Saturday, August 25, 2018

Cesário pelo 11.º 3.ª


Inês M. (Bom +)
Na pintura “Bride 2” (2012), de David Walker, é possível observar uma jovem bonita e natural, como as que também, por vezes, é possível identificar na poesia de Cesário Verde. Grande parte da temática do trabalho do poeta foca-se na figura feminina.
O poeta, em muitas das suas obras, associa a mulher tanto à cidade como ao campo; quando esta se encontra em cenário citadino, é geralmente descrita como elegante e de uma beleza fora do comum; por outro lado, pode ser vista como fria, distante e altiva, e de um estatuto social superior ao “eu”, mostrando também desprezo em relação ao sujeito poético. Já quando no meio rural, a figura feminina revela-se simples, angelical, frágil, inocente, pura e bondosa, normalmente associada ao povo.
Em «A Débil», o sujeito apresenta uma mulher que sobressai num cenário da cidade, não pela excentricidade habitual, mas pela sua pureza e simplicidade.
O “eu” poético utiliza um conjunto de termos para a caracterizar, tais como “bela, frágil, assustada” (v. 2) e “ténue, doce, recolhida” (v. 51), remetendo para os seus traços psicológicos.
Este poema põe em relevo uma figura feminina que escapa ao tipo de mulher superior altiva, da cidade, sendo esta antes uma jovem que poderia ser associada ao meio rural.
Descreve, portanto, uma mulher que se movimenta num espaço que parece poder ser-lhe adverso. Assim, sente-se perdida, necessitando, segundo o sujeito poético, de protecção masculina por se encontrar num espaço que não se adequa à sua fragilidade e onde pode não estar segura.
A poesia de Cesário Verde é, também, palco para um grande contraste entre a cidade e o campo. A cidade tem geralmente uma conotação negativa pela perspetiva do sujeito, que a relaciona com a doença, a agitação, a opressão social, a melancolia, a morbidez e o aprisionamento, como é possível observar em «O Sentimento dum Ocidental» e «Num Bairro Moderno». É também um lugar marcado pela artificialidade e pela desumanidade assim como pela exploração e pobreza. Por outro lado, o campo é visto como um local de refúgio, de saúde, vitalidade, harmonia e liberdade, sendo este o cenário em «De Tarde».
Em «A Débil», o espaço citadino é mais uma vez caracterizado de forma negativa. Nele se movimentam figuras sórdidas e potencialmente perigosas para a jovem, que o sujeito caracteriza como “turba ruidosa, negra, espessa” (v. 23) e por “uma chusma de padres de batina” (v. 37). Esta caracterização daquilo que rodeia a mulher evidencia a sua fragilidade em relação ao meio. A vulnerabilidade da jovem desperta no “eu” um instinto de protecção. Na pintura “Bride 2”, o amontoado de riscos coloridos, que parece apoderar-se da jovem, poderá representar essa agitação e figuras que preocupam o sujeito.

Bea (Bom (-))
Este quadro “[Um par de sapatos]” (1886) é de Vincent Van Gogh, que nasceu em 1853, apenas dois anos antes de Cesário Verde (1855-1886), e morreu em 1890. Van Gogh e Cesário Verde tiveram ambos sobretudo uma fama póstuma, sendo os seus trabalhos desprezados e desvalorizados até então. Morreram aliás os dois bastante jovens.
Esta pintura parece nada ter a ver com a poesia de Cesário; no entanto, se a observamos melhor e atentarmos nos pormenores, podemos aproximá-la da escrita do poeta português em vários aspetos. No fundo, vamos fazer o mesmo que o poeta fazia com as paisagens que descrevia. Aquilo que para outros transeuntes seria uma banalidade é, na perspetiva do poeta, parte de um quadro do real. Antes de se focar numa situação particular, que prenda a atenção, o poeta dá-nos uma visão geral do ambiente: “Dez horas da manhã, os transparentes / Matizam uma casa apalaçada (…) E fere a vista, com brancuras quentes, a larga rua macadamizada”. Mas, apesar de existirem situações particulares, estas poderiam ser integradas no movimento quotidiano de uma rua onde “rota, pequenina azafamada, / Notei de costas uma rapariga” (em “Num Bairro Moderno”), e ganhando, para o sujeito poético, uma nova dimensão. Um processo análogo pode verificar-se em “Cristalizações”, onde as primeiras estrofes constituem uma vista panorâmica, para se focar mais à frente nos “calceteiros”.
As escuras cores do quadro lembram-me a noite escura e pesada que Cesário descreve em “O Sentimento dum Ocidental” — “A noite pesa, esmaga.” (III, v.1).  O par de sapatos sujos e danificados remete para um árduo trabalhador que poderia perfeitamente ser um dos “rapagões, morosos, duros, baços” que “partem penedos” e “descalçam com os picaretes, / Que ferem lume sobre pederneiras”. Mas, segundo Van Gogh, estes sapatos pertencem a um camponês e a escura abertura do seu interior representa a dificuldade e o cansaço dos passos do trabalhador, também evidenciado no trabalho dos calceteiros em “Cristalizações” — “Pesam enormemente os grossos maços, com que outros batem a calçada feita”. Além disso, a sujidade remete para a doença, muito explorada e sentida pelo vários sujeitos poéticos assumidos por Cesário Verde — “E eu desconfio, até, de um aneurisma / Tão mórbido me sinto, ao acender as luzes; (…) Chora-me o coração que se enche e que se abisma.” (vv. 5-8 de “O Sentimento dum Ocidental”).
O calçado denuncia a classe do indivíduo. Estas botas tanto poderiam pertencer a um simples camponês como a um operário, mas nunca a alguém da classe alta, nomeadamente à burguesia, grupo social que dominava a cidade e que era bastante criticado pelo poeta.
O modo como o par de sapatos foi usado deixou marcas que contam toda uma história de quem eventualmente possa tê-los calçado. Poderiam muito bem pertencer aos protagonistas de “Cristalizações”, de Cesário Verde.

Sofia (Bom+/Muito Bom-)
Aproveito este quadro de Leonid Afremov — «Rainy Encounter [Encontro Chuvoso]» —, que nasceu em 1955, um século após o nascimento de Cesário Verde, em 1855. O pintor, ainda vivo, de nacionalidade israelita, nasceu na Bielorrússia e é conhecido pela sua técnica baseada no uso de pequenas espátulas com tinta a óleo, em vez de pincéis. O preço das suas obras pode chegar aos 11000 dólares, ao passo que o poeta português nem chegou a ser reconhecido em vida, nem um livro vendeu, e a primeira edição de O Livro de Cesário Verde, promovida pelo amigo Silva Pinto, só teve duzentos  exemplares.
A característica mais evidente desta obra, que é comum a todos os quadros de Afremov, poderá ser, pelo menos para quem não domina a arte da pintura, a vivacidade e alegria transmitidas pelas suas cores, que faltam ao anoitecer que invade as ruas em «O Sentimento dum Ocidental» e faz despertar no sujeito poético o sentimento inverso, «um desejo absurdo de sofrer» (I, v. 4). Essa tristeza e solidão sentida em tudo se afastam da ideia de felicidade que a obra de Afremov nos transmite com a representação do encontro de duas figuras que, possivelmente, se amam pela proximidade observada (e evidenciada pela elevação do pé da personagem feminina). As pinceladas de Afremov dão-nos a sensação de uma utilização completa da paleta, o que evidencia o contraste com o cinzento permanente característico daquele poema. Esta cor surge da cidade e é acompanhada de sombras contribuindo para o sofrimento, a melancolia e a deambulação solitária do «eu», fazendo uma auto-reflexão social característica de Cesário Verde. Esta cidade andante é apresentada de uma perspetiva caleidoscópica, opondo-se à visão estática que um quadro permite oferecer, e é inundada de poluição visual (edifícios, carros, via-férrea), opondo-se à representação citadina de Afremov com apenas uma rua, uns candeeiros e umas árvores que se alinham e completam harmoniosamente a pintura sem mais ruído.
A descrição passiva do sujeito poético, feita em redor do «tu» de «A Débil», também é alvo de contraste com a obra de Afremov. O sujeito poético manifesta vontade de proteger a «débil» da agitação da cidade, mas apenas se imagina com ela e se limita a ser influenciado pelo que o retrato da mulher provoca nele; já a figura masculina da pintura não tem de todo uma posição passiva, mas, pelo contrário, a ousadia de chegar perto da mulher e de se envolver com ela. Na poesia de Cesário a «débil» é vista pelo «eu» como «bela, frágil, assustada» (v. 2), mas também como uma figura capaz de atravessar uma multidão «com elegância e sem ostentação» (v. 37). Este retrato ambivalente da mulher também se observa no quadro de Afremov onde a mulher tanto pode surgir como frágil, tendo a necessidade de ser protegida da chuva por um cavalheiro, como uma figura elegante e imponente, pela postura confiante, os sapatos de salto alto, a roupa e o cabelo solto.
Afremov aproxima-se de Cesário na utilização como ponto de partida do que observa e na representação de situações do quotidiano. Ambos nos dão uma dimensão muito realista do mundo, sendo muito descritivos e sensoriais.

