Cesário pelo 11.º 2.ª
João S. (Bom(-))
Aproveito o quadro
“O Grito”, de Edvard Munch, pintado
em 1893, poucos anos após a morte precoce de Cesário Verde (1855-1886). O
pintor ficou sem mãe com apenas cinco anos, tendo esta morrido de tuberculose;
a sua irmã morreu da mesma doença quando tinha apenas catorze anos. O poeta
teve o mesmo destino trágico, tendo morrido, devido à tuberculose, com apenas
trinta e um anos.
Ambos, nas suas
obras, abordam temas humanos difíceis e de sofrimento (solidão, melancolia,
angústia ou medo). Sem dúvida que, de toda a obra de Cesário Verde, “O
Sentimento dum Ocidental” é o poema que mais se relaciona com “O Grito”. Ambos
representam o que foi visto pelos autores durante um passeio, de forma
irreverente e até chocante. Aquilo que mais salta à vista no quadro é a
personagem central, cadavérica, assustada ou, mesmo, traumatizada: a forma
distorcida e a sua expressão revelam a dor e as dificuldades que a vida pode
apresentar, resultando no grito, uma forma de expressão desse sentimento. É o
espelho da sociedade lisboeta, devastada pela tuberculose, e do próprio
Cesário: “eu sonho a Cólera, imagino a febre, / nesta acumulação de corpos
enfezados;” (II, vv. 25 e 26). O sofrimento da
personagem é causado pelo ambiente em que se encontra e por aquilo que está a experienciar,
e que é semelhante ao que encontramos em poemas de Cesário, mas, neste caso,
causado pelo ambiente urbano — “Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal
soturnidade, há tal melancolia, / que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
/ despertam-me um desejo absurdo de sofrer” (I, vv. 1 a 4).
Em segundo plano é
possível ver dois sujeitos, aparentemente bem vestidos, indiferentes ao que se
estava a passar, e um rio com várias embarcações. É algo que lembra Lisboa do
século dezoito, o Tejo e a sua burguesia, de que Cesário fazia parte. As suas
cores frias (tons de azul) e a sua tranquilidade contrastam com as cores
quentes e garridas do céu, contraste acentuado entre a burguesia e a plebe,
que, à época, vivia com muita miséria e sofrimento. Lembra-me o contraste entre
o sujeito poético e o seu “velho professor nas aulas de latim” (III, v. 44), que lhe pede esmola.
Por
fim, o céu vermelho e até um pouco melancólico, imagem à primeira vista irreal
e surrealista, e que corresponde a um episódio realmente vivido pelo pintor
enquanto passeava em Oslo, é facilmente relacionável com as marés de fel (IV,
v. 44) descritas por Cesário, uma metáfora que funciona como um “grito” para
demonstrar a amargura, a tristeza e a imensa dor sentida pelo poeta.
Marta
(Bom+/Muito Bom-)
Ocupo-me desta obra de Édouard
Manet — «Berthe Morisot au bouquet de violettes [Berthe
Morisot com um bouquet de violetas]» (1872) —, nascido vinte
e três anos antes de Cesário (1855-1886), mas, ainda assim, de melhor saúde do
que o lisboeta (a quem a doença impossibilitaria qualquer esperança de poder
visitar aquela pintura, cento e trinta e três nos mais tarde, já exposta no
Museu d’Orsay, se por acaso não bastasse o facto de ninguém viver tanto tempo,
tuberculoso ou não). Enquanto o poeta deambulava pelas ruas de Lisboa, o pintor
regressava a este retrato depois de servir no exército francês na guerra de
1870.
Realça-se, na estética do pintor francês, o que terá marcado
a sua influência no rumo do impressionismo, e que acontece com Cesário e a
poesia em Portugal, que não estaria preparada para a sua inovação e talento
precoces. Refiro-me à preferência de Manet pelos jogos de luz e de sombras no
que seria a representação do real de forma crua. Na tela de Manet, surge uma
mulher, pintada em contrastes cromáticos que não escapariam à forte componente
visual de Cesário, cujas revelações da cor dão lugar a associações emocionais.
Em «De tarde», o poeta sugere que o
momento se registe numa «aguarela», esta
em tons vivos que despertam da renda e do ramalhete, iluminados pelo mesmo sol
que provoca belíssimas imagens em «Um Bairro Moderno». As
referências implícitas e explícitas de Cesário à claridade, contudo, contrastam
com a escuridão da doença e aprisionamento. Se Manet envolve a bela mulher em
trajes negros, também Cesário deixa que a sua recorrente infelicidade envolva a
realidade, tornando-a cinzenta e melancólica. Os jogos de sombras despertam no «eu» de «O
Sentimento dum Ocidental» «um
desejo absurdo de sofrer», que, simultaneamente,
resultam em sensação de tontura e isolamento, «por becos», onde
agora Cesário veste os tons escuros do pintor francês.
