o estado de
espírito e saúde do «eu» e complementa a crítica à urbe.
A vila reproduzida no quadro não constava do
horizonte alcançado pela janela do quarto de Van Gogh, inferindo-se que se
trata de um elemento fantasiado representativo do local em que o pintor viveu a
sua infância. Cesário descreve cenários notoriamente irreais nos seus poemas,
como é o caso da criação de uma mulher vigorosa constituída de frutos e
vegetais em «Num Bairro Moderno», mas a maioria é de autenticidade dúbia, uma
vez que o poeta opera a transformação da realidade, usufruindo da memória e
imaginação para adequá-la à visão subjetiva das suas observações, quer se trate
do panorama campestre quer do citadino, incorporando as diversas vertentes
humanas.
Júlia (Bom +)
Escolhi este quadro de Édouard Manet – «Les Bulles
de savon [As bolas de sabão]» (1867) para o confrontar com os aspetos das obras
literárias de Cesário Verde, visto que ambos os artistas foram incompreendidos
para a época, sendo Cesário criticado por suas obras descritivas – o que não
cativou o público –, e Manet, por suas técnicas e por os temas abordados em
suas telas estarem, para a opinião pública, fora das convenções, ganhando
reconhecimento popular apenas depois de tempos – no caso de Cesário, apenas
após a sua morte.
O aspeto que, para mim, se torna mais evidente
da semelhança entre o poeta e o pintor é a representação de um momento banal,
do quotidiano. Manet, no quadro escolhido, retrata o seu filho de maneira
simples, tal como Cesário relata e descreve os ambientes, as pessoas que lhe
prendem a atenção e os seus movimentos ao longo da narrativa, como comprovam
inúmeros versos de «Num bairro moderno», como «E eu, apesar do sol,
examinei-a;» (v. 21), e de «O Sentimento dum Ocidental», como «O céu parece
baixo e de neblina» (v. 5).
Deste modo, apercebemo-nos, em ambos os casos, da
persistência da transmissão de sentimentos: o quadro do pintor francês, ao
representar um momento banal da vida das crianças, consegue-nos conduzir à valorização
dos momentos simples, porque Manet representa, através deste óleo em tela, a brevidade
da vida e sua beleza; Cesário, por sua vez, transmite-nos os sentimentos
através dos sentidos, constantemente convocados em suas obras. Assim, as cores
citadas como referência sensorial da visão em «As azeitonas, que nos dão o
azeite, / Negras e unidas, entre verdes folhos.» (“Num Bairro Moderno”, vv. 46-47)
e as demais alusões ao tato e olfato, mais frequentemente, como em «E de uma
padaria exala-se, inda quente, / Um cheiro salutar e honesto a pão no forno» (“O
Sentimento dum Ocidental”, vv. 15-16) fazem-nos sentir mais próximos do momento
narrado.
Além disso, ambos os artistas gostavam de deixar
transparecer o amor em suas obras. O poeta português, como uma característica
fiel de seus poemas, descreve a sensualidade, a elegância e a paixão que nutre pelas
mulheres que avista, como está ilustrado em «A débil», em versos como «E pus-me
a olhar, vexado e suspirando, / O teu corpo que pulsa, alegre e brando.» (vv.
15-16). Manet, por sua vez, aludia em suas obras ao amor paterno, distinguindo-se
de Cesário neste pormenor, mesmo que ambos representem uma forma de amor; por
várias vezes, o pintor representou o seu filho, Léon Leenhof, tal como nos
mostra na tela escolhida.
Gonçalo (Bom+/Muito Bom-)
Utilizo este quadro de Van Gogh, intitulado de “A Noite Estrelada” (1889), um dos mais
conhecidos do pintor, tratando-se da vista de um dos quartos do hospício de
Saint-Rémy-de-Provence. Atualmente, encontra-se no Museum of Modern Art, em
Nova Iorque.
O contexto no qual a pintura foi realizada
remete muito para o estilo de Cesário Verde, um poeta que escolhia muitas vezes
escrever sobre um sujeito poético que se sente constantemente doente e à beira
da loucura (“Que mortifica e deixa umas loucuras mansas” — “O Sentimento dum Ocidental”, II, v. 2).
Para além disso, a escolha por parte do impressionista de cores mais escuras
para transmitir uma sensação mais sombria lembra o sentimento traduzido no
poema “O Sentimento dum Ocidental”, que
se passa maioritariamente de noite, numa cidade que sufoca e pressiona o
sujeito poético devido à escuridão e melancolia que se fazem sentir até no ar
(“Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia”, I,
vv. 1-2).
A pequena vila representada do quadro,
juntamente com o cipreste, dá ao quadro uma imagem quase fantasmagórica. As
cores escuras, as ruas estreitas e organizadas e os pináculos da árvore transmitem
um ambiente pesado, quase tóxico, que contrasta com a luz e desorganização
encontradas no céu estrelado. Tal como ocorre nos poemas de Cesário, que,
apesar de narrarem principalmente as perspetivas de um homem triste, moribundo
e sem esperança, mostram também um lado mais luminoso e positivo dessa mesma
postura (“E saio. A noite pesa, esmaga. / Nos passeios de lajedo arrastam-se as
impuras.”, III, vv. 1-2 — em oposição a “E de uma padaria exala-se, inda
quente, / Um cheiro salutar e honesto a pão no forno”, III, vv. 15-16).
A poesia de Cesário é caracterizada,
essencialmente, pela narratividade notável e pela capacidade que tem de nos
transportar para as situações que descreve. Ao longo das suas composições, o
poema denota e releva determinados pormenores que, embora pareçam
insignificantes (“A larga rua macadamizada”, “Num Bairro Moderno”, v. 5), contribuem
para esse mesmo transporte do leitor. Da mesma forma, Van Gogh é capaz de, a
partir do uso meticuloso de determinadas cores, a escolha de certas formas e
feitios e a sensação de profundidade, transmitir-nos o que sentia no momento da
pintura e transportar-nos para aquilo que representava. Na obra “A Noite
Estrelada”, percebemos que o pintor pretende que tenhamos uma ideia daquilo que
aqueles que vivem no hospício poderiam sentir ao olhar pela janela. Veriam um
mundo assustador, sombrio e perigoso, em que reinaria a escuridão e a
insalubridade, mas, ao mesmo tempo, uma oportunidade, esperança de liberdade e
luz. As estrelas e as nuvens do céu representam o lado bom do mundo exterior,
com que os doentes sonhariam, mas temendo imensamente, enquanto que a vila transmitiria
o lado incerto, sombrio e sufocante da vida.
Tanto neste quadro de Van Gogh como na maioria
da poesia de Cesário Verde, é necessário compreender-se a dualidade de
sensações presente: ora sombrias, tóxicas e esmagadoras, ora luminosas, puras e
a incitarem a esperança.
Tomás (Bom (+))
Na sua aguarela, Leonel Borrela mostra o seu estilo característico. Nesta obra de
2011, é possível observar “Mombeja, concelho de Beja. Vista da estrada de santa
Vitória”, e é a própria localização que serve de título à aguarela, tal como
este pintor nos habituou.
