Cesário pelo 11.º 3.ª
Inês M. (Bom +)
Na pintura “Bride 2”
(2012), de David Walker, é possível
observar uma jovem bonita e natural, como as que também, por vezes, é possível
identificar na poesia de Cesário Verde. Grande parte da temática do trabalho do
poeta foca-se na figura feminina.
O poeta, em muitas
das suas obras, associa a mulher tanto à cidade como ao campo; quando esta se
encontra em cenário citadino, é geralmente descrita como elegante e de uma
beleza fora do comum; por outro lado, pode ser vista como fria, distante e altiva,
e de um estatuto social superior ao “eu”, mostrando também desprezo em relação
ao sujeito poético. Já quando no meio rural, a figura feminina revela-se
simples, angelical, frágil, inocente, pura e bondosa, normalmente associada ao
povo.
Em «A Débil», o
sujeito apresenta uma mulher que sobressai num cenário da cidade, não pela
excentricidade habitual, mas pela sua pureza e simplicidade.
O “eu” poético
utiliza um conjunto de termos para a caracterizar, tais como “bela, frágil,
assustada” (v. 2) e “ténue, doce, recolhida” (v. 51), remetendo para os seus
traços psicológicos.
Este poema põe em
relevo uma figura feminina que escapa ao tipo de mulher superior altiva, da
cidade, sendo esta antes uma jovem que poderia ser associada ao meio rural.
Descreve, portanto,
uma mulher que se movimenta num espaço que parece poder ser-lhe adverso. Assim,
sente-se perdida, necessitando, segundo o sujeito poético, de protecção
masculina por se encontrar num espaço que não se adequa à sua fragilidade e
onde pode não estar segura.
A poesia de Cesário
Verde é, também, palco para um grande contraste entre a cidade e o campo. A
cidade tem geralmente uma conotação negativa pela perspetiva do sujeito, que a
relaciona com a doença, a agitação, a opressão social, a melancolia, a morbidez
e o aprisionamento, como é possível observar em «O Sentimento dum Ocidental» e
«Num Bairro Moderno». É também um lugar marcado pela artificialidade e pela
desumanidade assim como pela exploração e pobreza. Por outro lado, o campo é
visto como um local de refúgio, de saúde, vitalidade, harmonia e liberdade,
sendo este o cenário em «De Tarde».
Em «A Débil», o
espaço citadino é mais uma vez caracterizado de forma negativa. Nele se
movimentam figuras sórdidas e potencialmente perigosas para a jovem, que o sujeito
caracteriza como “turba ruidosa, negra, espessa” (v. 23) e por “uma chusma de
padres de batina” (v. 37). Esta caracterização daquilo que rodeia a mulher
evidencia a sua fragilidade em relação ao meio. A vulnerabilidade da jovem
desperta no “eu” um instinto de protecção. Na pintura “Bride 2”, o amontoado de
riscos coloridos, que parece apoderar-se da jovem, poderá representar essa
agitação e figuras que preocupam o sujeito.
Bea (Bom (-))
Este quadro “[Um par
de sapatos]” (1886) é de Vincent Van
Gogh, que nasceu em 1853, apenas dois anos antes de Cesário Verde
(1855-1886), e morreu em 1890. Van Gogh e Cesário Verde tiveram ambos sobretudo
uma fama póstuma, sendo os seus trabalhos desprezados e desvalorizados até
então. Morreram aliás os dois bastante jovens.
Esta pintura parece
nada ter a ver com a poesia de Cesário; no entanto, se a observamos melhor e
atentarmos nos pormenores, podemos aproximá-la da escrita do poeta português em
vários aspetos. No fundo, vamos fazer o mesmo que o poeta fazia com as paisagens
que descrevia. Aquilo que para outros transeuntes seria uma banalidade é, na
perspetiva do poeta, parte de um quadro do real. Antes de se focar numa
situação particular, que prenda a atenção, o poeta dá-nos uma visão geral do
ambiente: “Dez horas da manhã, os transparentes / Matizam uma casa apalaçada
(…) E fere a vista, com brancuras quentes, a larga rua macadamizada”. Mas,
apesar de existirem situações particulares, estas poderiam ser integradas no
movimento quotidiano de uma rua onde “rota, pequenina azafamada, / Notei de
costas uma rapariga” (em “Num Bairro Moderno”), e ganhando, para o sujeito
poético, uma nova dimensão. Um processo análogo pode verificar-se em
“Cristalizações”, onde as primeiras estrofes constituem uma vista panorâmica,
para se focar mais à frente nos “calceteiros”.
As escuras cores do
quadro lembram-me a noite escura e pesada que Cesário descreve em “O Sentimento
dum Ocidental” — “A noite pesa, esmaga.” (III, v.1). O par de sapatos sujos e danificados remete
para um árduo trabalhador que poderia perfeitamente ser um dos “rapagões,
morosos, duros, baços” que “partem penedos” e “descalçam com os picaretes, /
Que ferem lume sobre pederneiras”. Mas, segundo Van Gogh, estes sapatos
pertencem a um camponês e a escura abertura do seu interior representa a
dificuldade e o cansaço dos passos do trabalhador, também evidenciado no
trabalho dos calceteiros em “Cristalizações” — “Pesam enormemente os grossos
maços, com que outros batem a calçada feita”. Além disso, a sujidade remete
para a doença, muito explorada e sentida pelo vários sujeitos poéticos
assumidos por Cesário Verde — “E eu desconfio, até, de um aneurisma / Tão
mórbido me sinto, ao acender as luzes; (…) Chora-me o coração que se enche e
que se abisma.” (vv. 5-8 de “O Sentimento dum Ocidental”).
O calçado denuncia a
classe do indivíduo. Estas botas tanto poderiam pertencer a um simples camponês
como a um operário, mas nunca a alguém da classe alta, nomeadamente à
burguesia, grupo social que dominava a cidade e que era bastante criticado pelo
poeta.
O modo como o par de
sapatos foi usado deixou marcas que contam toda uma história de quem
eventualmente possa tê-los calçado. Poderiam muito bem pertencer aos
protagonistas de “Cristalizações”, de Cesário Verde.
Sofia (Bom+/Muito Bom-)
Aproveito este quadro de Leonid Afremov — «Rainy Encounter [Encontro Chuvoso]» —, que nasceu
em 1955, um século após o nascimento de Cesário Verde, em 1855. O pintor, ainda
vivo, de nacionalidade israelita, nasceu na Bielorrússia e é conhecido pela sua técnica baseada no uso de pequenas espátulas
com tinta a óleo, em vez de pincéis. O preço das suas obras pode chegar aos
11000 dólares, ao passo que o poeta português nem chegou a ser reconhecido em
vida, nem um livro vendeu, e a primeira edição de O Livro de Cesário Verde, promovida pelo amigo Silva Pinto, só teve
duzentos exemplares.
A característica mais evidente desta obra, que é
comum a todos os quadros de Afremov, poderá ser, pelo menos para quem não
domina a arte da pintura, a vivacidade e alegria transmitidas pelas suas cores,
que faltam ao anoitecer que invade as ruas em «O Sentimento dum Ocidental» e
faz despertar no sujeito poético o sentimento inverso, «um desejo absurdo de
sofrer» (I, v. 4). Essa tristeza e solidão sentida em tudo se afastam da ideia
de felicidade que a obra de Afremov nos transmite com a representação do
encontro de duas figuras que, possivelmente, se amam pela proximidade observada
(e evidenciada pela elevação do pé da personagem feminina). As pinceladas de
Afremov dão-nos a sensação de uma utilização completa da paleta, o que
evidencia o contraste com o cinzento permanente característico daquele poema.
Esta cor surge da cidade e é acompanhada de sombras contribuindo para o
sofrimento, a melancolia e a deambulação solitária do «eu», fazendo uma auto-reflexão
social característica de Cesário Verde. Esta cidade andante é apresentada de
uma perspetiva caleidoscópica, opondo-se à visão estática que um quadro permite
oferecer, e é inundada de poluição visual (edifícios, carros, via-férrea),
opondo-se à representação citadina de Afremov com apenas uma rua, uns
candeeiros e umas árvores que se alinham e completam harmoniosamente a pintura
sem mais ruído.