Mafalda (Bom (-))
Este quadro de Claude Monet (1840-1926)­­ —“La femme à l’ombrelle”, ou “Madame Monet et son fils” (1875), também conhecido por “La promenade” — foi pintado vinte anos depois do nascimento de Cesário Verde (1855-1886).
Um dos pontos mais interessantes desta pintura, na minha opinião, é a perspetiva da mesma e as leituras a que pode levar. O quadro centra-se numa mulher com um vestido branco esvoaçante, que é olhada numa perspetiva ascendente e que surge contra nuvens brancas num céu azul. Esse olhar de baixo para cima representa uma certa valorização da mulher e da sua beleza. A sua ternura é reconhecida através das particularidades da pintura de Monet: pinceladas leves e espontâneas que criam aspersões - manchas que dinamizam a suavidade e a leveza da pintura. Toda a admiração captada na pintura de Monet existe igualmente na poesia de Cesário Verde, por exemplo nos poemas “A Débil” e “De tarde”. O poeta acaba por pôr em palavras o que Monet pintou, dizendo que a mulher é “bela, frágil, assustada” (“A Débil”, v. 2) e mostrando uma certa rendição perante a mesma. O facto de ser uma pintura a óleo com cores claras e, simultaneamente, vivas consegue fazer com que as pessoas experimentem a tranquilidade do momento com sensibilidade e realismo. Todas estas características da pintura assemelham-se à escrita de Cesário Verde.
No poema “De tarde”, o poeta português mostra o seu gosto pela natureza e, principalmente, pela simplicidade, mostrando que aí se encontra o valor real das coisas. Assim, a burguesa, quando desce do burrico descontraída e “sem imposturas tolas”, consegue encantar o poeta. Verifica-se também que Cesário considera a mulher como alguém simples e modesta porque gosta da natureza, tal como ele. Ou seja, neste poema conseguimos perceber a grande atração e admiração que o poeta tem pela figura feminina, o que também Monet revela na sua pintura. No poema “A Débil”, o eu acaba por distanciar a figura feminina utilizando uma tripla adjetivação, seguida de uma antítese, o que permite concluir que o poeta coloca a mulher numa relação de superioridade em relação a si. Este aspeto, bastante interessante, pode ser percebido também na pintura, como já tinha referido antes.
Somos capazes de relacionar a leveza, naturalidade, luminosidade e fragilidade da escrita de Cesário Verde com a escolha de cores e perspetiva do quadro de Claude Monet. O simbolismo de aspetos naturais, como o vento, representando a leveza e a fragilidade, e o céu azul, oferecendo luminosidade ao momento, compõe o imaginário do quadro e faz ecoar as vozes da poesia de Cesário. Acima de tudo, acho que tanto o quadro como a poesia de que falamos possuem a mesma essência — uma essência atenta ao que realmente importa, ou seja à beleza das coisas simples da vida.

Eduardo (Suficiente (-))

Sirvo-me de um óleo de Ernest Rayper, pintor italiano da mesma época de Cesário Verde, para estabelecer uma comparação entre o seu quadro e a poesia cesariana.
Este quadro apresenta uma ligação à poesia de Cesário Verde na medida em que representa uma paisagem rural e o autor de “O Sentimento dum Ocidental” revela de vários modos o que para ele seria o contraste entre a cidade e o campo,  evidenciando-o em mais do que um dos seus poemas.
Nesta pintura conseguimos reparar numa paisagem rural, também caracterizada por Cesário como  um ambiente de harmonia com a natureza em contraste com a visão da cidade, apresentada como opressiva, melancólica, mórbida.
Neste óleo, notamos a presença de duas mulheres que parecem estar a conversar. A mulher é outro dos pontos da comparação feita por Cesário Verde entre o modo de vida rural e urbano. Vê a mulher urbana como bela, fria e altiva, e a rural como  simples e angelical.
No poema “O Sentimento dum Ocidental”, o sujeito poético vê a cidade como algo sombrio, escurecido, desmunido de vitalidade, tal com acontece em ”Num Bairro Moderno. São disso exemplo os seguintes excertos de “O Sentimento dum Ocidental”, em que Cesário vê a cidade como entediante, melancólica e opressiva, o que é  demonstrado pelas suas manifestações de consciência. Na parte I, o «eu» relata a sua experiência no meio urbano, ao entardecer. Em “Nas nossas ruas, ao anoitecer, / há tal soturnidade, há tal melancolia” (I, vv. 1-2) revela-se um sentimento de soturnidade. Conseguimos também contrastar o movimento na cidade ao entardecer com aquilo que é o movimento normal do meio rural, calmo, sereno, sem agitação.
As mulheres presentes na pintura figuram outro dos focos de destaque do sujeito poético durante as suas deambulações. No texto “De Tarde”, o sujeito poético representa a imagem de simplicidade presente numa mulher da pequena burguesia. Em “Naquele pic-nic de burguesas, / Houve uma coisa simplesmente bela, / E que, sem ter história nem grandezas, / Em todo o caso dava uma aguarela” (vv. 1-4) é evidenciado o gosto de Cesário Verde pela simplicidade característica que atribui a certas mulheres como as que vemos na pintura de Ernest Rayper, onde estão representadas duas mulheres que, mesmo não se parecendo com burguesas, retratam o aspeto especificado por Cesário em "De Tarde”.
Em conclusão, Rayper e Verde são relacionáveis na perspetiva, constrastante, que nos dão de cidade e campo, respetivamente, e no modo como descrevem certas figuras femininas.

Teresa (Muito Bom)

É fácil para quem lê “O Sentimento dum Ocidental” ver-se na pele do sujeito poético, deambulando pela cidade ao anoitecer. Conseguimos imaginar “as construções retas, iguais, crescidas” e “os sinos dum tanger monástico e devoto”. No entanto, assim que se olha para “Rue de Paris, Temps de Pluie”, pintado em 1877 pelo pintor francês Gustave Caillebotte, já não é preciso imaginar este cenário, pois este passa a estar visualmente representado mesmo à nossa frente.
Já não precisamos de imaginar que “O céu parece baixo e de neblina”, porque, agora, este nos envolve. Já não é preciso concentração para visualizar “os edifícios, com as chaminés, e a turba” a toldarem-se “duma cor monótona e londrina”, porque a melancolia associada aos tons londrinos é um dos elementos cruciais e marcantes da tela de Caillebotte e uma das primeiras características que se notam na mesma. Desta forma, a melancolia e soturnidade são dois sentimentos bastante presentes nas obras de ambos os artistas, apesar de tomarem lugar em contextos ligeiramente diferentes (um, em Lisboa, pela noite dentro, outro, em Paris, durante um dia marcado pela presença da chuva e mau tempo).
Uma das características da poesia de Cesário é a constante menção à doença de que parece sofrer o sujeito poético. Esta referência faz-se sentir em poemas como “Num bairro moderno”, quando é mencionado que o “eu” costuma chegar ao emprego “com as tonturas d’uma apoplexia”, e “A Débil”, em que o próprio sujeito poético admite doer-lhe a cabeça. Em “O Sentimento dum Ocidental”, as referências são ainda mais: não só em expressões como “despertam-me um desejo absurdo de morrer”, “o gás extravasado enjoa-me, perturba”, “desconfio, até, de um aneurisma”, mas também na estrofe “E saio. A noite pesa, esmaga. Nos / Passeios de lajedo arrastam-se as impuras. / Ó moles hospitais! Sai das embocaduras / Um sopro que arrepia os ombros quase nus.”, em que são apontados aspetos que representam a “doença” moral que tomou conta da cidade. Por outro lado, “Rue de Paris, Temps de Pluie” pode também sugerir um clima de doença após uma análise mais exaustiva: a chuva é um elemento da cidade que acompanha frequentemente o desconforto físico, o mal-estar, até a doença. De facto, até as cores monótonas e enjoativas usadas por Caillebotte contribuem para esse aspeto.
É um facto que Cesário é exímio quando toca a descrever a vida quotidiana dos habitantes de uma cidade movimentada, sendo esta uma característica comum a muitos dos seus poemas, incluindo “O Sentimento dum Ocidental” (“Voltam os calafates, aos magotes / De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos”), “Cristalizações” e “Num Bairro Moderno”. Este movimento da cidade é também captado por Caillebotte: surgem na sua pintura, em todos os planos, habitantes da cidade, deslocando-se em todas as direções. No entanto, há neste aspeto uma diferença significativa entre o trabalho de Cesário e o de Caillebotte: nos poemas do primeiro, os transeuntes são de várias classes sociais, incluindo pessoas do povo, trabalhadores e operários, enquanto que no quadro do segundo, pelo modo como se vestem, parecem ser quase aristocratas.