Com os seus pincéis, Manet fugia à regra e técnicas
convencionais, contrastando os usuais tons claros com zonas escuras. À
semelhança do pintor paresiense, Cesário também se diferenciava dos restantes
com uma abordagem inovadora, escrevendo sobre a cidade: a mesma que, em «Cristalizações», se
refletia no chão molhado e, em «O Sentimento dum
Ocidental», se assemelhava a «gaiolas, com viveiros /
As edificações somente emadeiradas» (vv. 13-14). Portanto,
o lisboeta envergava duplamente a vertente revolucionária do francês: quanto à
paisagem descrita, e quanto à capacidade de jogar com os tons da mesma,
transformando-os, em «O Sentimento dum
Ocidental», em efeitos doentios capazes de «esmagar»,
arrepiantes, e, simultaneamente, em elementos dinamicamente opostos, que, pelo
seu «rubro», despertam vitalidade e
energia.
Cesário aproxima-se indubitavelmente de Manet com a débil, «tímida
e quieta», uma «pombinha branca», «bela,
frágil, assustada», a quem admira a beleza e juventude (vv. 2, 15, 19, 20, 25,
34, 37, 38), sugerindo, com a sua visão de poeta, o que, nas mãos do pintor,
teria originado um retrato semelhante àquele sobre que nos debruçámos.
Camily
(Bom)
Pablo Picasso é, ainda hoje, um dos pintores
mais conhecidos do mundo. Nasce em 1881 e estava a poucos meses de completar
seus cinco anos quando Cesário Verde, poeta português, veio a falecer, em julho
de 1886. O quadro acima intitula-se “Vieux guitariste aveugle [Velho guitarrista cego]”. É uma pintura a óleo, concebida por Picasso no ano de 1903.
No
quadro, vemos um homem que já atingiu uma certa idade e que, pelo titulo,
sabemos ser cego. O homem segura a sua guitarra de forma quase que desleixada,
ou como se a mesma fosse demasido pesada para os seus braços magros a
aguentarem. Mas o que ressalta mais aos
olhos é a expressão facial do cego. Esta, Transmite uma tristeza inexplicável e
tal melancolia que acredito que faz qualquer um ter pena. Também podemos
afirmar que o senhor da pintura apresenta a aparência de uma pessoa doente e,
como podemos notar pelas suas vestimentas, pobre. Ainda mais, podemos afirmar,
pelas cores utilizadas pelo poeta, que o velho guitarrista está a tocar numa
rua, já de noite, o que também transmite solidão.
Todos
estes sentimentos são também encontráveis nos poemas de Cesário, principalmente
em “O Sentimento de um Ocidental”. Já no começo do
poema, a forma como o sujeito descreve a noite pode também ser usada para
descrever a paisagem sombria da pintura de Picasso “Nas nossas ruas, ao
anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal melancolia,” (I, vv. 1 e 2) e ainda “Triste cidade! Eu temo que me avives / Uma
paixão defunta!” (II, vv. 33 e 34). Ainda mais à
frente, o “eu” expõe o seu sentimento, dizendo “Tão mórbido me sinto”
(II, v. 6), “E eu sonho o Cólera, imagino a Febre, / Nesta acumulação de corpos
enfezados;” (II, vv. 25 e 26); sendo esse o mesmo sentimento que o retratado da
pintura nos transmite, pois que, como já referido, parece estar quase morto,
doente. Outro aspeto interessante: de certa forma Cesário parece descrever até
mesmo as vestimentas do herói da pintura: “Um sopro que arrepia os ombros quase nus.” (III,
v. 4).
Considero
interessante como podemos conjugar a pintura e o poema: é quase como se Pablo
Picasso e Cesário Verde sentissem a mesma melancolia, solidão e cólera quando
criaram as suas magníficas obras, mas um em pintura e outro em poesia. O poema
e o quadro transmitem, ambos, sentimentos tristes. Duas obras de artistas que nasceram
em lugares diferentes, e viveram em tempos diferentes, mas que parecem ter sido
pensadas quase pela mesma pessoa.
João Pedro (Bom (+))
Utilizo este quadro de Renato Leal — “Rossio” (1997-1998) — para fazer uma comparação com
o estilo de escrita de Cesário Verde.
Apesar da grande diferença de idades, as
pinceladas deste pintor já falecido podem ser comparadas à poesia de Cesário
Verde. Nesta tela podemos reparar no ambiente sombrio que transmite um pouco a
sensação de um “conforto desconfortável”. Passo a explicar: os tons azuis da
grande fonte presente na baixa de Lisboa, mais propriamente, na praça do
Rossio, transmitem a sensação de um tempo gelado, inverno, talvez até no Natal;
no entanto, mergulhado nesta tinta marinha encontramos um candeeiro (elemento
também presente variadíssimas vezes no Livro
de Cesário Verde e Poesias Dispersas, 1.ª edição, 2018), um apenas, que nos
transmite a sensação de “jogo ardente” (“Deslumbramentos”, v. 21).