Se, por um lado, Cesário Verde apresentava uma
variabilidade entre a narração dos grandes centros populacionais e a aldeia,
Borrela pintava maioritariamente as paisagens calmas e serenas do nosso
Alentejo. Contudo, apresenta no seu portfólio uma ou outra obra da capital portuguesa
e do Porto. Durante a sua vida, tal como Cesário Verde, Borrela não obteve o reconhecimento
merecido. Apesar da qualidade das suas obras, do trabalho contínuo na área da
pintura e da tentativa constante de melhoria, Borrela morreu, em 2017, sem
grande popularidade. Talvez agora, à semelhança de Cesário, comece a ter a
devida atenção por parte dos grandes apreciadores de pintura.
Ao falar-se do Alentejo, decerto que um
apreciador de Cesário se encaminhará diretamente para o seu poema “De verão”.
Neste, é relatada a viagem ao campo de um sujeito poético habituado à agitação
citadina — “Respiro indústria, paz, salubridade” (v. 10) — e de uma prima que
se apresenta completa e bastante educada (v. 4), recebendo por isso, uma
“sincera estima” (v. 3) por parte de seu primo. Apesar de proveniente da
cidade, era no campo (pintura de Borrela) que este encontrava “a claridade, a
robustez a ação” (v. 2).
Neste quadro, o sujeito poético encontrar-se-ia
na estrofe VI, onde procura voltar para onde iniciara a aventura campina com a
prima. Utilizando as palavras de Cesário, “Numa colina brilha um lugar caiado”
(v. 30). Nestes tons quentes de Borrela, observamos o lugar retratado em “De
Verão”, lugar caiado que se representa por um longo campo, onde, ao longe, se
pode observar a cidade. Para melhorar a situação, é representada uma árvore que
seria ideal para o sujeito estar com a prima a observar esta paisagem, visto
que haveria sombra neste dia tão quente — “arrimada ao cabo da sombrinha” (v. 27).
As terras aqui, já estão ceifadas, tal como no poema cesariano — “O sol abrasa
as terras já ceifadas” (v. 37) — sendo reforçada a ideia de uma tarde que,
apesar de longa, se apresenta bastante quente. Era ainda aqui, em “Mombeja,
concelho de Beja. Vista da estrada de santa Vitória”, que a prima, representada
no poema de Cesário, daria a “pernada cósmica” (v. 45), admirada por seu primo.
Esta pintura de Borrela serviria ainda para o cenário onde o longo carreiro de
formigas passaria, elemento fundamental nesta obra do “pintor de palavras”. Neste
quadro, é ainda possível acompanhar o desenvolvimento tratado na estrofe XV,
onde o poeta descreve, tal como é habitual, as características paisagísticas
observadas.
Leonel Borrela e Cesário Verde apresentam pontos
comuns nas suas obras. Talvez esta pintura fosse a representação gráfica deste
poema de Cesário, se este, em vez de pintor de palavras, fosse pintor de
quadros. Enfim, duas grandes pessoas, um pintor e um escritor que marcarão para
sempre a história nacional.
Eduardo (Bom)
“Campo de trigo com corvos” (1890), do pintor Vincent Van Gogh, foi um quadro que eu
tive o prazer de ver com os meus próprios olhos no Museu Van Gogh, em
Amesterdão, na Holanda. Desde então, este quadro ficou-me preso na memória. A
decisão de o utilizar neste trabalho talvez tenha sido afetada por essa razão.
O meu primeiro contacto com a obra trouxe-me
interrogações como: para onde é que vai
aquele caminho? porque é que há corvos? Ganhei um súbito fascínio por este
quadro e, depois, descobri que ele refletia o estado mental do pintor nos seus
últimos dias, o medo de perder a lucidez e o medo de deixar a vida para trás.
Os poemas de Cesário Verde costumam situar-se na
cidade com as observações do poeta acerca do mundo que o rodeia sejam “em linha
os calceteiros” (“Cristalizações”) ou “de costas uma rapariga” (“Num Bairro
Moderno”). Podemos ver que um dos focos da sua poesia é exatamente o quotidiano,
misturado com as diversas sensações, sejam visuais (“Dez horas da manhã; os transparentes
[…] E fere a vista, com brancuras quentes,”) ou até gustativas (“Vi nos legumes
carnes tentadoras”, “Num Bairro Moderno”). Com todos estes elementos o poeta é
capaz de criar uma imagem viva.
Agora, olhamos para a pintura de Van Gogh e não
vemos quotidiano nem pessoas nem uma imagem realística, mas podemos ver as
sensações deixadas pelo pintor, os campos de trigo e o seu fulminante amarelo
representando a batalha que o pintor trava para não perder a sua sanidade, os
corvos e o céu negro, representando o mau presságio, um alerta de que algo
terrível estaria para ocorrer. No poema “O Sentimento dum Ocidental”, Cesário
Verde dá-nos nos primeiros versos um vislumbre da cidade lisboeta (“O céu
parece baixo e de neblina […] Toldam-se duma cor monótona e londrina”), a
caracterização reflete o seu próprio estado de espirito, reflete os seus
sentimentos de profunda tristeza e agonia. Um sinal para uma futura tragédia (“O
gás extravasado enjoa-me, perturba”).
Podemos dizer que visualizar os poemas de
Cesário Verde (aqueles que se focam mais no quotidiano) é olhar para esta
pintura (e outras) de Van Gogh com uma lupa, focando e vendo todos os
minúsculos detalhes. É como dizer que olhar para esta pintura de Van Gogh é
olhar de longe para a imagem construída a partir de alguns dos poemas de
Cesário Verde: não se veem todos os pormenores, mas sentimos o lugar
representado na imagem, é como abrir uma janela num dia de sol e sentir o calor
na cara.
Por último, podemos ver que na pintura apresentada
existe um caminho que aponta para meio do campo de trigo. Talvez seja um sinal de
aceitação, um sinal de que o sujeito já tinha caminhado tudo o que o podia
caminhar. Podemos ver algo relativamente parecido nos poemas de Cesário Verde
onde, ocasionalmente, aparecem indícios da doença que o consome, por um lado
aceitando o seu destino, mas, por outro lado, não parando de escrever, de
representar o mundo a seu modo, com as suas letras e palavras.
Francisca (Bom +)
Escolhi o quadro “A separação” (1896), de Edvard Munch, pintor que, apesar de
seguir uma corrente artística diferente da de Cesário Verde (Munch seguia o
Expressionismo e Cesário Verde, o Impressionismo), tem como ele um passado
cheio de mortes de familiares e enfermidades, expressando assim a suas
angústias, desespero e os próprios sintomas sofridos nas suas obras.
Neste quadro é possível observar uma figura
feminina que pode ser ligada a um elemento característico da poesia de Cesário
Verde, a imagem da rapariga pura, descrita no poema “A Débil” como “bela,
frágil, assustada”. Esta figura destaca-se nas pinceladas de Munch com as suas
cores claras e brilhantes, vestido branco e proximidade da água,
características que remetem para a pureza, no fundo negro e sombrio, tal como a
“débil” se destacava, já que não pertencia ao ambiente da “Babel tão velha e
corruptora” nem à “turba ruidosa, negra, espessa”.