Inês S. (Bom +)

Nesta pintura, “The return from the fields” (1886), Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) apresenta-nos uma cena rural de forma clara, simples e direta, mostrando-nos uma mulher bonita e feliz, retratada com a delicadeza das cores suaves e luminosas. Renoir, um pintor impressionista francês do século dezanove, catorze anos mais velho do que Cesário Verde e sofrendo de artrite reumatóide, teve uma vida muito mais longa e produtiva que o poeta português, que faleceu de tuberculose no mesmo ano em que este quadro foi pintado, aos trinta e um anos de idade.
Denominado, na fase final da sua vida, “o impressionista que pintou pela dor”, Renoir privilegiou paisagens e flores, cenas ternas de crianças e figuras/formas femininas, quer do campo como da burguesia. Encontramos aqui um paralelismo com Cesário, cujos poemas, muitas vezes, retratam “a mulher” numa dicotomia entre a mulher poderosae a mulher angelical. Contudo, enquanto que, nesta pintura, a personagem mostra uma expressão feliz e descontraída, nos poemas de Cesário as mulheres do povo são caracterizadas frequentemente como feias, pobres, esforçadas, trabalhadoras e, por vezes, doentes, numa genuína preocupação social que atravessa quase por inteiro a sua poesia. Estas personagens femininas, assim como todas as que, em observação direta, desfilam pelos seus poemas (calceteiros, varinas, marçanos, vendedeiras...), não são o povo abstrato mas figuras muito concretas, representando o sofrimento do quotidiano monótono e sem grandeza.  Repare-se no poema “Contrariedades”, em que o sujeito poético se queixa de que “E esta poesia pede um editor que pague / Todas as minhas obras...” (vv. 63 e 64) e em que, na última estrofe, confessa “E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? / A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia? / Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia... / Que mundo! Coitadinha!”.
Em Renoir não há narração nem grandes temas ou mensagens a descobrir e as personagens aparecem sempre sorridentes e felizes, ora dançando, tocando piano, bebendo ou conversando... Por isso foi considerado por muitos “o pintor da alegria”, da luz, da felicidade e da harmonia. Nesta pintura, tal como em toda a sua obra, tudo é simples, claro, direto e próximo, com delicado colorido, captando o instantâneo e fugindo à seriedade e transcendência. Em Cesário há narrador e ação, como há tempo, espaço e personagens em “O Sentimento dum Ocidental”, logo nos primeiros versos (“Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia, / Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um desejo absurdo de sofrer”). O narrador é o próprio sujeito poético, que conta uma história que encerra em si muitas outras, cheias de vivências pessoais. É a história do poeta que sai de casa e depara com um cenário humano preocupante e desolador – a Lisboa opressiva e triste de Cesário, que ele atravessa em toda a sua subjetividade. E usa a seriedade de uma língua sem lhe roubar a riqueza, numa expressividade e qualidade estética, na exuberância da adjetivação (“Muram-se as construções rectas, iguais, crescidas;”, II, v. 18) e combinação de sensações, comparações, metáforas, sinestesias, versos (“E apuro-me a lançar originais e exactos / Os meus alexandrinos”, “Contrariedades”, vv. 47 e 48) e quadras simples.
Para Renoir, a luz e o movimento do pincel sobre a tela são o foco central da pintura, não está interessado em retratar fielmente a realidade, tal como Cesário transgride na forma e no conteúdo, ao preferir quadras a sonetos e temas não poéticos. Mas Renoir viu ainda algumas das suas obras expostas no Museu do Louvre, ao contrário de Cesário, ostensivamente ignorado no seu tempo e sem qualquer livro à data da sua morte precoce. Os contemporâneos não lhe perdoaram o facto de a sua poesia ser tão diferente e somente quatro décadas mais tarde a genialidade dos seus poemas seria reconhecida, por Pessoa (através de Álvaro de Campos).

Pedro (Bom +)

Escolhi a pintura “Les amoureux en vert [Os apaixonados em verde]” (1916-1917), de Marc Chagall, não pelo título remeter para o apelido de Cesário, mas porque o quadro apresenta a mesma admiração pela mulher, de forma erótica e inovadora.
No quadro de Chagall, o fundo verde é utilizado para destacar o casal — onde um homem partilha o desejo de “beijar sobre o […] peito” presente em “A Débil” — que é o verdadeiro foco da pintura. Cesário, talvez por ser verde também, tem a mesma vontade de destacar e admirar a mulher na sua escrita.
Na pintura, vemos um homem de olhos fechados, relaxado, a encostar a cabeça no peito de uma mulher, o que simboliza a tranquilidade, a segurança e o bem-estar que esta lhe transmite. Encontra-se um paralelismo com Cesário, pois este considera “saudável ter o seu conchego” (“Num Bairro Moderno”).
Já a mulher, de olhos abertos, em vigília, imóvel e assustada, simboliza o sentimento de enclausuramento que uma mulher vista como um objeto pode sentir. Na sua poesia, Cesário deambula, deparando-se com mulheres que se tornam polos da sua atenção. Sensualizando-as com palavras que aparecem frequentemente, como “seios” — “dois seios como duas rolas”, em “De Tarde”; “desejava beijar sobre o teu peito”, em “A Débil” ou “seios injetados”, em “Num Bairro Moderno”— ou através de menções às peças de roupa que a mulher veste, por exemplo.
Cesário oscila entre dois tipos de mulheres distintas: a mulher mais forte, independente e dominante, que se mostra superior ao sujeito poético, como a descrita em “Cristalizações”; e a mulher mais frágil e simples, como a de “A Débil”. A mulher mais forte está associada a um ambiente mais erótico, enquanto que a mulher fraca é mais angelical.
A mulher tem também um outro papel muito importante, pois, quando o sujeito poético está no campo, o ambiente é agradável, porque é um lugar nostálgico que remete para a infância do escritor; mas, quando passa para a cidade — lugar sombrio e negativo —, a mulher tem uma função revitalizante quando avistada pelo sujeito, pois, neste ambiente citadino, o “eu” do poema tem tendência a deambular nauseado, doente e mórbido.
Nesta pintura verde de Marc Chagall e na poesia de Cesário Verde podem encontrar-se, assim, vários aspetos semelhantes, como uma possível associação cromática a emoções, mas aquele que no meu ponto de vista se destaca, é a grande admiração pela mulher que partilham.