Num plano recuado desta tela podemos notar os
lisboetas que passam, cada um com a sua vida como se de um “carreiro de
formigas” (“De Verão”, X, v. 5) se tratasse. A circunstância de, nesta arte, o
observador parecer afastado de todos faz lembrar o poema “Noite Fechada”
(originalmente, “Noitada”; e, note-se, não confundível com a segunda parte de
“O Sentimento dum Ocidental”), onde o “eu” dos versos passeia acompanhado
enquanto observa o luar, as vizinhas que falam de janela a janela, uma
claríssima “polaroid”. Tal poema faz-me questionar se o poema, também de
Cesário Verde, “Petiz” pudesse remeter para a mesma noite que “Noite Fechada”,
uma vez que podemos imaginar um ambiente semelhante a ambos mas numa hora mais
avançada da noite, “[n]as nossas ruas, ao anoitecer” (“O Sentimento dum
Ocidental”). Este ambiente que podemos imaginar pode ser também retratado sob a
forma do quadro já apresentado: o sujeito poético vai acompanhado, as vizinhas
que falavam de janela a janela são substituídas por homens alterados depois de
várias bebidas. Pergunto-me se Cesário Verde não quererá enquadrar uma passagem
de tempo, desta vez, em poemas, a priori,
distintos.
Este não seria o único caso em que Cesário Verde
faz uma analogia ou assimetria entre poemas escritos pela sua mão. Por exemplo,
em “O Sentimento dum Ocidental”, o “eu”, que passeia por versos de métrica
variada, que se sente cansado, mórbido, doente, é o total oposto do “eu”
presente na última estrofe de “Provincianas”, que se sente confortável, em
família, pronto para uma noite de descanso, o que acaba por ser irónico por ter
sido a última estrofe redigida por Cesário Verde.
Depois de redigidas as suas últimas palavras
consigo imaginar Cesário Verde a caminhar por ruas sobre as quais não chegou a
escrever, consigo imaginá-lo a dirigir-se à fonte da Praça do Rossio numa noite
de inverno e a observar os lisboetas que passeiam. Consigo imaginá-lo a parar,
depois de quilómetros e quilómetros percorridos por poemas que chagaram até aos
dias de hoje.
Afonso (Bom+/Muito Bom-)
O principal motivo que me levou a escolher o quadro de Salvador Dalí, “Galatea das Esferas”,
pintado em 1952, foi a atração que o mesmo exerce sobre mim, como exemplo único
do surrealismo. Como é característico nos surrealistas, Dalí deixa o mundo real
para penetrar no irreal, o que contrasta com a poesia de Cesário Verde, que
utiliza temas concretos e autênticos.
Ambos foram inovadores. O mundo não estava preparado para a
poesia de Cesário, diferente da corrente mais romântica que era então
apreciada, e Dalí destaca-se, meio século depois, com as suas pinturas
insólitas e desconexas. Cesário transgride na forma e no conteúdo, preferindo
quadras a sonetos e escolhendo temas não poéticos mas captando o que se passa e
descrevendo-o em instantâneos impressionistas. Dalí transgride, igualmente, utilizando um estilo ousado, vanguardista e libertador. Dalí
oferece-nos a aproximação ao fantástico, no ponto onde a razão humana perde o
controlo, e Cesário Verde, a captação do real, transmitindo-nos as perceções
sensoriais resultantes do quotidiano. Em
oposição aos temas abordados pelo poeta, que carateriza a realidade da cidade
em contraste com o campo, este quadro resulta do fascínio do pintor pela
ciência e pelas teorias da desintegração do átomo.
No quadro “Galatea das Esferas”, o pintor retrata a mulher,
neste caso Gala Dalí, sua esposa e musa, através de uma explosão de esferas aparentemente
suspensas no espaço, representação significativa do período de misticismo
nuclear do pintor. Cesário Verde, que também utiliza a figura feminina como um
dos temas principais da sua poesia, retrata-a como uma figura altiva (em geral,
quando se refere à cidade) ou frágil (sobretudo, quando se refere ao campo),
caraterizando a mesma de acordo com a realidade humana, por exemplo os seus
olhos ou as mãos, como podemos verificar em “Arrojos”, quando refere “Dos seus
olhos que ferem como espadas” ou “Tomar-lhe as mãos "mignonnes" e
aquecê-las”. O retrato que Cesário traça da mulher como figura humana refere-se
tanto aos aspetos físicos como aos sentimentos: “Se a Laura dos meus loucos
desvarios| Fosse menos soberba e menos fria”. Em oposição à descrição real e
humana que Cesário faz da figura feminina, Dalí transforma o rosto de Gala num
cenário descontínuo e fragmentado que, na tela, assume uma visão surreal.