A descrição passiva do sujeito poético, feita em
redor do «tu» de «A Débil», também é alvo de contraste com a obra de Afremov. O
sujeito poético manifesta vontade de proteger a «débil» da agitação da cidade,
mas apenas se imagina com ela e se limita a ser influenciado pelo que o retrato
da mulher provoca nele; já a figura masculina da pintura não tem de todo uma
posição passiva, mas, pelo contrário, a ousadia de chegar perto da mulher e de
se envolver com ela. Na poesia de Cesário a «débil» é vista pelo «eu» como
«bela, frágil, assustada» (v. 2), mas também como uma figura capaz de
atravessar uma multidão «com elegância e sem ostentação» (v. 37). Este retrato
ambivalente da mulher também se observa no quadro de Afremov onde a mulher
tanto pode surgir como frágil, tendo a necessidade de ser protegida da chuva
por um cavalheiro, como uma figura elegante e imponente, pela postura
confiante, os sapatos de salto alto, a roupa e o cabelo solto.
Afremov aproxima-se de Cesário na utilização
como ponto de partida do que observa e na representação de situações do
quotidiano. Ambos nos dão uma dimensão muito realista do mundo, sendo muito
descritivos e sensoriais.
Mafalda (Bom (-))
Este quadro de Claude Monet (1840-1926) —“La femme à
l’ombrelle”, ou “Madame Monet et son fils” (1875), também conhecido por “La
promenade” — foi pintado vinte anos depois do nascimento de Cesário Verde
(1855-1886).
Um dos pontos mais
interessantes desta pintura, na minha opinião, é a perspetiva da mesma e as
leituras a que pode levar. O quadro centra-se numa mulher com um vestido branco
esvoaçante, que é olhada numa perspetiva ascendente e que surge contra nuvens
brancas num céu azul. Esse olhar de baixo para cima representa uma certa
valorização da mulher e da sua beleza. A sua ternura é reconhecida através das
particularidades da pintura de Monet: pinceladas leves e espontâneas que criam
aspersões - manchas que dinamizam a suavidade e a leveza da pintura. Toda a
admiração captada na pintura de Monet existe igualmente na poesia de Cesário
Verde, por exemplo nos poemas “A Débil” e “De tarde”. O poeta acaba por pôr em
palavras o que Monet pintou, dizendo que a mulher é “bela, frágil, assustada”
(“A Débil”, v. 2) e mostrando uma certa rendição perante a mesma. O facto de ser
uma pintura a óleo com cores claras e, simultaneamente, vivas consegue fazer
com que as pessoas experimentem a tranquilidade do momento com sensibilidade e
realismo. Todas estas características da pintura assemelham-se à escrita de
Cesário Verde.
No poema “De tarde”,
o poeta português mostra o seu gosto pela natureza e, principalmente, pela
simplicidade, mostrando que aí se encontra o valor real das coisas. Assim, a
burguesa, quando desce do burrico descontraída e “sem imposturas tolas”,
consegue encantar o poeta. Verifica-se também que Cesário considera a mulher
como alguém simples e modesta porque gosta da natureza, tal como ele. Ou seja,
neste poema conseguimos perceber a grande atração e admiração que o poeta tem
pela figura feminina, o que também Monet revela na sua pintura. No poema “A
Débil”, o eu acaba por distanciar a figura feminina utilizando uma tripla
adjetivação, seguida de uma antítese, o que permite concluir que o poeta coloca
a mulher numa relação de superioridade em relação a si. Este aspeto, bastante
interessante, pode ser percebido também na pintura, como já tinha referido
antes.
Somos capazes de
relacionar a leveza, naturalidade, luminosidade e fragilidade da escrita de
Cesário Verde com a escolha de cores e perspetiva do quadro de Claude Monet. O
simbolismo de aspetos naturais, como o vento, representando a leveza e a
fragilidade, e o céu azul, oferecendo luminosidade ao momento, compõe o
imaginário do quadro e faz ecoar as vozes da poesia de Cesário. Acima de tudo,
acho que tanto o quadro como a poesia de que falamos possuem a mesma essência —
uma essência atenta ao que realmente importa, ou seja à beleza das coisas
simples da vida.
Eduardo (Suficiente (-))
Sirvo-me de um óleo de Ernest Rayper, pintor italiano da mesma época de Cesário Verde,
para estabelecer uma comparação entre o seu quadro e a poesia cesariana.
Este quadro apresenta uma ligação à poesia de
Cesário Verde na medida em que representa uma paisagem rural e o autor de “O
Sentimento dum Ocidental” revela de vários modos o que para ele seria o contraste
entre a cidade e o campo, evidenciando-o
em mais do que um dos seus poemas.
Nesta pintura conseguimos reparar numa paisagem
rural, também caracterizada por Cesário como
um ambiente de harmonia com a natureza em contraste com a visão da
cidade, apresentada como opressiva, melancólica, mórbida.
Neste óleo, notamos a presença de duas mulheres
que parecem estar a conversar. A mulher é outro dos pontos da comparação feita
por Cesário Verde entre o modo de vida rural e urbano. Vê a mulher urbana como bela,
fria e altiva, e a rural como simples e
angelical.
No poema “O Sentimento dum Ocidental”, o sujeito
poético vê a cidade como algo sombrio, escurecido, desmunido de vitalidade, tal
com acontece em ”Num Bairro Moderno”. São disso exemplo os seguintes
excertos de “O Sentimento dum Ocidental”, em que Cesário vê a cidade como
entediante, melancólica e opressiva, o que é
demonstrado pelas suas manifestações de consciência. Na parte I, o «eu»
relata a sua experiência no meio urbano, ao entardecer. Em “Nas nossas ruas, ao
anoitecer, / há tal soturnidade, há tal melancolia” (I, vv. 1-2) revela-se um
sentimento de soturnidade. Conseguimos também contrastar o movimento na cidade
ao entardecer com aquilo que é o movimento normal do meio rural, calmo, sereno,
sem agitação.
As mulheres presentes na pintura figuram outro
dos focos de destaque do sujeito poético durante as suas deambulações. No texto
“De Tarde”, o sujeito poético representa a imagem de simplicidade presente numa
mulher da pequena burguesia. Em “Naquele pic-nic de burguesas, / Houve uma coisa
simplesmente bela, / E que, sem ter história nem grandezas, / Em todo o caso
dava uma aguarela” (vv. 1-4) é evidenciado o gosto de Cesário Verde pela
simplicidade característica que atribui a certas mulheres como as que vemos na
pintura de Ernest Rayper, onde estão representadas duas mulheres que, mesmo não
se parecendo com burguesas, retratam o aspeto especificado por Cesário em "De
Tarde”.
Em conclusão, Rayper e Verde são relacionáveis
na perspetiva, constrastante, que nos dão de cidade e campo, respetivamente, e
no modo como descrevem certas figuras femininas.
Teresa (Muito Bom)
É fácil para quem lê “O
Sentimento dum Ocidental” ver-se na pele do sujeito poético, deambulando pela
cidade ao anoitecer. Conseguimos imaginar “as construções retas, iguais,
crescidas” e “os sinos dum tanger monástico e devoto”. No entanto, assim que se
olha para “Rue de Paris, Temps de Pluie”, pintado em 1877 pelo pintor francês
Gustave Caillebotte, já não é preciso imaginar este cenário, pois este passa a
estar visualmente representado mesmo à nossa frente.
Já não precisamos de
imaginar que “O céu parece baixo e de neblina”, porque, agora, este nos
envolve. Já não é preciso concentração para visualizar “os edifícios, com as
chaminés, e a turba” a toldarem-se “duma cor monótona e londrina”, porque a
melancolia associada aos tons londrinos é um dos elementos cruciais e marcantes
da tela de Caillebotte e uma das primeiras características que se notam na
mesma. Desta forma, a melancolia e soturnidade são dois sentimentos bastante
presentes nas obras de ambos os artistas, apesar de tomarem lugar em contextos
ligeiramente diferentes (um, em Lisboa, pela noite dentro, outro, em Paris,
durante um dia marcado pela presença da chuva e mau tempo).
Uma das características
da poesia de Cesário é a constante menção à doença de que parece sofrer o
sujeito poético. Esta referência faz-se sentir em poemas como “Num bairro
moderno”, quando é mencionado que o “eu” costuma chegar ao emprego “com as
tonturas d’uma apoplexia”, e “A Débil”, em que o próprio sujeito poético admite
doer-lhe a cabeça. Em “O Sentimento dum Ocidental”, as referências são ainda
mais: não só em expressões como “despertam-me um desejo absurdo de morrer”, “o
gás extravasado enjoa-me, perturba”, “desconfio, até, de um aneurisma”, mas
também na estrofe “E saio. A noite pesa, esmaga. Nos / Passeios de lajedo
arrastam-se as impuras. / Ó moles hospitais! Sai das embocaduras / Um sopro que
arrepia os ombros quase nus.”, em que são apontados aspetos que representam a
“doença” moral que tomou conta da cidade. Por outro lado, “Rue de Paris, Temps
de Pluie” pode também sugerir um clima de doença após uma análise mais
exaustiva: a chuva é um elemento da cidade que acompanha frequentemente o
desconforto físico, o mal-estar, até a doença. De facto, até as cores monótonas
e enjoativas usadas por Caillebotte contribuem para esse aspeto.