Leonor (Bom -/Suficiente +)

O quadro “A Leiteira” é uma pintura em óleo sobre tela que representa uma "leiteira". A obra foi feita pelo artista Johannes Vermeer e está atualmente no Rijksmuseum, em Amesterdão, que a qualifica como "inquestionavelmente uma das maiores atrações do museu". O ano exato em que a pintura foi acabada é desconhecido, mas estima-se que tenha sido por volta de 1658.
Johannes Vermeer nasceu em 1632, dois séculos antes de Cesário Verde, que nasceu apenas em 1855. Embora a diferença temporal seja bastante acentuada, o pintor e o poeta tiveram vidas bastante idênticas.
Johannes era pintor, vivia com magros rendimentos como comerciante de arte, não sendo o que vendia obras suas. Morreu, muito pobre, em 1675. Depois da sua morte, Vermeer foi esquecido e as suas obras artísticas só foram reconhecidas em 1866 pelo historiador de arte Théophile Thoré.
Cesário, como Vermeer, nunca tendo tido qualquer reconhecimento em vida, dividia-se entre a produção de poesia e as atividades comerciais herdadas do pai. Um ano apos a sua morte, em 1886, Silva Pinto organiza O Livro de Cesário Verde, compilação das suas poesias publicada em 1901. Hoje em dia, estes dois nomes são conhecidos mundialmente pelo seu talento, por suas obras e pelo avanço mental que ambos tinham em relação às suas épocas. Ambos costumavam retratar instantes ou momentos do quotidiano que eram bastante realistas, devido às suas capacidades extraordinárias de observação e representação.
O quadro mostra um instante do quotidiano de trabalho de uma empregada de cozinha. A Leiteira está serena e empenhada na sua tarefa, segura delicadamente uma jarra com leite. O interior, quase nu, apresenta alguns objetos simples e pequenos. A cena é cuidadosamente iluminada, sendo a luz proveniente de uma janela. A relação entre luz e sombra também revela a grande perícia de Vermeer, uma vez que a luz que cai sobre a leiteira destaca os seus antebraços pálidos, dirigindo o olhar do leitor para o leite que escorre. As cores dos trajes da mulher são fortes e dão caráter à personagem e contrastam também com as cores pálidas e desbotadas dos objetos em seu redor e do local onde se encontra, roubando os olhares para o centro do quadro onde se passa a ação.
“Num Bairro Moderno” é-nos descrito em verso pelo poeta. A primeira vez que vê uma vendedeira, o sujeito poético olha-a, apesar do sol, o que transmite a sensação de claridade e bastante luz, características que, no quadro, não estão muito presentes. Após uma descrição bastante pormenorizada da rapariga, avalia-a como feia, desprezada, mas, apesar disso o poeta mostra ter simpatizado com ela graças à força e imponência que se destacam na sua postura. O poeta é também atraído pelos elementos ao redor da rapariga, pelas suas cores e formas, o que não acontece em “A leiteira” devido à simplicidade dos objetos no cenário e á falta de cor. Ambas as obras mostram uma mulher trabalhadora e com qualidades que na época não seriam admiradas. Em ambos os trabalhos são mulheres trabalhadoras a inspiração, o que é talvez o dado mais inovador e aproximador dos dois artistas.

Tita (Muito Bom -)
Os artistas que abordo seguidamente, embora sejam artistas de diferentes áreas da arte (escrita e pintura), partilham algumas caraterísticas de estilo de expressão. Nasceram, para além disso, no mesmo século e eram ambos provenientes da Península Ibérica – Pablo Picasso, o pintor, era espanhol, enquanto que Cesário Verde foi um poeta português. São, de certa forma, semelhantes após uma avaliação talvez mais pormenorizada.
A obra em questão, “Femme nue II” (ou “Nu de Dos”) retrata uma figura feminina, nua, que emana fragilidade, transmitindo uma enorme emoção com tons predominantemente azuis. A escolha de cor deve-se a a realização da tela ter acontecido durante o famoso “período azul” do artista, época durante a qual todos os seus quadros são caracterizados como melancólicos, tristes. Depressivos, até. Estes termos são comuns aos do vocabulário utilizado para descrever alguns aspetos de escrita de Cesário, em que as idiossincrasias citadinas tinham um impacto negativo, estando o sujeito poético constantemente a padecer de doença e de insatisfação quanto à paisagem.
O escritor português mostra, principalmente nos seus poemas referentes à cidade, uma certa soturnidade, um profundo estado de infelicidade, deambulando pela cidade doentia que o rodeia sem rumo definido. Dá uma atenção especial aos elementos marginalizados pela sociedade, a pormenores das ruas e das pessoas que, de outro modo, seriam considerados irrelevantes, a particularidades como “um parafuso [que] cai nas lajes, às escuras”, verso retirado de “O Sentimento dum Ocidental”. Todo este estilo aponta para algo imaginado como azulado, escuro, murcho.
Outro traço genérico dos dois artistas será a representação da mulher como alta, magra, encantadora mas fria e longínqua, “bela, frágil, assustada” – ilustrada com uma grande variedade de adjetivos, nas obras cesarianas, e com pinceladas firmes, no caso de Picasso, em ambas as situações mostrando-se a vulnerabilidade e os traços elegantemente femininos. Acima de tudo, destaca-se a representação da fertilidade, sendo os elementos mais simples abordados de forma íntima. Em grande parte da poesia de Cesário Verde, a mulher inspira-o, vibra com algo que lhe dá uma outra força, que o afasta da doença e dos maus hábitos. O sujeito poético, sentado a beber álcool em “A Débil”, regressa daquela melancolia que o consome, explicitando-o através do verso “mandei ir a garrafa, porque sinto que me tornas prestante, bom, saudável”.
Enfim, tanto Pablo Picasso como Cesário Verde retratam, cada um à sua maneira específica mas de certo modo parecida, o quotidiano, prendendo-se nos pormenores, afundando-se em emoções e mostrando-as através de arte.

Nicole (Suficiente -/Suficiente (-))
Este quadro é de Vincent Van Gogh — «Campo de trigo com ciprestes» (1889) —, que nasceu em 1853, dois anos antes de Cesário Verde (1855-1886), morrendo em 1890. O pintor nasceu em Zundert, nos Países Baixos. Era caracterizado como alguém sério, quieto e pensativo. É conhecido pelas suas visões únicas, formando uma estética muito própria e extremamente reconhecível. No processo da criação dos seus quadros, passa por diversas crises existenciais.
Na pintura em causa, Van Gogh cria um cenário artístico muito semelhante ao universo do poema de Cesário Verde «De tarde».
A obra de Van Gogh transpira calma. O ar puro da natureza, a brisa, as cores rosadas, o pastel, o calmo azul… E a beleza pois que não há nada mais belo que a natureza. Ao olhar para este quadro, sente-se os cheiros, respira-se fundo. Das flores nascem as cores, um lugar maravilhoso que se transforma num cenário muito semelhante ao de «De tarde» e daquele piquenique, de Cesário Verde, conseguindo captar quase os mesmos sentimentos. Lendo os versos “Houve uma coisa simplesmente bela, / E que, sem ter história nem grandezas, / Em todo o caso dava uma aguarela”, podemos dizer que, para Cesário Verde, algo que seja belo, simples e memorável, não tem de ser grandioso, para que possa ficar na nossa mente como uma bela recordação. Conseguimos encontrar o mesmo na pintura de Van Gogh, em que temos apenas uma simples paisagem, composta por simples lembranças vividas naquele momento, fazendo com que o momento seja memorável e maravilhoso. Por outro lado, Cesário compara os movimentos da sua amada, os gestos, à própria natureza.
A partir do poema «De tarde», podemos dizer que, para este sujeito poético identificável com Cesário Verde, o campo seria um sítio de refúgio, da vida da cidade que era triste, doentia e melancólica. Verifica-se o gosto pela natureza e, acima de tudo, pela simplicidade, e também o gosto por uma mulher simples, que tenha o mesmo interesse pela natureza e pelo campo que ele tem. A doçura da sua amada é o doce do melão, das cores calmas da natureza, do som dos pássaros. O encanto dos seios, os seus gestos e movimentos são simplesmente belos como a natureza, comparados com uma aguarela no primeiro verso. Podemos até dizer que, se entrássemos dentro do quadro de Van Gogh, Cesário podia já lá ter estado, naquela tarde, num piquenique. Analisando ainda ambas as obras, no âmbito mais cromático: Cesário utiliza as mesmas cores na sua poesia. O rubro de papoilas, o calmo azul, o púrpuro da renda da sua amada, a mesma palete de cores utilizada na obra de Van Gogh.