No entanto,
ambos se debruçam com grande intensidade sobre a figura feminina, ainda que de
forma distinta. Dalí tenta revelar a perfeição da sua
musa através de esferas que divagam pelo espaço, procurando evidenciar o seu
lado magnífico. Cesário descreve a mulher como distante e fria, desejando neste
poema a sua mudança (“Se”) para atingir o amor verdadeiro que permita “nunca,
nunca mais” se afastarem.
Curioso é o facto de Dalí retratar a mulher amada de forma
fantasiosa como perfeita e Cesário descrevê-la como imperfeita, desejando a sua
mudança para atingir uma “visão da fantasia” que permita chegar à perfeição. É
como se o pintor pintasse o sonho de forma fantasiosa e o poeta escrevesse a
realidade, sonhando com a fantasia.
Cabo (Bom -/Bom (-))
Aproveito este quadro
de Johann Füssli — “Le cauchemar [O Pesadelo]”
—, que nasceu em 1741, mais de um século antes de Cesário Verde (1855-1886), e
morreu a 1825, com 84 anos. O pintor aprendeu a arte de pintar com o pai, que
também era pintor, e viajou pelo mundo, evoluindo a partir de perspetivas
artísticas diferentes.
Esta pintura a óleo,
“nascida” a 1781, é o trabalho mais conhecido de Füssli e, devido a esta fama,
o artista pintou pelo menos mais três versões do quadro.
Apresenta uma senhora
a dormir enquanto um cavalo e um “íncubo” a observam. A senhora é apresentada
em cores claras, enquanto o resto aparece escuro e negro. Esta escuridão também
está presente nos trabalhos de Cesário Verde, como em “O
Sentimento dum Ocidental”. Nesta obra de Cesário Verde, o poeta vagueia pela
cidade, onde ela é escura e melancólica — “Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há
tal soturnidade, há tal melancolia, / que as sombras, o bulício, o Tejo, a
maresia / despertam-me um desejo absurdo de sofrer” (I, vv. 1 a 4). O sujeito
poético passeia sozinho, só ele e os seus pensamentos, quase como se estivesse
preso na sua cabeça. Este quadro também transmite sentimentos parecidos: a
beleza e a luz da senhora presas na escuridão da noite e do medo. A mulher no
quadro está com a sua cabeça pendurada, o que expõe o pescoço. Esta posição faz
parecer que a mulher não está a dormir, mas morta, encorajando os pesadelos,
que são representados pelas figuras demoníacas no fundo.
Este quadro também pode
representar o estado de Cesário Verde durante a sua vida. O poeta sofria de
tuberculose, da qual se tentou, em vão curar, que poderia ser representada
pelas figuras demoníacas no fundo e pela escuridão geral do quadro. A senhora
de pele clara e de roupas claras poderá corresponder à arte e ao talento de
Cesário Verde, que nunca pôde alcançar o seu máximo pelos efeitos da doença. A
luz não consegue fugir do quadro pelos efeitos da sua escuridão.
Por outro lado, a mulher no
quadro pode equivaler à felicidade de Cesário Verde. Esta felicidade já foi tão
reprimida pela escuridão e angustia, que ele já desistiu de a procurar,
sentindo-se mais seguro e refugiado na dor e no sofrimento, representado pelo
seu “desejo de sofrer”.
Ivo (Suficiente +)
Aproveito este quadro
de Claude Monet – “Impression,
soleil levant [Impressão, nascer do sol]” (1872) –, que nasceu em 1840, quinze
anos antes de Cesário Verde (1855-1886), mas morreu já em 1926. O pintor passou
por várias épocas de transição da arte, como o Impressionismo, a arte moderna e
o realismo. No entanto, o poeta, apesar de ser um dos precursores da poesia que
seria feita em Portugal no século XX, não chegou a atingi-lo.
Realce-se que esta
pintura dá início ao movimento impressionista. Pra que Monet pudesse mostrar a
sua obra, foi-lhe disponibilizado, por um grupo de artistas fora do Salão de
Paris, o atelier de um fotógrafo. A exposição seria abalada pela crítica que
troçou, até, o nome do quadro. E acontece o mesmo a Cesário Verde e à poesia
portuguesa que, naquela altura, não estava preparada e nem tinha a mesma visão
que Cesário. Monet, na sua pintura, usa a sobreposição de cores originais,
cruas, sem misturas, uma característica da técnica impressionista. No quadro,
consegue imaginar-se uma grade atrás da pintura, que indica a sobreposição de
pinceladas. Apesar de a exposição ter sido um fracasso, revelou a nova
tendência da arte, a arte moderna.