No lado oposto ao da figura feminina está
representado um homem, de costas para ela e virado para quem observa, que faz
lembrar o sujeito poético na poesia de Cesário Verde. Este tem o desejo de
proteger a rapariga da cidade já descrita como decadente, corruptora, mas não o
consegue pois está integrado ele mesmo na paisagem citadina, “sentado à mesa de
um café devasso”. Neste verso recorre-se à hipálage, pois atribuiu-se ao espaço
uma característica que possivelmente será do sujeito poético. Na tela, vê-se
também a impossibilidade da ligação do sujeito masculino ao feminino, ele
apresenta-se com uma postura curvada, com vergonha, ar acabrunhado e impotente.
Se olharmos com atenção para o rosto desta
figura masculina, nos seus traços pintados podemos ver representadas as emoções
que o “eu” poético apresenta no início de outros dois poemas de Cesário Verde:
Em “O sentimento de um ocidental”, “Há tal soturnidade, há tal melancolia /
(...) / Despertam-me um desejo absurdo de sofrer”; e, no poema “Um bairro
moderno”, “com as tonturas de uma apoplexia”.
Em todo o lado esquerdo da imagem domina uma cor
branca, intensa e translúcida que faz lembrar um outro poema de Cesário Verde,
Cristalizações, quando descreve de forma impressionista “uma imensa claridade crua”.
No quadro também existe, apesar das duas figuras principais captarem mais
atenção e a paisagem se encontrar distante, um apontamento que remete para a
natureza, as folhas de árvores alaranjadas. Estas podem ser associadas à fuga
mental de Cesário Verde para o campo, como acontece no poema “Num Bairro
Moderno” (“Que no xadrez marmóreo d’uma escada, / Como um retalho de horta
aglomerada, / Pousara, ajoelhando, a sua giga.”), quando a cidade, associada à
miséria, morte e degradação, causava claustrofobia.
Assim, é possível encontrar duas partes
perfeitamente distintas na tela, uma é clara e representa a saúde, limpidez e
pureza; a outra é escura, e por sua vez, representa a desilusão, o lado mais
sombrio da vida. Estes dois polos lembram as oposições presentes em Cesário
Verde, nomeadamente, o ambiente saudável e pleno de vida, associado ao campo,
que contrasta com o espaço soturno, insalubre, mortífero da cidade, descrito em
“O sentimento de um ocidental”: “E eu sonho a Cólera, imagino a Febre, / Nesta
acumulação de corpos enfezados”.
Joana (Bom +)
Todas as experiências de Édouard Manet à procura de um espaço pictórico culminam nesta
obra-mestra, exibida com grande êxito no Salão de 1882 ― “O
bar do Folies-Bergère".
O pintor francês (1832-1883) leva-nos a dois
planos distintos, um, de alegria e divertimento, outro, de tristeza e neutral, que,
à semelhança das obras de Cesário Verde, desperta o nosso lado reflexivo e
sentimental. O espelho ao fundo do plano transporta-nos para outro quadro
dentro da própria obra, abrindo um novo cenário que se relaciona intimamente
com o primeiro.
Esta magnífica obra recorda-me “O Sentimento de
um Ocidental”, com a empregada ao balcão a corresponder ao sujeito poético de
Cesário Verde. Apesar de toda a alegria envolvente, observa-se uma certa
melancolia e tristeza nos seus olhos, trazendo-nos à interpretação a perda, a desgraça.
Pelo enorme espelho colocado atrás do balcão, podemos admirar pessoas a
divertir-se, a comer e a beber, de todas as classes sociais, com cada um a poder ver e ser visto ―
“Entro na brasserie; às mesas de
emigrados, / Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.” (vv. 43-44). A análise e a
distinção das diferentes classes sociais também é muito característica nas
obras de Cesário Verde, nomeadamente, em “Cristalizações”, “Num Bairro Moderno”
e em “O Sentimento de um Ocidental”.
Contemplamos nesta obra diferentes disposições
humanas nos dois painéis. A criada ― Suzon, que posou para
Manet em várias sessões no seu estúdio ― olha o espetador
expectante, com olhar triste mas calmo, e apoia-se no balcão diante de uma
prodigiosa natureza morta que dá a chave do ritmo do quadro, como notas numa
partitura. As flores que traz ao peito e a fruta de cor viva que se encontra ao
lado da criada transportam-nos para “Num Bairro Moderno”, em que a empregada se
apoia com os seus “bracinhos brancos” no balcão de forma “pitoresca”, com “o
peito erguido”, e carrega a sua tristeza aos ombros, semelhanças visíveis com a
rapariga pobre do poema.
Suzon assemelha-se a outro dos poemas de Cesário
Verde, “A Débil”, pois leva o espetador, pelo seu olhar triste e perdido, a
perscrutar o infinito, fazendo-o sentir-se preocupado com a sua segurança:
“Quero estimar-te, sempre, recatada / Numa existência honesta, de cristal” (vv.
3-4). A beleza do seu olhar parece que reflete a pureza da alma, tocando-nos
pela sua desgraça (“Tive tenções de oferecer-te o braço”, v. 8) e trazendo o
melhor de nós mesmos (“porque sinto / Que me tornas prestante, bom, saudável”,
vv. 11-12).
Manet brinca com a confusão do refletido e do
real, forçando ângulos surpreendentes, como o do cliente com cartola a quem
Suzon atende, que não encaixa com a posição frontal do espelho. Manet avança
aqui o tema de toda a pintura moderna dos princípios do século XX: a relação
entre a perceção tridimensional e o caráter superficial do quadro. Deambulamos
por este quadro como Cesário Verde deambula pelas infinitas ruas lisboetas.
Diana (Bom (+)/Bom)
Optei por
analisar o quadro "Terraço do Café à Noite" (1888), de Vincent van Gogh. Van Gogh, pintor
conhecido por todos nós, não teve uma vida fácil. Sofreu de depressão e
solidão, refugiando-se nas suas pinturas. É assim, repleto de tristeza e de
melancolia, que imagino o sujeito poético da maioria dos poemas de Cesário
Verde.
Neste quadro,
Van Gogh quis representar a noite sem utilizar tinta preta. Quando o terminou,
mostrou ao seu irmão, dizendo-lhe: "Aqui está um quadro noturno sem ter
usado tinta preta, somente maravilhosos azuis, violetas e verdes."
É assim que
interpreto os poemas de Cesário Verde. Em "O Sentimento dum
Ocidental", o poeta torna os aspetos típicos de uma cidade que, aos olhos
da maioria, são admiráveis, numa ideia má, de sofrimento, de solidão, de
melancolia e de opressão (“Na parte que abateu no terremoto, / Muram-me as
construções retas, iguais, crescidas; / Afrontam-me, no resto, as íngremes
subidas, / E os sinos dum tanger monástico e devoto.”, vv. 17-20)
Na obra de
Van Gogh, é representada a cidade com o que tem de mais importante. É
representado o céu estrelado, na época típico de Lisboa, a movimentação nas
ruas embora seja de noite, as luzes vindas das janelas e do café. Nos seus
poemas, Cesário Verde também remete para esses aspetos da cidade mas fazendo-os
muito mais depreciativos: "O céu parece baixo e de neblina"(v. 5),
"E os edifícios, com as chaminés e a turba / Toldam-se de uma cor monótona
e londrina", (vv. 7-8).