É um facto que Cesário é
exímio quando toca a descrever a vida quotidiana dos habitantes de uma cidade
movimentada, sendo esta uma característica comum a muitos dos seus poemas,
incluindo “O Sentimento dum Ocidental” (“Voltam os calafates, aos magotes / De
jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos”), “Cristalizações” e “Num Bairro
Moderno”. Este movimento da cidade é também captado por Caillebotte: surgem na
sua pintura, em todos os planos, habitantes da cidade, deslocando-se em todas
as direções. No entanto, há neste aspeto uma diferença significativa entre o
trabalho de Cesário e o de Caillebotte: nos poemas do primeiro, os transeuntes
são de várias classes sociais, incluindo pessoas do povo, trabalhadores e
operários, enquanto que no quadro do segundo, pelo modo como se vestem, parecem
ser quase aristocratas.
Inês S. (Bom +)
Nesta pintura, “The return from the fields”
(1886), Pierre-Auguste Renoir (1841-1919)
apresenta-nos uma cena rural de forma clara, simples e direta, mostrando-nos
uma mulher bonita e feliz, retratada com a delicadeza das cores suaves e
luminosas. Renoir, um pintor impressionista francês do século dezanove, catorze
anos mais velho do que Cesário Verde e sofrendo de artrite reumatóide, teve uma
vida muito mais longa e produtiva que o poeta português, que faleceu de
tuberculose no mesmo ano em que este quadro foi pintado, aos trinta e um anos
de idade.
Denominado, na fase final da sua vida, “o impressionista
que pintou pela dor”, Renoir privilegiou paisagens e flores, cenas ternas de
crianças e figuras/formas femininas, quer do campo como da burguesia. Encontramos
aqui um paralelismo com Cesário, cujos poemas, muitas vezes, retratam “a
mulher” numa dicotomia entre a mulher poderosae a mulher angelical. Contudo,
enquanto que, nesta pintura, a personagem mostra uma expressão feliz e
descontraída, nos poemas de Cesário as mulheres do povo são caracterizadas frequentemente
como feias, pobres, esforçadas, trabalhadoras e, por vezes, doentes, numa
genuína preocupação social que atravessa quase por inteiro a sua poesia. Estas
personagens femininas, assim como todas as que, em observação direta, desfilam
pelos seus poemas (calceteiros, varinas, marçanos, vendedeiras...), não são o
povo abstrato mas figuras muito concretas, representando o sofrimento do quotidiano
monótono e sem grandeza. Repare-se no
poema “Contrariedades”, em que o sujeito poético se queixa de que “E esta
poesia pede um editor que pague / Todas as minhas obras...” (vv. 63 e 64) e em
que, na última estrofe, confessa “E estou melhor; passou-me a cólera. E a
vizinha? / A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia? / Vejo-lhe luz no
quarto. Inda trabalha. É feia... / Que mundo! Coitadinha!”.
Em Renoir não há narração nem grandes temas ou
mensagens a descobrir e as personagens aparecem sempre sorridentes e felizes,
ora dançando, tocando piano, bebendo ou conversando... Por isso foi considerado
por muitos “o pintor da alegria”, da luz, da felicidade e da harmonia. Nesta
pintura, tal como em toda a sua obra, tudo é simples, claro, direto e próximo,
com delicado colorido, captando o instantâneo e fugindo à seriedade e
transcendência. Em Cesário há narrador e ação, como há tempo, espaço e
personagens em “O Sentimento dum Ocidental”, logo nos primeiros versos (“Nas
nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia, / Que as
sombras, o bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um desejo absurdo de
sofrer”). O narrador é o próprio sujeito poético, que conta uma história que
encerra em si muitas outras, cheias de vivências pessoais. É a história do poeta
que sai de casa e depara com um cenário humano preocupante e desolador – a
Lisboa opressiva e triste de Cesário, que ele atravessa em toda a sua
subjetividade. E usa a seriedade de uma língua sem lhe roubar a riqueza, numa expressividade
e qualidade estética, na exuberância da adjetivação (“Muram-se as construções
rectas, iguais, crescidas;”, II, v. 18) e combinação de sensações, comparações,
metáforas, sinestesias, versos (“E apuro-me a lançar originais e exactos / Os
meus alexandrinos”, “Contrariedades”, vv. 47 e 48) e quadras simples.
Para Renoir, a luz e o movimento do pincel sobre
a tela são o foco central da pintura, não está interessado em retratar
fielmente a realidade, tal como Cesário transgride na forma e no conteúdo, ao
preferir quadras a sonetos e temas não poéticos. Mas Renoir viu ainda algumas
das suas obras expostas no Museu do Louvre, ao contrário de Cesário,
ostensivamente ignorado no seu tempo e sem qualquer livro à data da sua morte
precoce. Os contemporâneos não lhe perdoaram o facto de a sua poesia ser tão diferente
e somente quatro décadas mais tarde a genialidade dos seus poemas seria reconhecida,
por Pessoa (através de Álvaro de Campos).
Pedro (Bom +)
Escolhi a pintura “Les amoureux en vert [Os apaixonados em
verde]” (1916-1917), de Marc Chagall, não pelo título remeter para o
apelido de Cesário, mas porque o quadro apresenta a mesma admiração pela
mulher, de forma erótica e inovadora.
No quadro de Chagall, o fundo verde é utilizado para destacar
o casal — onde um homem partilha o desejo de “beijar sobre o […] peito”
presente em “A Débil” — que é o verdadeiro foco da pintura. Cesário, talvez por
ser verde também, tem a mesma vontade de destacar e admirar a mulher na sua
escrita.
Na pintura, vemos um homem de olhos fechados, relaxado, a
encostar a cabeça no peito de uma mulher, o que simboliza a tranquilidade, a
segurança e o bem-estar que esta lhe transmite. Encontra-se um paralelismo com
Cesário, pois este considera “saudável ter o seu conchego” (“Num Bairro Moderno”).
Já a mulher, de olhos abertos, em vigília, imóvel e
assustada, simboliza o sentimento de enclausuramento que uma mulher vista como
um objeto pode sentir. Na sua poesia, Cesário deambula, deparando-se com
mulheres que se tornam polos da sua atenção. Sensualizando-as com palavras que
aparecem frequentemente, como “seios” — “dois seios como duas rolas”, em “De
Tarde”; “desejava beijar sobre o teu peito”, em “A Débil” ou “seios
injetados”, em “Num Bairro Moderno”— ou através de menções às peças de roupa
que a mulher veste, por exemplo.
Cesário oscila entre dois tipos de mulheres distintas: a
mulher mais forte, independente e dominante, que se mostra superior ao sujeito
poético, como a descrita em “Cristalizações”; e a mulher mais frágil e simples,
como a de “A Débil”. A mulher mais forte está associada a um ambiente mais
erótico, enquanto que a mulher fraca é mais angelical.
A mulher tem também um outro papel muito importante, pois,
quando o sujeito poético está no campo, o ambiente é agradável, porque é um
lugar nostálgico que remete para a infância do escritor; mas, quando passa para
a cidade — lugar sombrio e negativo —, a mulher tem uma função revitalizante
quando avistada pelo sujeito, pois, neste ambiente citadino, o “eu” do poema
tem tendência a deambular nauseado, doente e mórbido.
Nesta pintura verde de Marc Chagall e na poesia de Cesário
Verde podem encontrar-se, assim, vários aspetos semelhantes, como uma possível
associação cromática a emoções, mas aquele que no meu ponto de vista se
destaca, é a grande admiração pela mulher que partilham.
Leonor (Bom -/Suficiente +)
O quadro “A Leiteira” é uma pintura em óleo
sobre tela que representa uma "leiteira". A obra foi feita pelo
artista Johannes Vermeer e está
atualmente no Rijksmuseum, em Amesterdão, que a qualifica como "inquestionavelmente
uma das maiores atrações do museu". O ano exato em que a pintura foi
acabada é desconhecido, mas estima-se que tenha sido por volta de 1658.
Johannes Vermeer nasceu em 1632, dois séculos
antes de Cesário Verde, que nasceu apenas em 1855. Embora a diferença temporal
seja bastante acentuada, o pintor e o poeta tiveram vidas bastante idênticas.