A intenção do pintor
era registar impressões, captar a luz, as sensações e efemeridade do momento. O
impressionismo capta a vida como realmente é. A vida quotidiana, o prazer, o
mar, a terra, as pessoas. O pintor tem interesse pelas formas da realidade, as
suas transformações, os seus movimentos, as luzes, as suas características,
assim como Cesário Verde em “Num Bairro Moderno”. Ao longo do poema o sujeito poético
vai andando pela cidade, escrevendo o que vê e descrevendo os movimentos e
paisagens da cidade: “Pelos jardins estancam-se as nascentes; / E fere a vista,
com brancuras quentes” (vv. 3-4), em que o escritor relaciona as sensações que
a cidade lhe transmite; “Que no xadrez marmóreo d’uma escada / Como um retalho
de horta aglomerada” (vv. 18-19), em que utiliza a comparação para descrever as
paisagens da cidade. Até que o “eu” para, observa uma mulher e pinta com as
suas palavras – “Se ela se curva, esguedelhada, feia / E pendurando os seus
bracinhos brancos” (vv. 24-25). Por fim, o eu relaciona as características
físicas com hortaliças (“Uma cabeça numa melancia, / E nuns repolhos seios
injetados”, vv. 44-45), descrevendo assim o corpo da mulher.
Monet e Cesário
partilham a mesma ideia, apesar de estarmos diante de uma pintura e de poesia.
O poema e o quadro são feitos no mesmo estilo, feitos por artistas muito à
frente da sua época.
Pedro F. (Bom (-)/Bom)
O quadro “A cabana”, de Vincent
van Gogh, pintado em 1885, lembra, em certos aspetos, a escrita de Cesário Verde,
por exemplo na importância dada à luminosidade e ao pormenor, apesar de se
afastar da visão de campo de Cesário.
Cesário Verde, ao longo da sua vida, teria passado longas temporadas no
campo, na quinta de Linda-a-Pastora, o que o levou naturalmente a sentir
saudades quando partia para Lisboa para tratar do negócio de família. Em alguns
de seus poemas, Cesário apela a essa saudade do campo para descrever como se
sente na cidade (“Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnidade, há tal
melancolia,”, ”O Sentimento dum Ocidental”, vv. 1-2). Ao mesmo tempo, van Gogh,
utilizando uma mistura entre tons quentes e tons frios colocando uma
determinada escuridão na obra, fá-la parecer um pouco nostálgica de forma
triste e solitária ao observador, o que contraria a visão do campo de Cesário,
pois este tem uma ideia também nostálgica mas positiva.
Vincent van Gogh fora uma criança de poucas palavras, sério, pensativo,
o que pode tê-lo tornado num homem dedicado ao pormenor. Podemos ver que não se
cingiu ao que estava na paisagem quando pintou “De hut” pois ele consegue ver o
que outros não veem, e exprime tanto o que vê como o que outros veem, é pura
poetização do real, enquanto que Cesário, como mestre na arte de adjetivação,
tem também um modo especial de ver o que o rodeia. Isto permite-lhe fazer uma
transfiguração do observado, sem nunca perder a ligação ao real faz uma
transfiguração do real.São portanto, os dois, homens com visões incomuns do
real.
Cesário, em certos casos, apela à beleza e à frieza da mulher como forma
de humilhação do sujeito poético(”Eu que sou feio, sólido, leal, / A ti que és
bela, frágil, assustada”,”A Débil”, vv. 1-2), e noutros, apela à bondade e à
beldade da mulher de modo a louvá-la (”O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, /
D’uma desgraça alegre que me incita,”,”Num Bairro Moderno”, vv. 92-93),
enquanto que van Gogh, como homem de poucos relacionamentos ou de paixões não
correspondidas, em “De hut” dá à mulher um papel insignificante, quase que
desnecessário, como forma de a menosprezar. Assumo então que ressente a dor que
os seus apegos causavam.
Podemos concluir, então, que, apesar da ligação direta entre o tema
geral desta obra, o campo, e o tema dos poemas de Cesário Verde, existem vários
aspetos divergentes, como a imagética feminina e o tipo de nostalgia que é expresso.
Diogo S. (Suficiente +)
Escolho o quadro «Noite
Estrelada» (1889), de Vincent
Willem Van Gogh, que se encontra no MoMA — The Museum of Modern
Art — Nova Iorque, para encontrar
pequenas relações com os poemas de Cesário Verde. Nascido na Holanda dois anos
antes de Cesário (1855-1886), foi considerado uma das figuras mais famosas e
influentes da história da arte ocidental. Tal como Cesário, que faleceu com
tuberculose aos trinta e um anos, Van Gogh também tinha problemas de saúde, sofrendo
episódios psicóticos e alucinações, tendo-se suicidado aos trinta e sete anos
(1890), quando estava num hospício
em Saint-Rémy-de-Provence.