Apesar da
sua vida complicada, nesta obra, Vincent Van Gogh esforça-se por transmitir
otimismo. Já Cesário Verde, que também passou por momentos difíceis, mostra-se
sempre pessimista, sem qualquer fé, sem qualquer esperança.
No seu
poema "Noite Fechada", o sujeito poético mostra-se sensível
(“Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas, / E os sinos dum tanger monástico
e devoto.", vv. 18-19), doente (E eu desconfio, até, de um
aneurisma", v. 20) e em baixo ("Triste cidade", v. 33).
Assim,
podemos estabelecer uma relação de oposição entre a pintura de Vincent Van Gogh
e a abordagem de Cesário Verde em relação à cidade. Enquanto na pintura
predomina a liberdade, a felicidade e o otimismo, nos poemas de Cesário são
evidentes os sentimentos de solidão, sofrimento, mágoa e aprisionamento.
Emilly (Bom -)
A pintura "Blackman Street,
London" (1885), de John Atkinson
Grimshaw, que foi feita apenas um ano antes da morte de Cesário Verde,
parece ilustrar tudo o que o grande poeta português sente em relação à cidade.
No poema autobiográfico
"Nós", Cesário Verde mostra a sua preferência pelo campo, vendo a
cidade como um sinónimo de doença e morte ("a Febre e o Cólera também
andaram na cidade", v. 2) e como uma personificação da ausência de amor e
de vida, enquanto que o campo aparece associado à liberdade, à felicidade e à
vida ("E o campo, desde então, segundo o que me lembro, é todo o meu amor
de todos estes anos", vv. 25-26).
Uma das principais inspirações para
este poema, foi a morte da sua irmã e do seu irmão devido à tuberculose, Quando
voltaram para a cidade após a fuga para o campo, "sucedeu uma cruel
desdita (III, v. 3), um deles "caiu, de súbito, doente" (III, v. 4),
"Uma tuberculose abria-lhe cavernas" (III, v. 5), "E, sem
querer, aflito e atônito, morreu!" (III, v. 12). Esta morte ocorre apenas
quando estão na cidade, estando, assim, associada à morte.
Também no poema "O Sentimento
dum Ocidental", o poeta português revela que a cidade desperta nele
"um desejo absurdo de sofrer" (v. 4) pois, tal como na pintura,
"o céu parece baixo e de neblina", "os edifícios, com as
chaminés, e a turba toldam-se duma cor monótona e londrina" e "o gás
extravasado" enjoa-o e perturba-o (vv. 5-8).
Em "Blackman Street,
London" podemos ver a ilustração de como Cesário Verde mostrava sentir-se,
em variados poemas, em relação à cidade, uma cidade com um ar sombrio e
entediante, que suscita sentimentos de melancolia.
Cesário Verde também contrasta a
mulher citadina e a mulher do campo. A mulher citadina, por exemplo, a Milady
do poema "Deslumbramentos", tem um "tipo tão nobre e tão de
sala" (v. 3) com "gestos de neve e de metal" (v. 4) e um
"modo diplomático e orgulhoso"
(v. 27); Milady atrai o sujeito poético, levando-o a sentir-se seduzido por ela
("Em si tudo me atrai como um tesouro", v. 9). Por contraste, a mulher
do campo, por exemplo a Débil de "A Débil" é, na verdade, uma mulher
da cidade mas não lhe pertence, daí ser "bela, frágil, assustada" (v.
2); a Débil é, também, discreta e simples ("esse vestido simples, sem
enfeites", v. 19) e "ténue, dócil, recolhida" (v. 51). A Débil
desperta no «eu» um instinto de proteção ("e foi, então, que eu, homem
varonil, quis dedicar-te a minha pobre vida", vv. 49-50).
Em suma, existe uma relação entre a
pintura de John Atkinson Grimshaw e a poesia de Cesário Verde, pois ambas
retratam uma cidade doentia, opressiva e entediante, como uma "Babel tão
velha e corruptora" (v. 7).
Hugo (Bom-)
Aproveito este quadro de René Magritte – «Le fils de l’homme [O Filho do Homem]» (1964) –,
pintor belga, nascido em 1898, ainda no século de Cesário Verde (1855). René
Magritte foi conhecido como um dos pintores surrealistas mais bem-sucedidos do
século XX.
René Magritte, um pouco como Cesário Verde, era
conhecido pelas suas obras metódicas e relacionadas com a sociedade. Esta obra,
à primeira vista, parece simples, tal como muitos poemas de O livro de Cesário Verde onde o vocabulário
utilizado é simples e recorrente nos nossos dias, e, no entanto, se bem
analisado, podemos concluir que pode ser confusa e desconcertante a sua
compreensão.
A meu ver, o aspeto que se salienta mais na
pintura «Le fils de l'homme [O Filho do Homem]» é a maçã que se encontra
defronte da figura representada na pintura que, pelo facto de se tratar de um
autorretrato, é o próprio autor da pintura. Este traço característico da
pintura poderá ser entendido de diversas maneiras: uma delas é que o autor esconde
a sua identidade do mundo, talvez por medo, receio, ou então, por não querer
ser igual ao resto da sociedade. Por outro lado, o autor quer demonstrar o desejo
humano de ver o que está escondido por trás do visível, surgindo assim um
conflito entre o visível que está oculto e o visível que está presente.
Esta característica da pintura de René Magritte
pode ser comparada com o estilo de Cesário Verde que, na sua obra, efetuava
constantes caracterizações do que o rodeava. Em «Num Bairro Moderno», o sujeito
poético compara uma paisagem rural a uma figura feminina, utilizando diversos
alimentos como frutas, vegetais (“E entre as hortaliças, túmido, fragrante,
como d’alguém que tudo aquilo jante, surge um melão, que me lembrou um
ventre.”) como elementos comparativos a partes do corpo da figura feminina, expressando-se,
desta forma, algum comportamento obsceno.
Outro fator interessante nesta pintura é que o
braço esquerdo do autor está ao contrário em relação ao resto do corpo. Com
este indício o autor da pintura pretende demonstrar a dualidade, o mistério do
que observamos, havendo diversas formas de interpretar o observado. Existem
sempre diferentes versões do que nos rodeia de pessoa para pessoa, nunca
havendo, assim, uma única versão correta.
No Livro
de Cesário Verde existe também uma dualidade, um binómio entre cidade e
campo e o que caracteriza cada um. No campo, o sujeito poético encontra um
lugar de refúgio, de vitalidade, de saúde e fertilidade. Em «Num Bairro Moderno»
é visível um exemplo destas características: “Pelos jardins estancam-se as
nascentes, e fere a vista, com brancuras quentes, a larga rua macadamizada.” Na
cidade, o sujeito poético mostra ao leitor um local de agitação, de progresso,
mas também de opressão social, de melancolia, de doença, de morbidez e de aprisionamento
(“Nas nossas ruas, ao anoitecer, há tal soturnidade, há tal melancolia, que as
sombras, o bulício, o Tejo, as maresias despertam-me um desejo absurdo de
sofrer”).