Johannes era pintor, vivia com magros rendimentos
como comerciante de arte, não sendo o que vendia obras suas. Morreu, muito
pobre, em 1675. Depois da sua morte, Vermeer foi esquecido e as suas obras
artísticas só foram reconhecidas em 1866 pelo historiador de arte Théophile
Thoré.
Cesário, como Vermeer, nunca tendo tido qualquer
reconhecimento em vida, dividia-se entre a produção de poesia e as atividades
comerciais herdadas do pai. Um ano apos a sua morte, em 1886, Silva Pinto
organiza O Livro de Cesário Verde,
compilação das suas poesias publicada em 1901. Hoje em dia, estes dois nomes
são conhecidos mundialmente pelo seu talento, por suas obras e pelo avanço
mental que ambos tinham em relação às suas épocas. Ambos costumavam retratar
instantes ou momentos do quotidiano que eram bastante realistas, devido às suas
capacidades extraordinárias de observação e representação.
O quadro mostra um instante do quotidiano de
trabalho de uma empregada de cozinha. A Leiteira está serena e empenhada na sua
tarefa, segura delicadamente uma jarra com leite. O interior, quase nu, apresenta
alguns objetos simples e pequenos. A cena é cuidadosamente iluminada, sendo a
luz proveniente de uma janela. A relação entre luz e sombra também revela a
grande perícia de Vermeer, uma vez que a luz que cai sobre a leiteira destaca
os seus antebraços pálidos, dirigindo o olhar do leitor para o leite que
escorre. As cores dos trajes da mulher são fortes e dão caráter à personagem e
contrastam também com as cores pálidas e desbotadas dos objetos em seu redor e
do local onde se encontra, roubando os olhares para o centro do quadro onde se
passa a ação.
“Num Bairro Moderno” é-nos descrito em verso
pelo poeta. A primeira vez que vê uma vendedeira, o sujeito poético olha-a,
apesar do sol, o que transmite a sensação de claridade e bastante luz,
características que, no quadro, não estão muito presentes. Após uma descrição
bastante pormenorizada da rapariga, avalia-a como feia, desprezada, mas, apesar
disso o poeta mostra ter simpatizado com ela graças à força e imponência que se
destacam na sua postura. O poeta é também atraído pelos elementos ao redor da
rapariga, pelas suas cores e formas, o que não acontece em “A leiteira” devido
à simplicidade dos objetos no cenário e á falta de cor. Ambas as obras mostram
uma mulher trabalhadora e com qualidades que na época não seriam admiradas. Em
ambos os trabalhos são mulheres trabalhadoras a inspiração, o que é talvez o
dado mais inovador e aproximador dos dois artistas.
Tita (Muito Bom -)
Os artistas que
abordo seguidamente, embora sejam artistas de diferentes áreas da arte (escrita
e pintura), partilham algumas caraterísticas de estilo de expressão. Nasceram,
para além disso, no mesmo século e eram ambos provenientes da Península Ibérica
– Pablo Picasso, o pintor, era
espanhol, enquanto que Cesário Verde foi um poeta português. São, de certa
forma, semelhantes após uma avaliação talvez mais pormenorizada.
A obra em questão,
“Femme nue II” (ou “Nu de Dos”) retrata uma figura feminina, nua, que emana
fragilidade, transmitindo uma enorme emoção com tons predominantemente azuis. A
escolha de cor deve-se a a realização da tela ter acontecido durante o famoso
“período azul” do artista, época durante a qual todos os seus quadros são
caracterizados como melancólicos, tristes. Depressivos, até. Estes termos são
comuns aos do vocabulário utilizado para descrever alguns aspetos de escrita de
Cesário, em que as idiossincrasias citadinas tinham um impacto negativo,
estando o sujeito poético constantemente a padecer de doença e de insatisfação
quanto à paisagem.
O escritor português
mostra, principalmente nos seus poemas referentes à cidade, uma certa
soturnidade, um profundo estado de infelicidade, deambulando pela cidade
doentia que o rodeia sem rumo definido. Dá uma atenção especial aos elementos
marginalizados pela sociedade, a pormenores das ruas e das pessoas que, de
outro modo, seriam considerados irrelevantes, a particularidades como “um
parafuso [que] cai nas lajes, às escuras”, verso retirado de “O Sentimento dum
Ocidental”. Todo este estilo aponta para algo imaginado como azulado, escuro,
murcho.
Outro traço genérico
dos dois artistas será a representação da mulher como alta, magra, encantadora
mas fria e longínqua, “bela, frágil, assustada” – ilustrada com uma grande
variedade de adjetivos, nas obras cesarianas, e com pinceladas firmes, no caso
de Picasso, em ambas as situações mostrando-se a vulnerabilidade e os traços
elegantemente femininos. Acima de tudo, destaca-se a representação da
fertilidade, sendo os elementos mais simples abordados de forma íntima. Em
grande parte da poesia de Cesário Verde, a mulher inspira-o, vibra com algo que
lhe dá uma outra força, que o afasta da doença e dos maus hábitos. O sujeito
poético, sentado a beber álcool em “A Débil”, regressa daquela melancolia que o
consome, explicitando-o através do verso “mandei ir a garrafa, porque sinto que
me tornas prestante, bom, saudável”.
Enfim, tanto Pablo
Picasso como Cesário Verde retratam, cada um à sua maneira específica mas de
certo modo parecida, o quotidiano, prendendo-se nos pormenores, afundando-se em
emoções e mostrando-as através de arte.
Nicole (Suficiente -/Suficiente (-))
Este quadro é de Vincent Van Gogh — «Campo de trigo com ciprestes» (1889) —, que
nasceu em 1853, dois anos antes de Cesário Verde (1855-1886), morrendo em 1890.
O pintor nasceu em Zundert, nos Países Baixos. Era caracterizado como alguém
sério, quieto e pensativo. É conhecido pelas suas visões únicas, formando uma
estética muito própria e extremamente reconhecível. No processo da criação dos
seus quadros, passa por diversas crises existenciais.
Na pintura em causa, Van Gogh cria um cenário
artístico muito semelhante ao universo do poema de Cesário Verde «De tarde».
A obra de Van Gogh transpira calma. O ar puro da
natureza, a brisa, as cores rosadas, o pastel, o calmo azul… E a beleza pois
que não há nada mais belo que a natureza. Ao olhar para este quadro, sente-se
os cheiros, respira-se fundo. Das flores nascem as cores, um lugar maravilhoso
que se transforma num cenário muito semelhante ao de «De tarde» e daquele
piquenique, de Cesário Verde, conseguindo captar quase os mesmos sentimentos.
Lendo os versos “Houve uma coisa simplesmente bela, / E que, sem ter história
nem grandezas, / Em todo o caso dava uma aguarela”, podemos dizer que, para
Cesário Verde, algo que seja belo, simples e memorável, não tem de ser
grandioso, para que possa ficar na nossa mente como uma bela recordação.
Conseguimos encontrar o mesmo na pintura de Van Gogh, em que temos apenas uma
simples paisagem, composta por simples lembranças vividas naquele momento,
fazendo com que o momento seja memorável e maravilhoso. Por outro lado, Cesário
compara os movimentos da sua amada, os gestos, à própria natureza.
A partir do poema «De tarde», podemos dizer que,
para este sujeito poético identificável com Cesário Verde, o campo seria um
sítio de refúgio, da vida da cidade que era triste, doentia e melancólica.
Verifica-se o gosto pela natureza e, acima de tudo, pela simplicidade, e também
o gosto por uma mulher simples, que tenha o mesmo interesse pela natureza e
pelo campo que ele tem. A doçura da sua amada é o doce do melão, das cores
calmas da natureza, do som dos pássaros. O encanto dos seios, os seus gestos e
movimentos são simplesmente belos como a natureza, comparados com uma aguarela
no primeiro verso. Podemos até dizer que, se entrássemos dentro do quadro de
Van Gogh, Cesário podia já lá ter estado, naquela tarde, num piquenique.
Analisando ainda ambas as obras, no âmbito mais cromático: Cesário utiliza as
mesmas cores na sua poesia. O rubro de papoilas, o calmo azul, o púrpuro da
renda da sua amada, a mesma palete de cores utilizada na obra de Van Gogh.
Francisco (Bom +)
Vi o quadro «Angelus», do francês Jean-François Millet (1814-1875), que
me fez lembrar a poesia de Cesário Verde. Esta obra foi pintada entre 1857 e
1859, muito poucos anos depois do nascimento de Cesário, em 1855.