Poderá dizer-se que esta obra
pintada a óleo é uma representação imaginária, visto a vila não se ver do
quarto onde o pintor se encontrava e, embora seja a pintura de uma noite
estrelada, foi executada durante o dia. Todo o seu ar obscuro no meio das
montanhas, com um cipreste gigante, dá-lhe um aspeto fantasmagórico. A vila
parece estar a ser atacada por uma chuva de estrelas, podendo a pintura ser
interpretada como o fim do mundo. Todo este conjunto de situações transmite-nos
tristeza e melancolia, sentimentos que nos mostram o estado de espírito do
pintor nos seus últimos anos de vida.
Apesar de este quadro ter sido
pintado já depois da morte de Cesário, conseguimos encontrar traços de
sentimentos semelhantes em vários dos seus poemas. Em “O Sentimento dum
Ocidental I – Ave-Marias“, em que o poeta diz que “Nas nossas ruas, ao anoitecer
/ Há tal soturnidade, há tal melancolia”, conseguimos perceber sentimentos de
tristeza. Também em “O Sentimento dum Ocidental II – Noite Fechada”, onde se diz
“Toca-se às grades, nas cadeias. Som que mortifica e deixa umas loucuras
mansas!” e “Triste cidade! Eu temo que me avives uma paixão defunta!”, voltamos a encontrar
relação com os sentimentos de Van Gogh. Estava num quarto com grades nas
janelas, sofrendo alucinações e episódios psicóticos, levando-o a pensamentos
mais profundos, como, por exemplo, à morte.
O estilo de escrita do poeta é bastante realista,
pois conseguimos visualizar o que nos transmite ao pormenor, fazendo com que
nos sintamos nós próprios a viver o poema. Podemos ter como exemplo “Desastre”,
quando o poeta declama “Caíra dum andaime e dera com o peito, / Pesada e
secamente, em cima duns tapumes”, que transmite imediatamente o sentimento de
dor.
Este estilo realista também caracteriza a pintura
de Van Gogh. No quadro em questão, embora seja uma ilusão, todo o ar soturno,
as cores usadas, o cipreste gigantesco e a vila muito lá ao longe, quase em 3D,
conseguimos visualizar a realidade de Van Gogh, realçando-se o sentimento de
medo e pavor que, possivelmente, vivia no seu dia a dia no hospício.
Sebastião (Suficiente +)
Utilizo este quadro de Wassily Kandinsky – "Composição
V" (1911) –, nascido em 1866, onze anos depois de Cesário Verde
(1855-1886), e que faleceu em 1944. O artista teve uma vida turbulenta,
testemunhando as duas grandes guerras e viajando em países como a Rússia, a
Alemanha e a França, onde acabou por morrer.
Em ambas as obras destes artistas podemos
ver o início de uma revolução, uma mudança de rumo do que seria a escrita e
arte do século XX. Por um lado, Cesário Verde introduziu-nos à fuga ao estilo
clássico da escrita, arriscando numa maior liberdade na elaboração de um texto,
enquanto Kandinsky criou o que seria um dos primeiros quadros abstratos do
mundo, desafiando o familiar e o habitual.
Esta inovação de Kandinsky pode ser vista
no seu quadro "Composição V", que alguns acreditam ser o primeiro
quadro abstrato. A pintura faz parte de uma coleção de dez “Composições” que
exploram a natureza da cor e do abstracionismo. Este quadro era diferente de
tudo o que tinha sido produzido até à altura. Enquanto muitos artistas estavam
presos na pintura moderna, Kandinsky e outros começaram a criar o que seria a
pintura contemporânea. Começaram a surgir o Fauvismo, o Cubismo e muitas outras
escolas. O quadro de Kandinsky foi uma novidade na época pela sua diversidade
de problemas: a ausência de volume ou dimensão, nenhuma indicação de primeiro
plano ou plano de fundo, nenhum vestígio de luz ou atmosfera que possa criar a
ilusão do espaço. Todos estes pequenos aspetos criam a obra de Kandinsky.
Cesário Verde foi também uma inovação,
desta vez na escrita portuguesa. Este escritor introduziu novas ideias como: a
expressão clara e objetiva, o recurso abundante a adjetivos, a preocupação com
a beleza e a perfeição formal. Ele manteve sempre um tema original, utilizando
as suas comparações da cidade e do campo e/ou a poetização da realidade.