Francisco (Bom +)

Vi o quadro «Angelus», do francês Jean-François Millet (1814-1875), que me fez lembrar a poesia de Cesário Verde. Esta obra foi pintada entre 1857 e 1859, muito poucos anos depois do nascimento de Cesário, em 1855.
Em primeiro lugar, reparei que o cenário da pintura é uma quinta. Também Cesário Verde passou muito tempo na quinta do pai, em Linda-a-Pastora. Notei também que, ao fundo, se podem ver vários edifícios altos, que farão certamente parte de uma cidade. É algo que acaba por não fazer muito sentido, tendo em conta que as quintas normalmente se localizam longe das cidades, mas acaba por ser bastante importante na comparação com a vida de Cesário, uma vez que retrata duas fases importantíssimas da vida do escritor português: uma primeira fase, na quinta do pai, e a posterior ida para a cidade de Lisboa.
Olhando para as pessoas que se nos apresentam na tela, apercebo-me de que estão ambas tristes, angustiadas. A mulher recorda-me «A Débil», de Cesário Verde. Neste poema, Cesário retrata uma mulher que vê quando está sentado num café. Fala-nos de uma mulher «bela, frágil, assustada», tal como aquela que nos é apresentada no quadro de Jean-François. O homem que se encontra ao lado da mulher parece partilhar a angústia da companheira, acabando por ser como o sujeito poético do poema de Cesário, que quis dedicar a sua vida à mulher que vira.
Pensando na tristeza das personagens da pintura, a primeira ideia que me vem à cabeça é o péssimo estado dos campos. Deduzo, pois, que as colheitas morreram, provavelmente por causa de algum animal ou algo que aconteceu ao solo. A morte das colheitas lembra-me dois tipos de morte na vida de Cesário: uma morte física e uma morte mais emocional. A morte física corresponde à doença de que Cesário sofria, a tuberculose, que é mencionada inúmeras vezes na sua obra, nomeadamente no poema «Num Bairro Moderno» («Aonde agora quase sempre chego / Com as tonturas de uma apoplexia»). O outro tipo de morte adquire um sentido conotativo. De facto, ao ler a obra de Cesário Verde, apercebo-me de que este parece estar morto por dentro, ao deambular pelas ruas da cidade enquanto a observa sem emoção, em «O Sentimento dum Ocidental». O sujeito poético é incapaz de aproveitar a beleza da cidade, e «[a] noite pesa, esmaga». Encontra-se num estado depressivo, melancólico, quase semelhante ao estado das personagens do quadro, que também acabam por estar deslocadas, tendo em conta que perderam todo o seu sustento.
A cesta que se encontra aos pés da mulher, que seria certamente usada para levar os legumes colhidos na quinta, sugere também o «corpo orgânico» construído «Num Bairro Moderno» com recurso a várias frutas e legumes.

Carolina (Suficiente (-))
Fazendo uma comparação entre o quadro «Colourful life [Vida Colorida]» –, de Wassily Kandinsky, e o poema “O Sentimento dum Ocidental”, de Cesário Verde, direi que ambos apresentam uma cidade viva no meio da escuridão.
Wassily Kandinsky nasceu a 16 de dezembro de 1866 em Moscovo, na Rússia. Apesar do seu curso de Direito, Wassily tornou-se um artista plástico e pintor, chegando, porém, a compor alguns poemas. Foi também reconhecido como primeiro pintor ocidental a produzir uma tela abstrata. Morreu a 13 de dezembro 1944, em França, com setenta e sete anos.
Já Cesário Verde, nascido em 1855 em Lisboa foi o precursor da poesia moderna em Portugal. Nem chegou a ter reconhecimento em vida, tendo a sua única obra sido publicada após a sua morte, pelo seu amigo Silva Pinto.
A análise de “O sentimento dum Ocidental” realça as manifestações da consciência do poeta português presentes em alguns dos seus poemas. Trata-se de uma descrição/narrativa nas ruas de Lisboa, ao anoitecer, onde à primeira vista nos deparamos com um cenário humano preocupante e desolador (“Há tal soturnidade, há tal melancolia”/”E o fim da tarde inspira-me; e incomoda”), que aflige e que, passo a passo vai revelando a consciência do poeta. Também é visível no quadro “Colorful life” que, existem traços cujas cores escuras tornam a tela depreciativa: cada pessoa naquela pintura representa os sentimentos de quem o pintou e de quem o observa.
    No entanto, o que o poeta retrata não é linear pois, com a evolução do poema, é percetível a mudança de um ambiente em que «Despertam-me um desejo absurdo de sofrer» (v. 4) para a demonstração de diversas comparações entre o mundo que é o real e aquele que, para o «eu», era o mundo (“Semelham-se a gaiolas, com viveiros, / As edificações somente emadeiradas: / Como morcegos, ao cair das badaladas, / Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.”). Estas comparações e perceções presentes na obra de Cesário são uma demonstração da variedade de culturas e estatutos sociais. Já na tela de Wassily é visível uma cidade escondida na escuridão; por detrás de uma tela aparentemente escura, existe vida e existe cor, existem personagens, existe uma história.
É assim que eles se complementam, um poema talvez sem sentido e uma pintura sem ordem são a arte da representação de uma história que conta um pouco da vida de um poeta e de um pintor.

Carlota (Suficiente -)
Fazendo uma comparação entre a pintura “Field of Poppies” (Campo de Papoulas), de Alexi Zaitsev, e o poema “De tarde”, de Cesário Verde, posso dizer que ambos revelam uma grande admiração pela natureza.
Alexi Zaitsev, nascido em 1959, na Rússia, trabalhou como ilustrador de livros e revistas e só em 1990 é que passou a ser considerado um grande artista. Geralmente os seus quadros andam à volta de três grandes temas: crianças, natureza e o mar; no entanto, o seu tópico preferido é a natureza. É fácil identificar as suas obras pela técnica de espatulado somado, pela temática que se repete bastante e até mesmo na tendência das cores.
Já Cesário Verde, nascido em 1855, em Lisboa, dividia o seu trabalho entre a produção de poesias e atividades de comerciante, herdadas do seu pai. No seu estilo delicado, Cesário empregou técnicas impressionistas, com extrema sensibilidade ao retratar a cidade e o campo, que são os seus cenários preferidos.
 É interessante como as obras de Alexi, apesar de não serem realistas por conta do efeito espatulado, nos transportam para as cenas de tal maneira, que nos sentimos um pouco dentro daquela realidade. O mesmo acontece com todas as obras de Cesário Verde, independentemente do assunto de que tratem.
A principal característica encontrada no quadro “Field of Poppies” ou em qualquer outra pintura de Alexi Zaitsev é tranquilidade que o quadro espelha, mesmo quando as telas trazem cores vivas. No quadro consegue-se observar a vitalidade e a harmonia das jovens nele representadas, tal como no poema “De Tarde”. Cesário aprecia o gosto simples de uma mulher que não se dá a luxos e que, como tal, aprecia a natureza e o campo.
Nesta pintura é captada a realidade através da luz, da cor e do movimento que estimulam e despertam sensações tal como nos poemas de Cesário Verde, que estimulam o sujeito poético e despertam as suas reflexões e emoções.
Analisando agora o poema, quando o “eu” diz “Foste colher, sem imposturas tolas, / A um granzoal azul de grão-de-bico / Um ramalhete rubro de papoulas” recorda a liberdade que se tem quando se está no campo, o que é visível também no quadro.
Uma das maiores características que são facilmente observadas nos poemas são os estados de alma em que o poeta estava quando escreveu as suas obras, por exemplo, no poema “De Tarde”, quando o poeta diz “Houve uma coisa simplesmente bela, / E que, sem ter histórias nem grandezas / Em todo o caso dava uma aguarela”, aparenta estar alegre e motivado, no entanto, quando analisamos o poema “O Sentimento dum Ocidental”, o poeta parece estar em sofrimento, triste e deprimido, como quando escreve “Há tal soturnidade, há tal melancolia,” ou “Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.”.