Associada ao campo, o autor encontra uma figura
feminina simples e angelical; ao inverso, associada à cidade, o autor escolhe uma
figura feminina fatal, bela, fria, distante e altiva, que ignora e humilha o
autor.
Para concluir, tanto na pintura de René Magritte
como, na obra O Livro de Cesário Verde,
é percetível como a questão social influência o homem e a sua ação, causando-lhe
preocupação e revolta.
Laura (Bom +/Muito Bom -)
Seja perante o olhar
expressionista de Edvard Munch (1863-1944), no quadro a óleo «La fille par la
fenêtre» (1893), ou perante o olhar inquieto do poeta, em ambos os casos se
representa a realidade tal como a sentem os seus autores. A cultura francesa
revelou-se de extrema importância para ambos, visto ter sido na sua viagem a
Paris que Munch teve contacto em primeira mão com as obras de Van Gogh e, como
resultado, as suas obras teriam sofrido, doravante, uma mudança radical, e a
língua francesa ter sido um dos suportes de comunicação de Cesário Verde, a
partir dos seus dezassete anos, na firma Verde.
A figura feminina de
vestes brancas que, ao anoitecer, vislumbra a cidade através da janela de uma
divisão da casa, no quadro do pintor norueguês, pode ser comparada a Cesário
Verde, que também observa, após o crepúsculo vespertino, cautelosa e
minuciosamente, as soturnas e melancólicas ruas lisboetas que lhe despertam «um
desejo absurdo de sofrer» («O Sentimento dum Ocidental», v. 4). A poesia de
Cesário Verde, nomeadamente em «O Sentimento dum Ocidental» centraliza-se na
depressiva e monótona cidade que nele desperta sentimentos de tamanha angústia
e aflição — «O gás extravasado enjoa-me, perturba / E os edifícios, com as
chaminés, e a turba / Toldam-se duma cor monótona e londrina.», vv. 6-8 — e
que, segundo pretende transmitir, faz agravar o seu estado de saúde («E eu
desconfio, até, de um aneurisma / Tão mórbido me sinto»).
Os tons castanhos
sombrios e violetas e azuis foscos em «La fille par la fenêtre» evidenciam um
ambiente melancólico. Essa expressão depressiva por parte do pintor permite-nos
associar o quadro a sentimentos monótonos, nomeadamente no que diz respeito à
enigmática rapariga, que só e envolvida nos seus pensamentos observa a cidade.
Contudo, não se pode inferir se são, tal como acontece com Verde, as suas
observações a causa de sua taciturnidade, dado nem ser possível visualizar a
expressão da rapariga (o que talvez tenha sido uma estratégia do pintor a fim
de criar um cenário misterioso que permitisse aos diletantes dar asas à sua
imaginação e interpretá-lo unicamente), apesar de tanto no quadro como na
poesia de Cesário
(maioritariamente em «O Sentimento dum Ocidental» e «A Débil») predominar a
profunda tristeza do sujeito.
Devido a essa
particularidade do quadro (poder ser interpretado sob inúmeros pontos de vista),
segundo outra perspetiva, o quadro de Munch pode sugerir analogias com «De
Tarde». Porventura, a frágil rapariga estará triste por motivos completamente
alheios à cidade e, procurando afundar as suas mágoas, achou reconforto nas
luzes que iluminam a bela cidade, luz que talvez a pudesse também iluminar. Em
«De Tarde» o poeta encontra, como a rapariga, o seu escape à realidade, algo
que o faz esquecer a doentia e decadente cidade e que desperta a mais pura
alegria e beleza da sua triste e profunda alma e do que o rodeia. O poeta
inspira as cores do campo e a liberdade que pairava no ar naquele «pic-nic de
burguesas» e, fora de si, contempla encantado uma bela mulher que «sem
imposturas tolas» colheu um «ramalhete rubro de papoulas». O sujeito poético
está deleitado e rendido à incompreensível simples forma como aquela mulher
consegue ser tão bela, apoderar-se do seu coração e gerar nele uma felicidade
que nunca tinha sentido tão veementemente.
André (Suficiente +/Bom -)
A obra «La chiesa domenicana a Vienna [A igreja dominicana em
Viena]» (1758), concebida pelo pintor italiano Bernardo Bellotto, que é
conhecido pelas suas representações de paisagens da época em que viveu,
apresenta vários aspetos através dos quais posso compará-la com poemas de
Cesário Verde.
Os quadros
do pintor italiano servem como instrumento de descrição de cidades na altura,
neste caso, a cidade de Viena, algo que também está presente nos poemas de
Cesário mas através de palavras, como se verifica nos poemas “ O Sentimento dum
Ocidental” e “Num bairro moderno”.
Por
observação da pintura, podemos deduzir que estamos perante uma cidade muito
movimentada. Vemos muitas pessoas a passear, algumas entretendo-se no mercado,
outras simplesmente a conviverem, algo que desperta um sentimento de
felicidade. Na maior parte dos poemas de Cesário em que se trata da cidade,
isto não acontece, como é,sobretudo, o caso de “O Sentimento dum Ocidental”.
Neste poema, percebemos que a rua não é tão movimentada, talvez por já ser de
noite, mas o poeta transmite-nos que a cidade desperta nele “um desejo absurdo
de sofrer”. Isto é algo comum nos textos do poeta, em que quase sempre o eu se
mostra muito negativo, algo que se deve muito à desumanidade existente nos
lugares por onde Cesário passa e ao facto de estarmos “ao anoitecer”.
Enquanto
que através da análise do quadro de Bernardo Bellotto ficamos com uma
perspectiva fixa da cidade de Viena, através dos poemas de Cesário Verde é-nos
dada uma perspectiva caleidoscópica. Por um lado, enquanto paisagem física, a
cidade remete para a morte, para a moleza como evidenciam referências a ruas
delimitadas por vários edifícios, por eventos como “batem carros de aluguer”.
Por outro lado, enquanto espaço onde habita a sociedade, a cidade é descrita
como palco de variedade social (”as burguesinhas do catolicismo”, “as
floristas”, “as varinas”). Esta duas características referidas não parecem
estar presentes no quadro do pintor, pois aí não parece haver variedade social
e a cidade remete para a felicidade e a tranquilidade apenas.
É possível
observar que na obra de arte do pintor
italiano estão representadas mulheres do
povo. Isto é algo que também acontece nos poemas de Cesário em que certas
mulheres também pertenciam a esta classe
social. Contudo, em alguns poemas de Cesário, o sujeito poético elogia a mulher
desconsiderando-se a si mesmo. Tome-se, como exemplo, o poema “ A Débil”. Nos
instantes iniciais, o sujeito poético começa por descrever-se a si como “ feio,
sólido, leal” e descreve a mulher como “ bela, frágil, assustada”, elogios que
se complementam.
São estas
diferenças nas artes que permitem que estas evoluam e é algo positivo ver que
existem diferentes pontos de vista e diferentes maneiras de representar
realidades aproximáveis.