Em ambos os artistas encontramos
inovações, novas ideias, como também um sentimento de morte. Por um lado, temos
Cesário com uma vida difícil, porque perdeu a irmã e o irmão com tuberculose,
doença de que ele próprio, mais tarde, veio a padecer. Este sentimento de morte
presente, que Cesário sentia, pode ser visto na sua escrita, por exemplo num
dos mais belos poemas do autor “Nós” (1884): “a Febre / E o Cólera também
andaram na cidade,”. Aqui a Febre e a Cólera são sinais de doença e de morte.
Também a obra de Kandinsky tem presente o sofrimento, e é discutida por
críticos como uma representação de morte e ressurreição, vendo pessoas como
anjos tocando trombetas.
Por fim, a pintura de Kandinsky usa
diversas cores para transmitir várias emoções, com o seu vermelho que dá o
sentimento de fúria, o seu azul que cria um sentimento de paz e segurança.
Cesário também usa este método: exemplo disto é na sua descrição da cidade como
triste e escura, por exemplo no poema “O Sentimento dum Ocidental” – “Nas
nossas ruas, ao anoitecer, / … Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.”
Transmite-nos assim um sentimento de solidão e de sofrimento.
De diferentes maneiras e formas de
expressão estes artistas nos presenteiam com obras de arte. Estas têm uma
presença quase constante de emoções sofridas com muitas semelhanças.
Francisco
B. (Bom -)
Oscar-Claude Monet, mais conhecido apenas por
Claude Monet, nasceu em Paris, em 1840, e morreu em Giverny, em 1926. Foi um
pintor francês, o mais célebre entre os pintores impressionistas, movimento que
com ele se iniciou. O Impressionismo não pretende fazer o retrato fiel da
realidade, mas usar a luz e o movimento para deixar marcado no quadro o olhar
do pintor que captou impressões da realidade.
O quadro escolhido intitula-se “Soleil levant”
(Impressão, Nascer do sol), foi composto em 1872 e é uma pintura em óleo sobre
tela, exposta no Museu Marmottan Monet, em Paris. A pintura foi criada em Le
Havre, porto francês representado com um nevoeiro cerrado sobre tudo o que a
vida industrial representa, o estaleiro, os barcos e as fábricas em fundo.
José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa, em
1855, e morreu em 1886, no Lumiar. Damos conta de que viveu numa época muito
próxima da do pintor e, assim, a sua poesia também teve muitas influências do
Impressionismo. Este poeta ficou até conhecido como Poeta-Pintor, porque
observava a realidade e trazia para os seus poemas as impressões que dela
ficavam.
O quadro de Monet dá-nos uma paisagem marítima.
À medida que a distância aumenta, o detalhe diminui e, assim, a imaginação do
espectador aumenta. Mesmo o mais próximo também é subjetivo, como é o caso dos
dois barcos, ficando à nossa imaginação quem serão as pessoas que neles viajam.
Apesar de se ver que este quadro mostra uma paisagem mais industrializada, não
conseguimos ver nenhum pormenor dessa presumida vida industrial.
É assim que também podemos ler a poesia de
Cesário, no caso do poema “O Sentimento dum Ocidental”, que apresenta as ruas
de Lisboa, industrializadas e de que conseguimos ver “sombras, o bulício, o
Tejo, a maresia” (v. 3), de que conseguimos cheirar “gás extravasado”(v. 6) e
ver os “edifícios, com as chaminés, e a turba” (v. 7). No entanto, também não
conseguimos pormenorizar os prédios, os trabalhadores e os barcos que estão no
Tejo. O que Cesário nos revela é o que sente no meio desse ambiente
(“Despertam-me um desejo absurdo de sofrer”; v. 4), coisa que os quadros não
fazem.
Enquanto ao observar o quadro de Monet podemos
imaginar o que é que o pintor sentiu ao pintá-lo — o facto de os barcos irem
cada vez ficando menos nítidos pode revelar que o pintor não se sentia bem numa
cidade tão suja, tão industrializada —, no poema de Cesário já referido temos
acesso ao que ele realmente sente ao andar pelas ruas de Lisboa: “Triste
Cidade” (v. 33) e “A noite pesa, esmaga” (v.1).
Ricardo (Bom)
José de Almada-Negreiros
(1893-1970) nasceu sete anos após a morte de Cesário Verde (1855-1886). Os
painéis acima apresentados encontram-se na gare marítima de Alcântara e foram
pintados em 1945 pelo multifacetado artista português para a decoração do
edifício. Esta pintura foi feita com base na técnica do fresco, mas também
apresenta detalhes feitos posteriormente e tintas de outras cores. Embora não
tivessem vivido na mesma altura, Almada e Cesário retratam a cidade de Lisboa,
um através da escrita, outro através da pintura.