Duda (Bom -/Suficiente +)
Tal como outros artistas, Cesário Verde não pôde evitar o encanto da figura feminina, sendo a mesma retratada em muitas de suas obras, como o poema “A Débil”, em que o poeta deixa transparecer sua admiração romântica pela mulher que descreve. O mesmo acontece com o renomado pintor inglês John William Watherhouse (1849-1917), nascido na Itália, seis anos antes de Cesário Verde (1855-1886), de pais ingleses e também pintores. John é reconhecido por suas obras ao estilo pré-rafaelita, tendo como tema preferencial a figura feminina, como podemos observar em um de seus trabalhos, “The Soul of the Rose”.
Nesta obra podemos destacar a delicadeza da dinâmica das cores e dos traços pintados, dando forma a uma figura de moça delicada, gentil e bela. Da mesma forma são retratadas as mulheres nas obras de Cesário, delicadas, belas e frágeis, como vemos logo no começo do poema, “A ti, que és bela, frágil, assustada” (v. 3). Essa imagem da figura feminina pintada e escrita pelos artistas, explicita ideais patriarcais da época, sendo as mulheres padronizadas como delicadas, frágeis, recatadas, e de uma beleza estonteante — ”Quero estimar-te sempre recatada/Numa existência honesta, de cristal” (vv.3 e 4) — , condenando-as a serem vistas não por suas perspectivas, mas pelas perspectivas doshomens. Todavia, devemos reconhecer a ingenuidade dos artistas quanto a este ideal, sendo este comum à época. Homens e mulheres partilhavam esse ponto de vista, aliás, embora até se deva dizer que Cesário Verde tratou, em outros poemas, de mulheres com perfis exatamente antagônicos — e que as admirou também.
Mesmo não sendo o estilo de Cesário, em “A Débil” o poeta surge genuinamente no estilo do Romantismo, como vemos em diversos versos de seu poema, em que descreve a moça desejada como — bela e frágil,destacando suas formas e comportamentos — “Esse vestido simples, sem enfeites, / Nessa cintura tenra, imaculada”(vv.19 e 20); “Com elegância e sem ostentação, / Atravessavas branca, esbelta e fina” — , tendo-a como uma jóia exposta a ruídos brutos do meio urbano em que se encontravam (“E eu que urdia estes fáceis esbocetos, / Julguei ver, com a vista de poeta,/Uma pombinha tímida e quieta / Num bando ameaçador de corvos pretos”). Com tais aspetos podemos concluir, com o poeta, que tal romance tão desejado é inalcançável, a moça em si é inalcançável, sendo o eu lírico insuficiente para tal formosura. O mesmo sentimento podemos encontrar se observarmos atentamente a obra de Watherhouse, sendo a moça retratada dona de tal beleza, de tal delicadeza, de tal perfeição, que se torna distante de uma realidade, apenas uma joia admirável, restando aos homens submeterem-se àquela deusa.

Miguel (Suficiente +/Bom -)
Aproveito este quadro de Eugène Galiene-Laloue — «Paris Porte Saint-Denis 5» (1941) — nascido em 1854, apenas um ano antes de Cesário Verde (1855-1886), que no entanto, teve a sorte de não morrer tão cedo como Cesário. Porém Cesário Verde ganhou imenso reconhecimento pela sua obra depois da sua morte, este pintor nunca recebeu esse nível de aclamo, mesmo depois de morto, ainda que as suas obras sejam valorizadas não só como arte mas também como documentos históricos, por representarem uma Paris feliz e movimentada no início do século 20.
Quando Cesário escreve poemas como “De Tarde”, consegue capturar momentos que, tal como tudo o que está no passado, não conseguirão ser revisitados. Consegue capturar em escrita detalhes que seriam de outra forma esquecidos (“Pouco depois, em cima duns penhascos, / Nós acampámos, inda o Sol se via; / E houve talhadas de melão, damascos, / E pão de ló molhado em malvasia.”). Este quadro consegue alcançar o mesmo de um modo visual: consegue explicitar como estava esta específica rua neste dia específico a esta específica hora.
Este quadro contrasta com a obra de Cesário Verde porque representa uma rua movimentada com imensas pessoas, enquanto, nos poemas de Cesário, o cenário é habitualmente uma Lisboa com poucas pessoas que deixa o sujeito poético sozinho com os seus pensamentos (“Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia, / Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um desejo absurdo de sofrer”) ou a observar a arquitetura (“E os edifícios, com as chaminés, e a turba / Toldam-se duma cor monótona e londrina”).
No seu poema “O Sentimento dum Ocidental”, Cesário Verde representa pessoas a efetuar trabalhos fisicamente severos, (“Como morcegos, ao cair das badaladas, / Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.”;”Voltam os calafates, aos magotes, / De jaquetão, ao ombro, enfarruscados, secos;”), enquanto Galiene-Laloue, neste quadro, representa um tipo de trabalho menos exigente para o físico, na forma de lojas que aparentam vender produtos mais dirigidos à alta sociedade. Este pequeno contraste mostra a diferença entre a matéria sobre qual Cesário e Eugène faziam as suas obras, Lisboa e Paris: Eugène pintou uma Paris luxuosa enquanto Cesário escreveu sobre uma Lisboa multissocial.
Nem todos os pequenos detalhes do quadro são percetíveis, o estilo impressionista do quadro cria um efeito de visão alterada e de quase náusea, o que é muito reminiscente de Cesário Verde, cujos sujeitos poéticos sentem efeitos de doenças: em “O Sentimento dum Ocidental”, o eu diz “Eu sonho a Cólera, imagino a Febre,”; e há muitas outras menções a doença, em “Num Bairro Moderno”, onde o sujeito poético diz chegar habitualmente ao trabalho “com as tonturas d’uma apoplexia”.

Inês C. (Bom (+)/Bom)
Opto por «Boulevard Montmartre, Effet de nuit» (1897), uma tela do impressionista francês Camille Pissarro que, por não estar assinada, nunca fora exposta enquanto o pintor vivera. Nascido em 1830 – pouco mais de duas décadas antes de Cesário Verde (1855) –, Pissarro é considerado co-fundador do impressionismo, enquanto que Cesário foi um dos inspiradores da poesia moderna em Portugal.
Neste quadro, interessa-me destacar aquilo que parece ser o tema predileto do pintor francês e que é também uma temática abordada nos poemas de Cesário. Trata--se da representação e caracterização do ambiente citadino. Uma vez que Pissarro é o autor de uma série de catorze representações da avenida parisiense sob diferentes condições climatéricas e de iluminação, em cada um dos seus óleos concebe uma cidade que suscita em nós diferentes sentimentos, mesmo sendo todas elas representadas do mesmo ponto de vista. Por outro lado, nos poemas de Cesário, a cidade é caracterizada sob uma perspetiva caleidoscópica, na qual se cruzam espaços e psicologias ambíguos, refletidos multiplamente.
Camille Pissarro retrata a noite numa avenida repleta de agitação e movimento na qual teria chovido havia pouco tempo. O ambiente citadino abordado pelo pintor contrasta em parte com o descrito pelo poeta. Cesário considera a cidade um local agitado e movimentado («A espaços, iluminam-se os andares, / E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos,», vv. 9-10, II - «O Sentimento dum Ocidental»), tal como Pissarro, que representara uma multidão a fluir sob as árvores e os toldos das lojas. No entanto, o poeta português destaca também a opressão, a melancolia, a morbidez e o aprisionamento transmitido por este ambiente. O poeta marca bem as zonas de bem-estar («casa apalaçada», v.2 de «Num Bairro Moderno») e de pobreza (bairros degradados, «boqueirões» e «becos», em «O Sentimento dum Ocidental»).
Em «O Sentimento dum Ocidental», o sujeito poético sai de casa ao anoitecer e depara-se com uma cidade degradada e doente em termos morais, o que desperta sentimentos de tristeza e melancolia no «eu» do poema. A cidade suscita-lhe também «um desejo absurdo de sofrer» (v. 4), de escapar daquele cenário aflitivo («Batem os carros de aluguer, ao fundo, / Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!», vv. 9-10) e uma vontade de deambular sozinho enquanto se embrenhava «a cismar, por boqueirões, por becos» (v. 19). O ambiente citadino doentio e deprimente que Cesário descreve neste poema opõe-se ao concebido por Camille Pissarro. A tela retrata uma rua iluminada repleta de movimento e vida, o que difere da perceção que o sujeito poético tem da mesma − uma cidade monótona e insalubre no que toca aos valores e costumes («E os edifícios, com as chaminés, e a turba / Toldam-se duma cor monótona e londrina», vv. 7-8).
Nos seus poemas, Cesário procura captar as impressões causadas pela realidade e transmitir perceções sensoriais, estando a sua atenção voltada para o quotidiano. Quanto a Pissarro, ilustra o quotidiano observado através de pinceladas soltas, dando grande atenção às variações de cor e luz.