Leonor (Bom)
Para a realização deste trabalho, chamou-me à
atenção a terceira versão de uma série de pinturas a óleo, feita entre 1890 e
1895 pelo pintor Paul Cézanne,
conhecida como “Os Jogadores de Cartas”. Esta tela, pintada em 1892,
encontra-se atualmente no Museu de Orsay em Paris, sendo considerado pela ARTnews
uma das obras de arte mais valiosas, pois o quadro foi vendido, em 2011, por um
valor estimado de 190 milhões de euros, à família real do Qatar.
A poesia de Cesário Verde é conhecida por ser
muito pormenorizada, levando-nos a concluir que o poeta era um homem bastante
observador, não deixando escapar nem um pequeno detalhe, quase irrelevante,
daquilo que se passava em torno de si. É notório algum realismo, devido à
atitude crítica em relação à sociedade e à poetização do real e do quotidiano
(por exemplo, verifica-se isso em poemas como “A Débil” e “Num Bairro Moderno”,
entre outros). Alguns dos fatores que
também são visíveis nos poemas de Cesário são a expressão clara, objetiva e
concreta, a preocupação com a beleza formal (regularidade métrica, estrófica e
rimática) e a utilização muito frequente de recursos estilísticos. A sua
temática é essencialmente constituída pela questão social, imagem feminina,
contraste cidade / campo e, como já referi, a capacidade de transformar o real
e o quotidiano em lírica.
No quadro a óleo que escolhi, tal como na poesia
de Cesário Verde, é possível verificar certos detalhes, que resultam da
observação e do estudo, possivelmente realizado por Cézanne, do comportamento
de indivíduos que têm como passatempo jogar às cartas. O foco do quadro são os
dois indivíduos que, tal como o título da série de telas nos indica, se
encontram a jogar às cartas. Se observado com atenção, é possível visualizar
também pequenos detalhes como, por exemplo, a atenção que os dois homens demonstram
em relação ao seu confronto ou, até mesmo, o tipo de traje que estão a vestir,
que corresponde ao tipo de roupas utilizadas nos finais do século XIX (em
França, onde nasceu o pintor). Paul Cézanne, tal como Cesário Verde, também
reparava em pequenos pormenores irrelevantes, como sucede com o cigarro, seguro
entre os lábios de um dos jogadores, com a pequena toalha que cobre a pequena
mesa onde os personagens da pintura apoiam os antebraços ou, até mesmo, na
garrafa, quase impercetível, vista mesmo no centro da pintura, apesar de ser um
dos elementos mais afastados no pequeno espaço onde decorre o jogo.
Assim, com estas características, como os
pequenos detalhes, a expressão realista e clara e a transformação do real e do
usual em arte tão valiosa, podemos concluir que tanto Cesário Verde como Paul
Cézanne são dois artistas de áreas diferentes, poesia e pintura,
respetivamente, que conseguem observar e transmitir a realidade de uma forma
muito particular.
Madalena (Bom (-))
Para já, há que destacar que Cesário Verde
possui um género de poesia muito característico. A mesma é muito recheada de
detalhes; predominam cenários urbanos; com linguagem moderna; em muitos poemas
seus os problemas da sociedade são expostos, como o esforço no trabalho (“Cristalizações”
– “De cócoras, em linha os calceteiros, / Com lentidão, terrosos e grosseiros, /
Calçam e lado a lado a longa rua,“ ; “Num bairro moderno” – “Bóiam aromas,
fumos de cozinha;/Com o cabaz às costas, e vergando, / Sobem padeiros, claros
de farinha;/E às portas, uma ou outra campainha / Toca, frenética, de vez em
quando.“), a doença (“Contrariedades” – “Uma infeliz, sem peito, os dois
pulmões doentes; / Sofre faltas de ar, morreram-lhe os parentes“ ), a injustiça
social, entre muitas outras características. A poesia de Cesário Verde está
muito baseada na transmissão de sentimentos para quem a interpreta. Muitas
vezes são os sentimentos mais delicados, como a tristeza, mágoa, desgosto,
sofrimento, amargura, que nos tocam e fazem com que ganhemos o gosto pela sua
poesia.
O pintor italiano Caravaggio, que viveu entre
1571 e 1610, foi reconhecido pelo seu excelente, expressivo e profissional
trabalho. Expressava a arte barroca nas suas pinturas que ficaram famosas pelo
grande contraste que conseguia entre a luz e a sombra. A sua célebre pintura
“Narcissus” (1599) mostra isso mesmo, um grande contraste entre uma imagem e a
sua respetiva sombra que, neste caso, é um homem – aparentemente da corte – que
se debruça sobre uma poça ou, talvez, um pequeno lago; e o que nós conseguimos
observar claramente, para além de todas as sombras feitas pelo mesmo, é a sua
reflexão na água.
Decidi comparar esta belíssima pintura com a
poesia de Cesário Verde, pois ambas expressam diversos sentimentos muitas das
vezes em comum. Enquanto, na pintura, a personagem revela uma expressão
profunda, triste, de sofrimento ou revolta talvez, no poema “Contrariedades” o
poeta refere alguns momentos em que podemos observar esses sentimentos, como
“Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,”, “Que mau humor! Rasguei uma epopeia
morta”. No poema “Cinismos”, também podemos observar alguns desses casos, como
“Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário / E desvendar-lhe a vida, o mundo, o
gozo,”, “Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso, / Os pegos abismais da minha
vida, / E hei de olhá-la dum modo tão nervoso,”. No caso deste poema, o último
verso acaba por ser uma certa ironia da parte do poeta (“E eu hei de, então,
soltar uma risada.”), como se, depois de todo o desmoronamento, ele ainda
conseguisse rir sobre os destroços.
Cesário e Caravaggio conseguem ainda dar vida à
sua arte (neste caso, poesia e pintura, repetivamente) e fazer penetrar
sentimentos no espectador. Quem observa/lê consegue, a partir da sua arte,
imaginar ou criar uma história composta. Por exemplo, no poema “Impossível”, a
partir de um verso (“Unir as nossas mãos, eternamente,”), podemos imaginar
diversos acontecimentos, desde momentos mais simples até aos mais complexos.
Botea (Bom +/Muito Bom -)
Opto por este óleo do notório pintor romântico
Caspar David Friedrich — «Wanderer above the Sea of Fog [Caminhante sobre o Mar
de Névoa]» —, que nasceu em 1776 e faleceu em 1840, quinze anos antes do
nascimento de Cesário Verde. Ambos os artistas experimentaram a perda e a
doença. Tanto um como o outro viu irmãos perecer, acabando também por sucumbir
lentamente. O português rendeu-se à tuberculose, o alemão sobreviveu a um AVC,
para se ver esmorecer aos poucos depois.