Em primeiro lugar, reparei que o cenário da pintura
é uma quinta. Também Cesário Verde passou muito tempo na quinta do pai, em
Linda-a-Pastora. Notei também que, ao fundo, se podem ver vários edifícios
altos, que farão certamente parte de uma cidade. É algo que acaba por não fazer
muito sentido, tendo em conta que as quintas normalmente se localizam longe das
cidades, mas acaba por ser bastante importante na comparação com a vida de
Cesário, uma vez que retrata duas fases importantíssimas da vida do escritor
português: uma primeira fase, na quinta do pai, e a posterior ida para a cidade
de Lisboa.
Olhando para as pessoas que se nos apresentam na
tela, apercebo-me de que estão ambas tristes, angustiadas. A mulher recorda-me
«A Débil», de Cesário Verde. Neste poema, Cesário retrata uma mulher que vê
quando está sentado num café. Fala-nos de uma mulher «bela, frágil, assustada»,
tal como aquela que nos é apresentada no quadro de Jean-François. O homem que
se encontra ao lado da mulher parece partilhar a angústia da companheira,
acabando por ser como o sujeito poético do poema de Cesário, que quis dedicar a
sua vida à mulher que vira.
Pensando na tristeza das personagens da pintura,
a primeira ideia que me vem à cabeça é o péssimo estado dos campos. Deduzo,
pois, que as colheitas morreram, provavelmente por causa de algum animal ou
algo que aconteceu ao solo. A morte das colheitas lembra-me dois tipos de morte
na vida de Cesário: uma morte física e uma morte mais emocional. A morte física
corresponde à doença de que Cesário sofria, a tuberculose, que é mencionada
inúmeras vezes na sua obra, nomeadamente no poema «Num Bairro Moderno» («Aonde
agora quase sempre chego / Com as tonturas de uma apoplexia»). O outro tipo de
morte adquire um sentido conotativo. De facto, ao ler a obra de Cesário Verde,
apercebo-me de que este parece estar morto por dentro, ao deambular pelas ruas
da cidade enquanto a observa sem emoção, em «O Sentimento dum Ocidental». O
sujeito poético é incapaz de aproveitar a beleza da cidade, e «[a] noite pesa,
esmaga». Encontra-se num estado depressivo, melancólico, quase semelhante ao
estado das personagens do quadro, que também acabam por estar deslocadas, tendo
em conta que perderam todo o seu sustento.
A cesta que se encontra aos pés da mulher, que
seria certamente usada para levar os legumes colhidos na quinta, sugere também
o «corpo orgânico» construído «Num Bairro Moderno» com recurso a várias frutas
e legumes.
Carolina (Suficiente (-))
Fazendo uma comparação
entre o quadro – «Colourful life [Vida Colorida]» –, de Wassily Kandinsky, e o poema “O Sentimento
dum Ocidental”, de Cesário Verde, direi que ambos apresentam uma cidade viva no
meio da escuridão.
Wassily Kandinsky nasceu a 16 de dezembro de 1866 em Moscovo, na
Rússia. Apesar do seu curso de Direito, Wassily tornou-se um artista plástico e
pintor, chegando, porém, a compor alguns poemas. Foi também reconhecido como
primeiro pintor ocidental a produzir uma tela abstrata. Morreu a 13 de dezembro
1944, em França, com setenta e sete anos.
Já Cesário Verde, nascido em 1855 em Lisboa foi o precursor da poesia
moderna em Portugal. Nem chegou a ter reconhecimento em vida, tendo a sua única
obra sido publicada após a sua morte, pelo seu amigo Silva Pinto.
A análise de “O
sentimento dum Ocidental” realça as manifestações da consciência do poeta português
presentes em alguns dos seus poemas. Trata-se de uma descrição/narrativa nas
ruas de Lisboa, ao anoitecer, onde à primeira vista nos deparamos com um
cenário humano preocupante e desolador (“Há tal soturnidade, há tal
melancolia”/”E o fim da tarde inspira-me; e incomoda”), que aflige e que, passo
a passo vai revelando a consciência do poeta. Também é visível no quadro
“Colorful life” que, existem traços cujas cores escuras tornam a tela
depreciativa: cada pessoa naquela pintura representa os sentimentos de quem o
pintou e de quem o observa.
No entanto, o que o poeta retrata não é
linear pois, com a evolução do poema, é percetível a mudança de um ambiente em
que «Despertam-me um desejo absurdo de sofrer» (v. 4) para a demonstração de
diversas comparações entre o mundo que é o real e aquele que, para o «eu», era
o mundo (“Semelham-se a gaiolas, com viveiros, / As edificações somente
emadeiradas: / Como morcegos, ao cair das badaladas, / Saltam de viga em viga
os mestres carpinteiros.”). Estas comparações e perceções presentes na obra de
Cesário são uma demonstração da variedade de culturas e estatutos sociais. Já
na tela de Wassily é visível uma cidade escondida na escuridão; por detrás de
uma tela aparentemente escura, existe vida e existe cor, existem personagens,
existe uma história.
É assim que eles se
complementam, um poema talvez sem sentido e uma pintura sem ordem são a arte da
representação de uma história que conta um pouco da vida de um poeta e de um
pintor.
Carlota (Suficiente -)
Fazendo uma comparação entre a pintura “Field of
Poppies” (Campo de Papoulas), de Alexi
Zaitsev, e o poema “De tarde”, de Cesário Verde, posso dizer que ambos
revelam uma grande admiração pela natureza.
Alexi Zaitsev, nascido em 1959, na Rússia,
trabalhou como ilustrador de livros e revistas e só em 1990 é que passou a ser
considerado um grande artista. Geralmente os seus quadros andam à volta de três
grandes temas: crianças, natureza e o mar; no entanto, o seu tópico preferido é
a natureza. É fácil identificar as suas obras pela técnica de espatulado somado,
pela temática que se repete bastante e até mesmo na tendência das cores.
Já Cesário Verde, nascido em 1855, em Lisboa,
dividia o seu trabalho entre a produção de poesias e atividades de comerciante,
herdadas do seu pai. No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas
impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a cidade e o campo, que
são os seus cenários preferidos.
É
interessante como as obras de Alexi, apesar de não serem realistas por conta do
efeito espatulado, nos transportam para as cenas de tal maneira, que nos
sentimos um pouco dentro daquela realidade. O mesmo acontece com todas as obras
de Cesário Verde, independentemente do assunto de que tratem.
A principal característica encontrada no quadro
“Field of Poppies” ou em qualquer outra pintura de Alexi Zaitsev é
tranquilidade que o quadro espelha, mesmo quando as telas trazem cores vivas.
No quadro consegue-se observar a vitalidade e a harmonia das jovens nele
representadas, tal como no poema “De Tarde”. Cesário aprecia o gosto simples de
uma mulher que não se dá a luxos e que, como tal, aprecia a natureza e o campo.
Nesta pintura é captada a realidade através da
luz, da cor e do movimento que estimulam e despertam sensações tal como nos
poemas de Cesário Verde, que estimulam o sujeito poético e despertam as suas
reflexões e emoções.
Analisando agora o poema, quando o “eu” diz
“Foste colher, sem imposturas tolas, / A um granzoal azul de grão-de-bico / Um
ramalhete rubro de papoulas” recorda a liberdade que se tem quando se está no
campo, o que é visível também no quadro.
Uma das maiores características que são
facilmente observadas nos poemas são os estados de alma em que o poeta estava
quando escreveu as suas obras, por exemplo, no poema “De Tarde”, quando o poeta
diz “Houve uma coisa simplesmente bela, / E que, sem ter histórias nem
grandezas / Em todo o caso dava uma aguarela”, aparenta estar alegre e
motivado, no entanto, quando analisamos o poema “O Sentimento dum Ocidental”, o
poeta parece estar em sofrimento, triste e deprimido, como quando escreve “Há
tal soturnidade, há tal melancolia,” ou “Despertam-me um desejo absurdo de
sofrer.”.
Duda (Bom -/Suficiente +)
Tal como outros
artistas, Cesário Verde não pôde evitar o encanto da figura feminina, sendo a
mesma retratada em muitas de suas obras, como o poema “A Débil”, em que o poeta
deixa transparecer sua admiração romântica pela mulher que descreve. O mesmo
acontece com o renomado pintor inglês John
William Watherhouse (1849-1917), nascido na Itália, seis anos antes de Cesário
Verde (1855-1886), de pais ingleses e também pintores. John é reconhecido por
suas obras ao estilo pré-rafaelita, tendo como tema preferencial a figura feminina,
como podemos observar em um de seus trabalhos, “The Soul of the Rose”.