Bernardo (Bom (-)/Bom -)
Aproveito este conhecido quadro de Vincent Van Gogh – «Terraço do Café à Noite» (1988) –, que nasceu em 1853, dois anos antes de Cesário Verde (1855-1886), e morrera quatro anos depois dele. Assim como Cesário, Van Gogh também não teve muito sucesso durante a sua vida.
Van Gogh assemelha-se ao sujeito poético dos poemas de Cesário. O sujeito poético revela em todos os poemas alguma doença, na maioria das vezes, de domínio psicológico, e Van Gogh teve depressão e sofreu de episódios psicóticos e alucinações, que mais tarde o levariam ao suicídio.
Cesário, nos seus poemas, faz sempre uma descrição detalhada dos locais por onde passa e de tudo o que se vai passando à sua volta. Em «O Sentimento dum Ocidental» há bastantes referências a espaços lisboetas que é fácil de identificar. No quadro é possível ver uma rua, possivelmente citadina, que revela grande pormenor na sua pintura a óleo, sendo possível identificarmos diferentes elementos no quadro.
O pavimento da rua dá-nos a ideia de que este é feito com calçada. Isto remete-nos para «Cristalizações», onde, em deambulação pela cidade, o eu repara em calceteiros que vão pavimentando a rua: «De cócoras, em linha os calceteiros, / Com lentidão, terrosos e grosseiros, / Calçam de lado a lado a longa rua.» (vv. 3-5).
É de noite e reparamos em algumas pessoas que vão, também elas, deambulando pela rua à semelhança, do sujeito poético dos poemas. Na terceira parte de «O Sentimento dum Ocidental», a deambulação do sujeito poético já acontece de noite, «a noite pesa» e as ruas são, agora iluminadas por candeeiros. À direita, com as luzes acesas, identificamos algo que, a mim, me lembra uma loja, que é também referida durante a deambulação do sujeito poético («Cercam-me as lojas, tépidas», v. 3)
Em maior destaque na figura, identificamos um café com algumas pessoas sentadas nas cadeiras dispostas no exterior. No poema «A Débil», o sujeito poético está «Sentado à mesa dum café devasso» (v.5), onde admira uma rapariga que, além de admirada pela sua beleza, juventude e naturalidade, é ainda vista como frágil. Ao longo do poema, o poeta alterara a sua atitude para com aquela mulher e, no final, o sujeito lírico decide dedicar a sua «pobre vida» e  mudar por ela. Ainda no «Sentimento dum Ocidental» é referido o café, mais precisamente uma taberna, onde, ao entardecer, o sujeito entra e repara em mesas onde emigrados jogam dominó: «Entro na brasserie; às mesas de emigrados, / Ao riso e à crua luz joga-se o dominó» (II, vv. 43-44).
Esta pintura de Van Gogh, como foi possível ver, partilha algumas características com a “poesia deambulante” de Cesário Verde, sendo possível estabelecer algumas relações como as que foram feitas anteriormente, entre o quadro do pintor holandês e poemas do comerciante e poeta português

Margarida (Bom)

Vejo neste quadro de Pablo Picasso o próprio sujeito poético de “A Débil”, obra de Cesário Verde, no entanto na sua versão feminina (embora pouco elegante, até “viril” – expressão utilizada no poema). Tem uma expressão que se distancia da otimista, mostra talvez até uma certa tristeza, “miserável, eu, que bebia cálices de absinto”. O que é delineado por palavras neste poema cesariano é também ilustrado pelas pinceladas do pintor espanhol, mostrando uma mulher sentada à mesa do que se deduz ser um café (no poema, a hipálage “café devasso”), uma garrafa e um copo de absinto à sua frente – deduzimos que é esta a bebida alcoólica contida no copo pelo título da pintura, “Buveur d'Absinthe [Bebedor de Absinto]”. Não é coincidência ser esta a bebida eleita tanto pelo sujeito poético dos poemas de Cesário Verde, como pelo pintor espanhol, já que no século dezanove, o poeta português viveu entre 1855 e 1886 e vinte 1901 é o ano da obra acima ilustrada era bastante consumida, particularmente pela população mais pobre, por ser acessível, causando a sua dependência.
A mulher alcoólica encontra-se sozinha, num estado de profundo desamparo, isolada a um canto, num local associado ao convívio e à partilha entre pessoas. Mais uma vez, o artista procura acentuar a solidão e a doença, traços característicos da poesia de Cesário Verde particularmente em «O Sentimento dum Ocidental» e «Num Bairro Moderno» onde o sujeito poético realça, sobre a forma de polaroids, a monotonia e a morbidez próprias das zonas urbanas. De rosto apoiado na mão, o outro braço envolvendo o corpo, aparenta estar pensativa e querer proteger-se do mundo que a rodeia (particularmente na forma como abraça o próprio corpo encolhido), tal como o sujeito poético em muitos dos poemas de Cesário se sente esmagado pela cidade, sendo dado a devaneios durante as suas deambulações por ela.
Olhos sombrios, pele pálida e morfologia ossuda são os traços da protagonista do quadro que apontam para esta estar doente e pouco satisfeita com a vida, não vendo muito para além da sua aparente dependência do álcool, que se supõe ser o seu refúgio do que a assombra do mundo exterior. Este mau hábito é adquirido de forma comum pelo sujeito poético das obras de Cesário, para além do tabaco (“Já fumei três maços de cigarros consecutivamente”, verso retirado de “Contrariedades”).
A cor que se destaca na obra de Picasso é o azul escuro, que prende o observador a associá-lo ao tom, à emoção que é retratada, a melancolia, a depressão, o «desejo absurdo de sofrer». É um sentimento que engloba tanto a personagem da pintura como a da poesia de Cesário. Aliás, foi por esta mesma cor que ficou conhecido o período mais mórbido e melancólico de Picasso, influenciado pelo suicídio de um amigo, num capítulo mais triste e sombrio da cidade de Paris no que diz respeito à sua arte.

Pardal (Suficiente)
Ao analisar esta pintura, “Terraço de um café à noite” (1888), de Vincent Van Gogh, vejo uma rua colorida, com vida; de certa forma, consigo ouvir as conversas sobrepostas de todos as pessoas lá sentadas a sair deste óleo. À volta do café existe apenas escuridão, o brilho longínquo do céu estrelado e as luzes de algumas casas. A vida da cidade parece estar concentrada apenas naquela esplanada, o que depois acaba por contrastar com a escrita de Cesário, que estabeleceu em Portugal a observação objetiva como uma atitude poética.
O sujeito de poemas de Cesário Verde propõe-se captar as impressões que a realidade lhe provoca, na sequência de uma perceção minuciosa através dos sentidos, com destaque para a visão, visto que faz muitas referências a cor, luz e movimento, como demonstrado em “Cristalizações ”—“lavo, refresco, limpo os meus sentidos / e tangem-me excitados, sacudidos, / o tato, a vista, o ouvido, o gosto e o olfato!”— e também privilegia o imediato, captando imagens e sons em deambulações quotidianas, evidenciadas em “Num bairro moderno”, “Cristalizações” e “O Sentimento dum ocidental” mas, mais especificamente, em “ O Sentimento dum ocidental”—“Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia”. Apesar de no quadro se apresentar tudo com clareza, luminosidade e harmonia, Cesário via a cidade como sendo um espaço confinado, demonstrando falta de vitalidade e muita agitação. Em “Cristalizações”, a passagem “ A espaços, iluminam-se os andares, / E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos / Alastram em lençol os seus reflexos brancos; / E a Lua lembra o circo e os jogos malabares” tem, sem dúvida, muito mais que ver com o quadro visto, pois que, para além de falar em tascas e cafés, faz-nos pensar num ambiente menos melancólico e confinante.
O pintor holandês tinha fascínio por noites provençais, cheias de estrelas, quase como Verde pelas suas deambulações observativas quotidianas. No quadro vemos várias pessoas sentadas na esplanada em frente ao café e transeuntes parados a conversar no meio da rua; Cesário podia muito bem ser uma daquelas pessoas no exterior do café se este quadro fosse a representação de uma rua de Lisboa, que era onde vivia. Se, de facto, o imaginarmos lá, rapidamente nos apercebemos da quantidade de detalhes em que iria reparar, começando pela calçada que, devido à reflexão da luz vinda da lâmpada de gás pendurada no café, apresenta um tom amarelo, o mesmo acontecendo com toda a esplanada. Esta é uma das características mais populares e distintivas da escrita de Cesário Verde.
Tanto Verde como Van Gogh tiveram vidas complicadas repletas de melancolia, mas isso não os impediu de se tornarem nos grandes artistas que foram, apesar de terem sido ambos mais reconhecidos após o seu falecimento.