Um aspeto que valerá a pena acentuar é a
orientação vertical do quadro, que acaba por remeter para um homem digno e
íntegro. Apesar de não conseguirmos ver a sua cara, devido à sua postura,
podemos assumir que a majestosa, porém equilibrada, paisagem faz germinar no
homem, que está totalmente envolvido no sublime cenário, sentimentos síncronos
de espanto e satisfação. David Friedrich
ocultou propositadamente a cara do elegante burguês para que o público pudesse
partilhar a sua perspetiva de vida — a solitude, emparelhada com a Natureza,
concede-nos concretização física e espiritual. Também na poesia de Cesário,
ainda que mais subtilmente, o campo, contraposto à cidade, é esboçado como um
lugar que confere vida e harmonia e sara as feridas causadas pela cidade. Em
«Nós», o sujeito lírico evoca as suas memórias campestres, enaltecendo o
cenário rústico — «Ah! que aspetos benignos e rurais / Nesta localidade tudo
tinha» (II, vv.73-74) — e refutando a essência perversa e corruptora da cidade
—, referindo-se aos produtos fabricados e a comuns elementos característicos da
regeneração citadina lisboeta («Extensões Carboníferas», «Fundas Galerias»,
«Fábricas a Vapor») como «falso[s]» e «maquinal[ais]» (II, vv. 169), «Sem vida,
como um círculo ou um quadrado, / Com essa perfeição do fabricado, / Sem o
ritmo do vivo e do real!» (II, vv. 170-172).
Outro traço distintivo dos versos do poeta
português que podemos ver delineado na tela de Caspar é a diferenciação das
classes sociais. Em «Cristalizações», o «eu» descreve a agitação citadina e
associa-a à desigualdade que vem a molestar os pobres trabalhadores — «Homens
de carga! / Assim as bestas vão curvadas! / Que vida tão custosa! Que diabo!»
—, ficando frustrado com a vida dura que os trabalhadores levam.
Contrariamente, o homem retratado na pintura de Caspar David Friedrich
pertence, claramente, à burguesia (aparece-nos com elementos característicos da
classe bourgeoise da época [1818] — um sofisticado fato e uma requintada
bengala), —; no entanto, o que Caspar pretende transmitir é que, quando perante
a imensidão da Natureza, o estatuto social desvanece-se e o homem rende-se à
sua grandiosidade e magnificência. A vasta paisagem alude à divindade da
Natureza e ao facto de que, independentemente das nossas ambições, seremos
sempre excedidos por ela.
Lourenço (Suficiente (+))
Deparo-me
com uma pintura magnífica, “Pferd im Landshaft” (1910), de Franz Marc, que
nasceu em 1880 e faleceu em 1916, com apenas trinta e seis anos. Esta obra tem
a particularidade de poder transmitir diversas sensações, de pessoa para
pessoa, o que, na verdade, se pode relacionar com a escrita de Cesário Verde.
Para
além do enorme cavalo, está representado, num plano posterior, o que parece ser
um campo ao ar livre, por diversas cores, transmitindo-nos várias sensações.
A um
primeiro olhar, o quadro transmite-me calma pois reparo num cavalo que mostra
ser animal amigo do ser humano, e também num campo, que me transmite uma certa
leveza consequente dos ares que por ali correm. Contudo, ao olhar para o imenso
amarelo e o pouco de vermelho ali presentes, sinto um ambiente pesado e seco: o
calor está presente, bem como um ar difícil de respirar.
Em “De
tarde” acontece o mesmo. Cesário Verde tem como objetivo passar diferentes
sensações, seguindo uma poesia descritiva, referenciando cores e formas. Neste
poema, o sujeito poético está num pic-nic, ação que decorre no campo, como acontecia
no quadro de Franz Marc. Também presente neste encontro está um elemento
feminino referenciado no poema (“Foi quando tu, descendo de um burrico”), por
quem o poeta cria alguma proximidade (“Pouco depois, em cima duns penhascos, /
Nós acampámos , inda o sol se via”), podendo deduzir-se que o “eu” sente-se
atraído por este elemento feminino, que também podemos ver nos primeiros versos
(“Houve uma coisa simplesmente bela / E que, sem ter história nem grandeza, /
Em todo o caso dava uma aguarela”), fazendo-se uma associação às artes
plásticas, o que em Cesário Verde sucede constantemente.
Em Cesário
Verde, as diferentes sensações (tato, visão, paladar) multiplicam-se, tal como
no quadro de Franz Marc.
Podemos encontrar referências
ao tato na segunda estrofe (“Foste colher (…)”), na quarta estrofe (“Mas, todo
púrpuro a sair da renda”). O paladar também é referenciado na terceira estrofe
(“E pão de ló molhado em malvasia”). E, por último, temos a visão, que é a
sensação mais mencionada neste poema (“A um granzoal azul grão-de-bico”; “Um
ramalhete rubro de papoulas”).
Em suma, o poema “De
tarde”, de Cesário Verde, tem semelhanças com a pintura “Pferd im Landshaft”, de Franz Marc, na medida em
que ambas as obras apelam às diversas sensações.
Adolfo (Suficiente (+))
A pintura aproveitada
é uma representação perfeita da forma como Cesário Verde reflete o mundo em
poema, feita por Georges-Pierre Seurat.
“Un dimanche après-midi à l'Île de la Grande Jatte” foi pintado na capital da
moda e arte no século XIX, Paris, durante os anos 1884-1886.
Este quadro, pintado
durante o movimento Impressionista que percorrieu o mundo artístico na segunda
metade do século XIX, época que Cesário Verde também presenciou, usava a
técnica inovadora do pontilhismo, com misturas de pigmentos laranja, azul e
amarelo na zonas iluminadas, a técnica de que Georges Seurat foi considerado um
dos criadores. O pontilhismo era a técnica de usar toques pequenos com o pincel
para criar manchas, que, pela justaposição, provocam uma mistura óptica nos
olhos do observador, e criando uma variedade de cores diferentes, com mais
trabalho a nível da iluminação, abstraindo do detalhe para se obter uma pintura
mais desfocada.
A correlação do
fresco com Cesário Verde é forte, ambos se abstraem do Homem e representam o
mundo com visões diferentes, mas ambas inovadoras, Cesário Verde, com a sua
escrita deambulante, e Seurat, com o pontilhismo. Em domínios diferentes, a
escrita e a pintura, ambos os artistas prosseguem nas suas carreiras por inovar
o panorama e consolidar a definição do movimento impressionista, servindo de
inspiração por exemplo para artistas relevantes como Van Gogh.
Lendo o excerto do
poema de Cesário, “De Tarde”, “Naquele pic-nic de burguesas, / Houve uma coisa
simplesmente bela, / E que, sem ter história nem grandezas, / Em todo o caso
dava uma aguarela.”, vê-se o paralelismo entre Cesário Verde e o óleo
escolhido. Num cenário semelhante, a pintura mostra os burgueses a desfrutar de
uma tarde descontraída, na Ilha de Grande Jatte, indiferentes ao observador; no
poema acontece o mesmo. A realidade que surge perante o olhar dos dois
artistas, tem o foco no lazer, as pessoas e paisagens, que, neste espaço,
formam a vida quotidiana da classe alta. Outros exemplos serão “Num bairro
moderno”, de Cesário, que descreve a paisagem, a iluminação e o quotidiano dos
que vivem nesse espaço, como sucedia imagem que nos é dada na pintura.