Nesta obra
podemos destacar a delicadeza da dinâmica das cores e dos traços pintados, dando
forma a uma figura de moça delicada, gentil e bela. Da mesma forma são
retratadas as mulheres nas obras de Cesário, delicadas, belas e frágeis, como
vemos logo no começo do poema, “A ti, que és bela, frágil, assustada” (v. 3).
Essa imagem da figura feminina pintada e escrita pelos artistas, explicita
ideais patriarcais da época, sendo as mulheres padronizadas como delicadas, frágeis,
recatadas, e de uma beleza estonteante — ”Quero estimar-te sempre recatada/Numa
existência honesta, de cristal” (vv.3 e 4) — , condenando-as a serem vistas não
por suas perspectivas, mas pelas perspectivas doshomens. Todavia, devemos
reconhecer a ingenuidade dos artistas quanto a este ideal, sendo este comum à época.
Homens e mulheres partilhavam esse ponto de vista, aliás, embora até se deva
dizer que Cesário Verde tratou, em outros poemas, de mulheres com perfis
exatamente antagônicos — e que as admirou também.
Mesmo não sendo o
estilo de Cesário, em “A Débil” o poeta surge genuinamente no estilo do
Romantismo, como vemos em diversos versos de seu poema, em que descreve a moça desejada
como — bela e frágil,destacando suas formas e comportamentos — “Esse vestido simples,
sem enfeites, / Nessa cintura tenra, imaculada”(vv.19 e 20); “Com elegância e
sem ostentação, / Atravessavas branca, esbelta e fina” — , tendo-a como uma jóia
exposta a ruídos brutos do meio urbano em que se encontravam (“E eu que urdia
estes fáceis esbocetos, / Julguei ver, com a vista de poeta,/Uma pombinha tímida
e quieta / Num bando ameaçador de corvos pretos”). Com tais aspetos podemos
concluir, com o poeta, que tal romance tão desejado é inalcançável, a moça em
si é inalcançável, sendo o eu lírico insuficiente para tal formosura. O mesmo
sentimento podemos encontrar se observarmos atentamente a obra de Watherhouse,
sendo a moça retratada dona de tal beleza, de tal delicadeza, de tal perfeição,
que se torna distante de uma realidade, apenas uma joia admirável, restando aos
homens submeterem-se àquela deusa.
Miguel (Suficiente +/Bom -)
Aproveito este quadro de Eugène Galiene-Laloue — «Paris Porte Saint-Denis 5» (1941) —
nascido em 1854, apenas um ano antes de Cesário Verde (1855-1886), que no
entanto, teve a sorte de não morrer tão cedo como Cesário. Porém Cesário Verde
ganhou imenso reconhecimento pela sua obra depois da sua morte, este pintor
nunca recebeu esse nível de aclamo, mesmo depois de morto, ainda que as suas obras
sejam valorizadas não só como arte mas também como documentos históricos, por
representarem uma Paris feliz e movimentada no início do século 20.
Quando Cesário escreve poemas como “De Tarde”,
consegue capturar momentos que, tal como tudo o que está no passado, não
conseguirão ser revisitados. Consegue capturar em escrita detalhes que seriam
de outra forma esquecidos (“Pouco depois, em cima duns penhascos, / Nós
acampámos, inda o Sol se via; / E houve talhadas de melão, damascos, / E pão de
ló molhado em malvasia.”). Este quadro consegue alcançar o mesmo de um modo
visual: consegue explicitar como estava esta específica rua neste dia
específico a esta específica hora.
Este quadro contrasta com a obra de Cesário
Verde porque representa uma rua movimentada com imensas pessoas, enquanto, nos
poemas de Cesário, o cenário é habitualmente uma Lisboa com poucas pessoas que
deixa o sujeito poético sozinho com os seus pensamentos (“Nas nossas ruas, ao
anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia, / Que as sombras, o
bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um desejo absurdo de sofrer”) ou a
observar a arquitetura (“E os edifícios, com as chaminés, e a turba / Toldam-se
duma cor monótona e londrina”).
No seu poema “O Sentimento dum Ocidental”,
Cesário Verde representa pessoas a efetuar trabalhos fisicamente severos, (“Como
morcegos, ao cair das badaladas, / Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.”;”Voltam
os calafates, aos magotes, / De jaquetão, ao ombro, enfarruscados, secos;”),
enquanto Galiene-Laloue, neste quadro, representa um tipo de trabalho menos
exigente para o físico, na forma de lojas que aparentam vender produtos mais dirigidos
à alta sociedade. Este pequeno contraste mostra a diferença entre a matéria
sobre qual Cesário e Eugène faziam as suas obras, Lisboa e Paris: Eugène pintou
uma Paris luxuosa enquanto Cesário escreveu sobre uma Lisboa multissocial.
Nem todos os pequenos detalhes do quadro são
percetíveis, o estilo impressionista do quadro cria um efeito de visão alterada
e de quase náusea, o que é muito reminiscente de Cesário Verde, cujos sujeitos
poéticos sentem efeitos de doenças: em “O Sentimento dum Ocidental”, o eu diz
“Eu sonho a Cólera, imagino a Febre,”; e há muitas outras menções a doença, em
“Num Bairro Moderno”, onde o sujeito poético diz chegar habitualmente ao
trabalho “com as tonturas d’uma apoplexia”.
Inês C. (Bom (+)/Bom)
Opto por «Boulevard
Montmartre, Effet de nuit» (1897), uma tela do impressionista francês Camille
Pissarro que, por não estar assinada, nunca fora exposta enquanto o pintor
vivera. Nascido em 1830 – pouco mais de duas décadas antes de Cesário Verde
(1855) –, Pissarro é considerado co-fundador do impressionismo, enquanto que
Cesário foi um dos inspiradores da poesia moderna em Portugal.
Neste quadro, interessa-me destacar aquilo que
parece ser o tema predileto do pintor francês e que é também uma temática
abordada nos poemas de Cesário. Trata--se da representação e caracterização do
ambiente citadino. Uma vez que Pissarro é o autor de uma série de catorze
representações da avenida parisiense sob diferentes condições climatéricas e de
iluminação, em cada um dos seus óleos concebe uma cidade que suscita em nós
diferentes sentimentos, mesmo sendo todas elas representadas do mesmo ponto de
vista. Por outro lado, nos poemas de Cesário, a cidade é caracterizada sob uma
perspetiva caleidoscópica, na qual se cruzam espaços e psicologias ambíguos,
refletidos multiplamente.
Camille Pissarro retrata a noite numa avenida
repleta de agitação e movimento na qual teria chovido havia pouco tempo. O
ambiente citadino abordado pelo pintor contrasta em parte com o descrito pelo
poeta. Cesário considera a cidade um local agitado e movimentado («A espaços,
iluminam-se os andares, / E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos,», vv.
9-10, II - «O Sentimento dum Ocidental»), tal como Pissarro, que representara
uma multidão a fluir sob as árvores e os toldos das lojas. No entanto, o poeta
português destaca também a opressão, a melancolia, a morbidez e o
aprisionamento transmitido por este ambiente. O poeta marca bem as zonas de
bem-estar («casa apalaçada», v.2 de «Num Bairro Moderno») e de pobreza (bairros
degradados, «boqueirões» e «becos», em «O Sentimento dum Ocidental»).
Em «O Sentimento dum Ocidental», o sujeito
poético sai de casa ao anoitecer e depara-se com uma cidade degradada e doente
em termos morais, o que desperta sentimentos de tristeza e melancolia no «eu»
do poema. A cidade suscita-lhe também «um desejo absurdo de sofrer» (v. 4), de
escapar daquele cenário aflitivo («Batem os carros de aluguer, ao fundo, /
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!», vv. 9-10) e uma vontade de
deambular sozinho enquanto se embrenhava «a cismar, por boqueirões, por becos»
(v. 19). O ambiente citadino doentio e deprimente que Cesário descreve neste
poema opõe-se ao concebido por Camille Pissarro. A tela retrata uma rua
iluminada repleta de movimento e vida, o que difere da perceção que o sujeito
poético tem da mesma − uma cidade monótona e insalubre no que toca aos valores
e costumes («E os edifícios, com as chaminés, e a turba / Toldam-se duma cor
monótona e londrina», vv. 7-8).
Nos seus poemas, Cesário procura captar as
impressões causadas pela realidade e transmitir perceções sensoriais, estando a
sua atenção voltada para o quotidiano. Quanto a Pissarro, ilustra o quotidiano
observado através de pinceladas soltas, dando grande atenção às variações de
cor e luz.