Afonso (Suficiente)
Este quadro, “Colheita-Ceifeiras”, de 1893, de Silva Porto, está exposto no museu nacional de Soares dos Reis, no Porto. Representa duas trabalhadoras a ceifar no campo no seculo XIX. Também Cesário Verde, na mesma época, gostava de retratar, pormenorizadamente o campo, tal como tudo o resto que escrevia.
Cesário Verde, morreu na miséria, tal como muitos outros seus contemporâneos, sendo todo o seu trabalho e contributo para a literatura portuguesa apenas reconhecido anos mais tarde através da publicação da obra postumamente por um amigo próximo. A miséria e a falta de condições de vida e de higiene da época, são retratadas relativamente bem neste quadro quando as comparamos com os dias de hoje. Essas condições causaram a morte do autor e dos irmãos com tuberculose (doença bastante comum à época).
O quadro não só é bastante pormenorizado, tal como a escrita de Cesário, como também representa duas mulheres, figuras essas também vítimas da observação do poeta que as descrevia ostensivamente, embora sem nunca ser desrespeitador, normalmente numa perspetiva romântica e de elogio peculiar. Quando era novo, o autor vivia no campo, daí uma certa relação entre o autor e o quadro escolhido para além da época e das características das pessoas. O autor vagueava, pelo campo ou pela cidade, captando episódios com pessoas ou memórias de locais que descrevia com o mais pormenorizado detalhe quase como que se apaixonasse momentaneamente por cada parte do seu dia.
O escritor falava de mulheres nos textos que escrevia e, de formas por vezes distintas e pouco vulgares, relatava a sua perspetiva do curtíssimo espaço de tempo que as via passar ou em que trocava olhares com as mesmas, tal como todos os juízos e impressões que fazemos ou tiramos do quadro em cima. Imaginamos o seu sofrimento, o seu pensamento, a qualidade de vida e quase que imaginamos nitidamente o que aquelas duas senhoras trabalhadores do campo vão fazer a seguir, tal e qual como fazia Cesário: observava e criava uma história imaginária acerca de cada mulher, tendo em conta cada uma das suas características.
Sendo o pintor desde quadro e Cesário pessoas distintas, praticando artes diferentes, podemos notar que havia uma certa relação entre as atividades e mesmo entre a perspetiva das pessoas e aquilo que queriam transmitir, ainda que através de meios diferentes. 

Edu (Suficiente -/Suficiente (-))
Usarei o quadro de Edvard Munch “O grito”. Este pintor nasceu depois de Cesário Verde (1863) e morreu muito depois do escritor (1944).
Gostaria de começar pela maior parecença entre o quadro e a poesia de Cesário Verde, que é a dor, a doença. Neste quadro, a figura que tem as mãos na cabeça parece transmitir dor o que é efetivamente verdade, pois Edvard já admitiu que o quadro seria mesmo isso. Foi uma situação que já lhe aconteceu e ele refere este momento como um “sopro de melancolia”, sendo aí que começam as identidades. Cesário muitas vezes era melancólico e, para além da melancolia, falava também muito nos seus poemas em doença, outra semelhança, pois ele próprio estaria doente (tinha tuberculose), daí a sua morte aos trinta e seis anos de vida. Edvard também pinta muito sobre morte, pois desde pequeno teve-a ao pé de si (sua mãe morreu quando tinha cinco anos, a sua irmã mais velha morreu aos quinze, outra irmã tinha uma doença mental e outra irmã morreu depois de casar). Além disso, o pintor estava constantemente doente, tal como Cesário. Também podemos ver a solidão que é transmitida em «O Grito», que encontramos também em alguns poemas de Cesário.
Agora podemos ver os detalhes da poesia e da pintura em si. Um facto comum e importante entre ambos é o impressionismo porque, a pintura tem aspetos de impressionismo que Munch teria aprendido e a literatura de Cesário também apresenta impressionismo especialmente quando são descritas a cidade ou o campo.
Podemos notar também a simplicidade de ambos os artistas, tanto os poemas como a pintura são bastante simples. Aliás, no quadro conseguimos ver que a pintura em si é só uma paisagem distorcida com a pessoa (não estando a tirar crédito ao autor como é óbvio).
Para acabar, gostava de apontar uma pequena diferença. Mas, mesmo assim, existe uma diferença: Munch usa pintura de óleo na tela, o que é uma técnica tradicional, enquanto Cesário evitou o lirismo tradicional, expressando-se de uma forma mais natural e incomum, embora também recoresse a métrica e rima convencionais.

Ana (Muito Bom -)
Tanto o quadro «Des Glaneuses [As Respigadoras]» de Jean-François Millet (1814-1875) como a obra de Cesário Verde receberam bastante tardiamente o reconhecimento negado aos seus autores em vida, talvez devido a certas características que partilham. Um dos aspetos mais facilmente identificáveis em ambas as obras ao colocá-las em confronto é o realismo, a procura da captação da essência da realidade.
Na tela a óleo do pintor francês concluída em 1857 vemos três camponesas em plena atividade laboral, colhendo trigo, uma atividade rural corrente, não deixando de ser evidente a pobreza das mesmas. Em tudo, isto se aproxima da poesia de Cesário, também interessada na descrição do trabalho e da realidade quotidiana tal como ela é, sem necessidade de a embelezar, como exemplificam os seguintes versos de «Cristalizações»: “De cócoras, em linha os calceteiros, / Com lentidão, terrosos e grosseiros, / Calçam de lado a lado a longa rua.” (vv. 3-5).
Mostrando uma sensibilidade com as classes mais desfavorecidas, recorrentemente ignoradas nas pinturas da época que preferiam destacar alegres cenas burguesas, o pintor francês não hesita em representar em primeiro plano as pobres camponesas que certamente se encontrariam, de maneira geral, fora do centro das atenções. Esta sensibilidade estaria também presente no sujeito poético de «Num Bairro Moderno», que, para além de descrever em detalhe uma regateira em dificuldades, se decide a ajudá-la a carregar os seus víveres acercando-se dela “sem desprezo” (v. 66).
Não posso deixar de mencionar a forma como os dois artistas retratam a figura feminina. Embora seja representada ambivalentemente em Cesário, a sua descrição que me interessará agora é precisamente a de “Num Bairro Moderno”. Com o realismo a que já nos acostumámos, tanto a mulher descrita pelo «eu» como as camponesas de Millet veem ser-lhes atribuídas características pouco associadas à delicada e idealizada figura feminina da época, como a fealdade pelo primeiro e a robustez pelo pintor, qualidades típicas de uma mulher esforçada e trabalhadora. A regateira “rota, pequenina, azafamada.” (v. 16) e “esguedelhada, feia” (v. 24) ao curvar-se, imediatamente lembra o óleo do francês, sendo estas mulheres fonte de inspiração para ambos os artistas.
Se é verdade que “A claridade, a robustez, a ação” (v. 2) do campo em «De Verão» remetem facilmente para o cenário campestre e luminoso da pintura em causa também ele evocando ação e movimento, não é menos verdade que o meio rural inspira no sujeito poético alguns sentimentos até opostos, como os inspirados por «Des Glaneuses». Para o «eu» o campo sugere vitalidade, saúde, e até prosperidade: “Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!» (v. 18), uma “paz, salubridade” (v. 10) que as camponesas pobres e provavelmente cansadas, ainda que robustas, certamente não lhe associavam, sendo antes um espaço de trabalho e dureza. Apesar disso, o pintor francês não deixaria de concordar com o sujeito poético quando este afirma “No campo; eu acho nele a musa que me anima” (v. 1).
Até a forma como Millet descreve o seu próprio trabalho  ̶̶̶̶  "não pintar nada que não fosse o resultado de uma impressão recebida directamente da natureza, seja na paisagem seja em figuras humanas."  ̶  quase que poderia ser atribuída a Cesário, substituindo o verbo canalizador desta vontade que ambos partilhavam, «pintar», por «escrever».

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