Cesário Verde e
Georges Seurat convergem na realidade que ambos refletem, como uma tarde da
classe alta num ambiente natural, por uma transfiguração do universo, num
cenário melancólico, que é dado a conhecer através de um olhar seletivo, assim
subjetivo, mas com uma certa abulia, com o sentimento de um cidadão ocidental.
Margarida (Muito Bom)
A poesia de Cesário
aproxima-se da pintura e creio que, por vezes, pode ser relacionada com a obra
de Edvard Munch e, em particular,
com o quadro “Trabalhadores a caminho de casa” (“Arbeidere på hjemvei”), de 1913. É certo que, através do seu
emblemático “O Grito”, Munch conseguiu veicular como ninguém a angústia de
existir, mas, em “Trabalhadores a caminho de casa”, Munch parece pintar a “tal
soturnidade” e a “tal melancolia” que Cesário descobre e canta epicamente
enquanto deambula pela sua “triste cidade” em “O Sentimento dum Ocidental”.
O pintor nascido em Ådalsbruk retrata homens a caminhar depois de longas horas de
trabalho. As suas expressões faciais, cansadas e vazias, denunciam-no. Os seus
olhos escuros e ocos sugerem uma tristeza profunda e duradoura. Tal sensação é
reforçada pelos tons azuis e acastanhados predominantemente utilizados pelo
pintor expressionista. Por outro lado, atrevo-me a afirmar que o caminho é
percorrido num silêncio partilhado, tranquilo e… melancólico.
A
poesia verdeana grita melancolia. É melancolia que encontramos no poema “Nós”,
quando Cesário descreve “Uma iluminação a azeite de purgueira / De noite amarelava
os prédios macilentos”. A melancolia é também o sentimento dominante noutros
poemas daquele que Álvaro de Campos não se coibiu de evocar como mestre,
sobretudo n’ “O Sentimento dum Ocidental”, e, em especial, na sua primeira
estrofe magistral – “Nas nossas ruas, ao anoitecer / Há tal soturnidade, há tal
melancolia, / Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um
desejo absurdo de sofrer.”
A
poesia e a pintura são formas por excelência de transmitir não apenas emoções,
mas também ideias. Munch pinta a marcha, tão inexorável quanto gloriosa, dos
trabalhadores. Estão cansados, mas unidos.
Têm postura ereta e punhos cerrados. Vão a caminho da conquista de
melhores de condições de vida.
Também
Cesário Verde admira as classes trabalhadoras e faz a sua apologia. A
vendedeira de “Num Bairro Moderno”, apesar de “rota, pequenina, azafamada”,
“esguedelhada” e “feia”, é digna da sua afeição. Em “Cristalizações”, não
obstante os calceteiros terem traços quase animalescos, sendo “bovinos,
másculos, ossudos”, merecem a empatia do sujeito poético, que os reconhece como
“Os bons trabalhadores!”.
Tanto
o pintor norueguês como o poeta português levam a sua admiração pelos
trabalhadores ao ponto de se identificarem com eles. Munch via-se como um dos
trabalhadores de casaco azul, seguindo o líder de casaco vermelho – o seu amigo
e filósofo anarquista Hans Jaeger. Cesário, igualmente subtil, utiliza os seus
alexandrinos no poema intitulado “Em Petiz” para equiparar “operários […] de
olhar rebelde e louco” a “artistas”.
Por
fim, gostava de salientar como a indefinição do traço e dos contornos de Munch
e as transparências a que recorre se aproximam das impressões transmitidas
pelos versos de Cesário. Tanto um como outro pretendem transmitir de uma forma
quase cinematográfica a sensação de movimento.
Cesário
“Pinto[u] quadros por letras” (“Nós”). Decerto teria transformado em poema
“Trabalhadores a caminho de casa” pela melancolia e pela visão do mundo que o
poeta de Lisboa tanto apreciava.
Mafalda (Muito Bom -)
Quando observei “Boulevard Montmartre: Foggy
Morning [Boulevard Montmartre: Manhã
Nebulosa]” pela primeira vez, a
realidade captada por Camille Pissarro,
em 1897, levou-me, instintivamente, às deambulações do sujeito poético de
Cesário Verde.
O pintor francês transpôs para a sua tela a
simplicidade de um momento quotidiano tal como o poeta português fez nos seus
poemas. Era na banalidade que Cesário encontrava o ponto de partida para a sua
poesia, refletindo e transfigurando a realidade através da visão e dos
sentimentos do errante sujeito poético face ao que o rodeava.
Tanto a obra de Camille como a de Cesário nos
permitem percecionar a atmosfera envolvente através do olhar de quem a captou e
das emoções que despoletou. Apesar de a observar de um ponto exterior e imóvel,
contrariamente ao sujeito poético de Cesário, Camille captou a essência da rua
parisiense, em tantos aspetos similar às ruas lisboetas que se arquitetam nos
versos cesarianos.
No óleo de Pissarro predominam cores escuras e
os jogos de luz e sombra envolvem quem o observa no ambiente de que se revestia
a rua oitocentista no instante capturado pelo pintor. A captação fiel da luz
que incidia nos objetos é característica de Pissarro e dos pintores
impressionistas da sua época, sendo essencial à sua perceção. Em Cesário Verde
a luz aparece também como fator determinante, trazendo vida e cor em “Num
Bairro Moderno” (“E fere a vista com brancuras quentes”, “À luz do sol, o
colorista”) e, pela ausência, a tristeza e a doença em “O Sentimento dum
Ocidental”.
Tal como as ruas por onde vagueia o “eu” em “O
Sentimento dum Ocidental”, o Boulevard Montmartre surge-nos moderno, soturno e
claustrofóbico: “O céu parece baixo e de neblina” (v. 5), “e os edifícios com
as chaminés e a turba / Toldam-se de uma cor monótona e londrina” (vv. 7-8),
suscitando as mesmas sensações melancólicas. No sujeito poético de Cesário,
sempre marcado pela doença (“com as tonturas duma apoplexia”, v. 15 de “Num
Bairro Moderno”), despertaria “um desejo absurdo de sofrer” e certamente que a
Pissarro também não trouxe emoções ligeiras, confinado ao mesmo panorama
durante um longo período de tempo devido a uma complicação na visão que o
forçou a proteger-se dos efeitos nocivos da luz solar.
Podemos ver “carros de aluguer” e transeuntes
que se afiguram de classes elevadas representadas pelo pintor impressionista
sem qualquer cor ou vida. Sentimo-los distantes do pintor e distantes de nós,
que os observamos na tela, o que nos permite uma associação com o posicionamento
de Cesário em relação à hierarquia social. O sujeito poético de Cesário
distanciava-se da classe mais alta a que, de facto, pertencia, revoltando-se
com a opressão dos mais desfavorecidos, cujo trabalho observava e admirava (“em
linha os calceteiros [...] Calçam de lado a lado a longa rua”, vv. 3-5 de
“Cristalizações”). Nas figuras negras é ainda possível visualizar o “bando de
corvos pretos” que rodearia a “pombinha tímida e quieta” em que Cesário transfigura
a figura feminina de “A Débil”, deixando subentender uma crítica à sociedade
daquela época, que se afigurava corrompida e manipulada.
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