Bernardo (Bom (-)/Bom -)
Aproveito este conhecido quadro de Vincent Van Gogh – «Terraço do Café à
Noite» (1988) –, que nasceu em 1853, dois anos antes de Cesário Verde
(1855-1886), e morrera quatro anos depois dele. Assim como Cesário, Van Gogh
também não teve muito sucesso durante a sua vida.
Van Gogh assemelha-se ao sujeito poético dos
poemas de Cesário. O sujeito poético revela em todos os poemas alguma doença,
na maioria das vezes, de domínio psicológico, e Van Gogh teve depressão e
sofreu de episódios psicóticos e alucinações, que mais tarde o levariam ao
suicídio.
Cesário, nos seus poemas, faz sempre uma
descrição detalhada dos locais por onde passa e de tudo o que se vai passando à
sua volta. Em «O Sentimento dum Ocidental» há bastantes referências a espaços lisboetas
que é fácil de identificar. No quadro é possível ver uma rua, possivelmente
citadina, que revela grande pormenor na sua pintura a óleo, sendo possível
identificarmos diferentes elementos no quadro.
O pavimento da rua dá-nos a ideia de que este é feito
com calçada. Isto remete-nos para «Cristalizações», onde, em deambulação pela
cidade, o eu repara em calceteiros que vão pavimentando a rua: «De cócoras, em
linha os calceteiros, / Com lentidão, terrosos e grosseiros, / Calçam de lado a
lado a longa rua.» (vv. 3-5).
É de noite e reparamos em algumas pessoas que
vão, também elas, deambulando pela rua à semelhança, do sujeito poético dos
poemas. Na terceira parte de «O Sentimento dum Ocidental», a deambulação do
sujeito poético já acontece de noite, «a noite pesa» e as ruas são, agora
iluminadas por candeeiros. À direita,
com as luzes acesas, identificamos algo que, a mim, me lembra uma loja, que é
também referida durante a deambulação do sujeito poético («Cercam-me as lojas,
tépidas», v. 3)
Em maior destaque na figura, identificamos um
café com algumas pessoas sentadas nas cadeiras dispostas no exterior. No poema
«A Débil», o sujeito poético está «Sentado à mesa dum café devasso» (v.5), onde
admira uma rapariga que, além de admirada pela sua beleza, juventude e
naturalidade, é ainda vista como frágil. Ao longo do poema, o poeta alterara a
sua atitude para com aquela mulher e, no final, o sujeito lírico decide dedicar
a sua «pobre vida» e mudar por ela.
Ainda no «Sentimento dum Ocidental» é referido o café, mais precisamente uma
taberna, onde, ao entardecer, o sujeito entra e repara em mesas onde emigrados
jogam dominó: «Entro na brasserie; às
mesas de emigrados, / Ao riso e à crua luz joga-se o dominó» (II, vv. 43-44).
Esta pintura de Van Gogh, como foi possível ver,
partilha algumas características com a “poesia deambulante” de Cesário Verde,
sendo possível estabelecer algumas relações como as que foram feitas
anteriormente, entre o quadro do pintor holandês e poemas do comerciante e
poeta português
Margarida (Bom)
Vejo neste quadro de Pablo Picasso o próprio sujeito poético
de “A Débil”, obra de Cesário Verde, no entanto na sua versão feminina (embora
pouco elegante, até “viril” – expressão utilizada no poema). Tem uma expressão
que se distancia da otimista, mostra talvez até uma certa tristeza, “miserável,
eu, que bebia cálices de absinto”. O que é delineado por palavras neste poema
cesariano é também ilustrado pelas pinceladas do pintor espanhol, mostrando uma
mulher sentada à mesa do que se deduz ser um café (no poema, a hipálage “café
devasso”), uma garrafa e um copo de absinto à sua frente – deduzimos que é esta
a bebida alcoólica contida no copo pelo título da pintura, “Buveur d'Absinthe
[Bebedor de Absinto]”. Não é coincidência ser esta a bebida eleita tanto pelo
sujeito poético dos poemas de Cesário Verde, como pelo pintor espanhol, já que
no século dezanove, o poeta português viveu entre 1855 e 1886 e vinte 1901 é o
ano da obra acima ilustrada era bastante consumida, particularmente pela
população mais pobre, por ser acessível, causando a sua dependência.
A mulher alcoólica encontra-se sozinha, num estado de
profundo desamparo, isolada a um canto, num local associado ao convívio e à
partilha entre pessoas. Mais uma vez, o artista procura acentuar a solidão e a
doença, traços característicos da poesia de Cesário Verde particularmente em «O
Sentimento dum Ocidental» e «Num Bairro Moderno» onde o sujeito poético realça,
sobre a forma de polaroids, a
monotonia e a morbidez próprias das zonas urbanas. De rosto apoiado na mão, o
outro braço envolvendo o corpo, aparenta estar pensativa e querer proteger-se
do mundo que a rodeia (particularmente na forma como abraça o próprio corpo
encolhido), tal como o sujeito poético em muitos dos poemas de Cesário se sente
esmagado pela cidade, sendo dado a devaneios durante as suas deambulações por
ela.
Olhos sombrios, pele
pálida e morfologia ossuda são os traços da protagonista do quadro que apontam
para esta estar doente e pouco satisfeita com a vida, não vendo muito para além
da sua aparente dependência do álcool, que se supõe ser o seu refúgio do que a
assombra do mundo exterior. Este mau hábito é adquirido de forma comum pelo
sujeito poético das obras de Cesário, para além do tabaco (“Já fumei três maços
de cigarros consecutivamente”, verso retirado de “Contrariedades”).
A cor que se destaca
na obra de Picasso é o azul escuro, que prende o observador a associá-lo ao
tom, à emoção que é retratada, a melancolia, a depressão, o «desejo absurdo de
sofrer». É um sentimento que engloba tanto a personagem da pintura como a da
poesia de Cesário. Aliás, foi por esta mesma cor que ficou conhecido o período
mais mórbido e melancólico de Picasso, influenciado pelo suicídio de um amigo,
num capítulo mais triste e sombrio da cidade de Paris no que diz respeito à sua
arte.
Pardal (Suficiente)
Ao analisar esta pintura, “Terraço de um café à
noite” (1888), de Vincent Van Gogh,
vejo uma rua colorida, com vida; de certa forma, consigo ouvir as conversas
sobrepostas de todos as pessoas lá sentadas a sair deste óleo. À volta do café
existe apenas escuridão, o brilho longínquo do céu estrelado e as luzes de
algumas casas. A vida da cidade parece estar concentrada apenas naquela
esplanada, o que depois acaba por contrastar com a escrita de Cesário, que
estabeleceu em Portugal a observação objetiva como uma atitude poética.
O sujeito de poemas de Cesário Verde propõe-se
captar as impressões que a realidade lhe provoca, na sequência de uma perceção
minuciosa através dos sentidos, com destaque para a visão, visto que faz muitas
referências a cor, luz e movimento, como demonstrado em “Cristalizações
”—“lavo, refresco, limpo os meus sentidos / e tangem-me excitados, sacudidos, /
o tato, a vista, o ouvido, o gosto e o olfato!”— e também privilegia o
imediato, captando imagens e sons em deambulações quotidianas, evidenciadas em
“Num bairro moderno”, “Cristalizações” e “O Sentimento dum ocidental” mas, mais
especificamente, em “ O Sentimento dum ocidental”—“Nas nossas ruas, ao
anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia”. Apesar de no quadro se
apresentar tudo com clareza, luminosidade e harmonia, Cesário via a cidade como
sendo um espaço confinado, demonstrando falta de vitalidade e muita agitação.
Em “Cristalizações”, a passagem “ A espaços, iluminam-se os andares, / E as
tascas, os cafés, as tendas, os estancos / Alastram em lençol os seus reflexos
brancos; / E a Lua lembra o circo e os jogos malabares” tem, sem dúvida, muito
mais que ver com o quadro visto, pois que, para além de falar em tascas e
cafés, faz-nos pensar num ambiente menos melancólico e confinante.
O pintor holandês tinha fascínio por noites
provençais, cheias de estrelas, quase como Verde pelas suas deambulações
observativas quotidianas. No quadro vemos várias pessoas sentadas na esplanada
em frente ao café e transeuntes parados a conversar no meio da rua; Cesário
podia muito bem ser uma daquelas pessoas no exterior do café se este quadro
fosse a representação de uma rua de Lisboa, que era onde vivia. Se, de facto, o
imaginarmos lá, rapidamente nos apercebemos da quantidade de detalhes em que
iria reparar, começando pela calçada que, devido à reflexão da luz vinda da
lâmpada de gás pendurada no café, apresenta um tom amarelo, o mesmo acontecendo
com toda a esplanada. Esta é uma das características mais populares e
distintivas da escrita de Cesário Verde.
Tanto Verde como Van Gogh tiveram vidas
complicadas repletas de melancolia, mas isso não os impediu de se tornarem nos
grandes artistas que foram, apesar de terem sido ambos mais reconhecidos após o
seu falecimento.
Afonso (Suficiente)
Este quadro, “Colheita-Ceifeiras”, de 1893, de Silva Porto, está
exposto no museu nacional de Soares dos Reis, no Porto. Representa duas
trabalhadoras a ceifar no campo no seculo XIX. Também Cesário Verde, na mesma
época, gostava de retratar, pormenorizadamente o campo, tal como tudo o resto
que escrevia.
Cesário Verde, morreu na miséria, tal como
muitos outros seus contemporâneos, sendo todo o seu trabalho e contributo para
a literatura portuguesa apenas reconhecido anos mais tarde através da
publicação da obra postumamente por um amigo próximo. A miséria e a falta de
condições de vida e de higiene da época, são retratadas relativamente bem neste
quadro quando as comparamos com os dias de hoje. Essas condições causaram a
morte do autor e dos irmãos com tuberculose (doença bastante comum à época).
O quadro não só é bastante pormenorizado, tal
como a escrita de Cesário, como também representa duas mulheres, figuras essas
também vítimas da observação do poeta que as descrevia ostensivamente, embora
sem nunca ser desrespeitador, normalmente numa perspetiva romântica e de elogio
peculiar. Quando era novo, o autor vivia no campo, daí uma certa relação entre
o autor e o quadro escolhido para além da época e das características das
pessoas. O autor vagueava, pelo campo ou pela cidade, captando episódios com
pessoas ou memórias de locais que descrevia com o mais pormenorizado detalhe
quase como que se apaixonasse momentaneamente por cada parte do seu dia.
O escritor falava de mulheres nos textos que
escrevia e, de formas por vezes distintas e pouco vulgares, relatava a sua
perspetiva do curtíssimo espaço de tempo que as via passar ou em que trocava
olhares com as mesmas, tal como todos os juízos e impressões que fazemos ou
tiramos do quadro em cima. Imaginamos o seu sofrimento, o seu pensamento, a qualidade
de vida e quase que imaginamos nitidamente o que aquelas duas senhoras
trabalhadores do campo vão fazer a seguir, tal e qual como fazia Cesário:
observava e criava uma história imaginária acerca de cada mulher, tendo em
conta cada uma das suas características.
Sendo o pintor desde quadro e Cesário pessoas
distintas, praticando artes diferentes, podemos notar que havia uma certa
relação entre as atividades e mesmo entre a perspetiva das pessoas e aquilo que
queriam transmitir, ainda que através de meios diferentes.
Edu (Suficiente
-/Suficiente (-))
Usarei o quadro de Edvard Munch “O grito”. Este pintor nasceu depois de Cesário Verde
(1863) e morreu muito depois do escritor (1944).
Gostaria de começar pela maior parecença entre o
quadro e a poesia de Cesário Verde, que é a dor, a doença. Neste quadro, a
figura que tem as mãos na cabeça parece transmitir dor o que é efetivamente
verdade, pois Edvard já admitiu que o quadro seria mesmo isso. Foi uma situação
que já lhe aconteceu e ele refere este momento como um “sopro de melancolia”, sendo
aí que começam as identidades. Cesário muitas vezes era melancólico e, para
além da melancolia, falava também muito nos seus poemas em doença, outra
semelhança, pois ele próprio estaria doente (tinha tuberculose), daí a sua
morte aos trinta e seis anos de vida. Edvard também pinta muito sobre morte,
pois desde pequeno teve-a ao pé de si (sua mãe morreu quando tinha cinco anos,
a sua irmã mais velha morreu aos quinze, outra irmã tinha uma doença mental e
outra irmã morreu depois de casar). Além disso, o pintor estava constantemente
doente, tal como Cesário. Também podemos ver a solidão que é
transmitida em «O Grito»,
que encontramos também em alguns poemas de Cesário.
Agora podemos ver os detalhes da poesia e da
pintura em si. Um facto comum e importante entre ambos é o impressionismo
porque, a pintura tem aspetos de impressionismo que Munch teria aprendido e a
literatura de Cesário também apresenta impressionismo especialmente quando são
descritas a cidade ou o campo.
Podemos notar também a simplicidade de ambos os
artistas, tanto os poemas como a pintura são bastante simples. Aliás, no quadro
conseguimos ver que a pintura em si é só uma paisagem distorcida com a pessoa
(não estando a tirar crédito ao autor como é óbvio).
Para acabar, gostava de apontar uma pequena
diferença. Mas, mesmo assim, existe uma diferença: Munch usa pintura de óleo na
tela, o que é uma técnica tradicional, enquanto Cesário evitou o lirismo
tradicional, expressando-se de uma forma mais natural e incomum, embora também
recoresse a métrica e rima convencionais.
Ana (Muito Bom -)
Tanto o quadro «Des Glaneuses [As Respigadoras]»
de Jean-François Millet (1814-1875)
como a obra de Cesário Verde receberam bastante tardiamente o reconhecimento negado
aos seus autores em vida, talvez devido a certas características que partilham.
Um dos aspetos mais facilmente identificáveis em ambas as obras ao colocá-las
em confronto é o realismo, a procura da captação da essência da realidade.
Na tela a óleo do pintor francês concluída em
1857 vemos três camponesas em plena atividade laboral, colhendo trigo, uma
atividade rural corrente, não deixando de ser evidente a pobreza das mesmas. Em
tudo, isto se aproxima da poesia de Cesário, também interessada na descrição do
trabalho e da realidade quotidiana tal como ela é, sem necessidade de a
embelezar, como exemplificam os seguintes versos de «Cristalizações»: “De
cócoras, em linha os calceteiros, / Com lentidão, terrosos e grosseiros, /
Calçam de lado a lado a longa rua.” (vv. 3-5).
Mostrando uma sensibilidade com as classes mais
desfavorecidas, recorrentemente ignoradas nas pinturas da época que preferiam
destacar alegres cenas burguesas, o pintor francês não hesita em representar em
primeiro plano as pobres camponesas que certamente se encontrariam, de maneira
geral, fora do centro das atenções. Esta sensibilidade estaria também presente
no sujeito poético de «Num Bairro Moderno», que, para além de descrever em
detalhe uma regateira em dificuldades, se decide a ajudá-la a carregar os seus
víveres acercando-se dela “sem desprezo” (v. 66).
Não posso deixar de mencionar a forma como os
dois artistas retratam a figura feminina. Embora seja representada
ambivalentemente em Cesário, a sua descrição que me interessará agora é
precisamente a de “Num Bairro Moderno”. Com o realismo a que já nos
acostumámos, tanto a mulher descrita pelo «eu» como as camponesas de Millet
veem ser-lhes atribuídas características pouco associadas à delicada e
idealizada figura feminina da época, como a fealdade pelo primeiro e a robustez
pelo pintor, qualidades típicas de uma mulher esforçada e trabalhadora. A
regateira “rota, pequenina, azafamada.” (v. 16) e “esguedelhada, feia” (v. 24)
ao curvar-se, imediatamente lembra o óleo do francês, sendo estas mulheres
fonte de inspiração para ambos os artistas.
Se é verdade que “A claridade, a robustez, a
ação” (v. 2) do campo em «De Verão» remetem facilmente para o cenário campestre
e luminoso da pintura em causa também ele evocando ação e movimento, não é
menos verdade que o meio rural inspira no sujeito poético alguns sentimentos
até opostos, como os inspirados por «Des Glaneuses». Para o «eu» o campo sugere
vitalidade, saúde, e até prosperidade: “Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!»
(v. 18), uma “paz, salubridade” (v. 10) que as camponesas pobres e
provavelmente cansadas, ainda que robustas, certamente não lhe associavam,
sendo antes um espaço de trabalho e dureza. Apesar disso, o pintor francês não
deixaria de concordar com o sujeito poético quando este afirma “No campo; eu
acho nele a musa que me anima” (v. 1).
Até a forma como Millet descreve o seu próprio
trabalho ̶̶̶̶ "não pintar nada que não fosse o
resultado de uma impressão recebida directamente da natureza, seja na paisagem
seja em figuras humanas." ̶ quase que poderia
ser atribuída a Cesário, substituindo o verbo canalizador desta vontade que
ambos partilhavam, «pintar», por «escrever».
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