Na verdade, este
conjunto de painéis de Almada-Negreiros representa a vida na cidade de Lisboa,
do ponto de vista do pintor, principalmente a zona ribeirinha junto ao Tejo,
incluindo outros elementos da cidade (a Sé, o Castelo de S. Jorge, o Aqueduto
das Águas Livres, o elétrico, os barcos atracados, as varinas, entre outros).
Também o sujeito poético, na sua deambulação pelas ruas de Lisboa, vai
descrevendo, em “O sentimento dum ocidental”, o que vê e os locais por onde
passa (“Nas nossas ruas, ao anoitecer” –I, v. 1; “Embrenho-me, a cismar, por
boqueirões, por becos” – I, v. 19; “À vista das prisões, da velha Sé, das
cruzes” – II, v. 7; “E saio. A noite pesa, esmaga…” – III, v. 1; “E eu sigo,
como as linhas de uma pauta” – IV, v. 9). Podemos observar no quadro figuras
humanas como varinas e carvoeiras, que tinham um trabalho árduo. Se repararmos
no tamanho exagerado das mãos e dos pés em relação ao corpo, percebemos que
Almada pretende realçar a sua força de trabalho, o que se evidencia em “O
sentimento dum ocidental” (“Correndo com firmeza, assomam as varinas” – I, v. 36;
“E algumas, à cabeça, embalam nas canastras / Os filhos que depois naufragam
nas tormentas.” – I, vv. 39-40; “Descalças! Nas descargas de Carvão, / Desde
manhã à noite, a bordo das fragatas” – I. vv. 41-42).
Na poesia de Cesário
Verde é frequente uma forte preocupação social, principalmente pelas classes
trabalhadoras, destacando-se as suas condições de trabalho. As varinas são associadas
metaforicamente a um cardume de peixe (“Vazam-se os arsenais e as oficinas; /
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras; / E num cardume negro
hercúleas, galhofeiras, / Correndo com firmeza, assomam as varinas.” – I, vv.
33-36). Realça-se a miséria do povo com a exclamação expressiva (“Descalças!
Nas descargas de carvão, / Desde manhã à noite, a bordo das fragatas; / E
apinham-se num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre gera os focos de
infeção.” – I, vv.41-44).
Assim, é esta cidade que
quer Cesário Verde quer Almada-Negreiros nos retratam, onde a presença do mar e
dos elementos a ele associados são importantes para a sua população.
Amaral (Bom (-))
A obra em causa — da série “Lago com nenúfares”
(“Bassins aux nymphéas”) —, criada pelo pintor francês conhecido como o pai do
impressionismo, Claude Monet, em 1899-1900, muito relacionável com o estilo de
Cesário Verde. Talvez por ter vivido na mesma época, Cesário Verde pode
associar-se ao estilo impressionista. O impressionismo começou no século XIX,
na pintura, criando telas cujas pinceladas, cores vivas e movimento se tornam o
foco principal do quadro.
A verdade é que a ideia de ligar o
impressionismo a poemas pode parecer estranha, mas, quando se trata de Cesário
Verde, essa ideia justifica-se em cada verso. Sempre que lemos um poema de
Cesário, podemos imaginar os cenários, pessoas e sentimentos descritos através
de “pinceladas” inesperadas, mas que deixam tudo perfeitamente claro na nossa
cabeça: “construções retas, iguais, crescidas”, “ao avistar-te, há pouco, fraca
e loura”, são alguns dos excertos que comprovam esta comparação pois a sua
relação com a realidade não é definida, mas a beleza da escrita pinta um quadro
belo, escrito em verso, que é a realidade vista de longe.
Não é só o estilo do quadro: também a pintura em
si pode ser comparada com os textos. Esta pintura, na sua definição mais
primordial, retrata um pequeno lago encoberto por uma imensidade de vegetação e
sobre ele uma simples ponte. A verdade é que isto não podia estar mais longe do
verdadeiro significado, cada detalhe representa uma dimensão de natureza que se
sobrepõe à simplicidade da ponte rodeada por estes elementos vivos. Nos poemas
de Cesário, o cenário impõe-se e, muitas vezes, é ele próprio que dita o estilo
da escrita (sombrio, apaixonado, doente, solitário). No poema «De tarde», a
ação decorre durante um pic-nic, o que abraça a ideia de natureza e
utiliza o meio ambiente para dar um sentido mais alegre e apaixonado ao texto.
Todo o texto se passa à volta da natureza, que influencia os elementos humanos,
contando uma história de paixão e coberta de cores.
A pintura, para além deste significado, também
simboliza a simples e pura beleza. Talvez não seja a beleza mais objetiva como
a perfeição, mas antes o contrário: uma ideia de beleza relacionada com a
pintura em si (cores e pinceladas). Isto é típico em Cesário Verde que encontra
encanto em qualquer coisa, por mais monótona que seja. Usa-o no poema «Num
bairro moderno», onde, a partir de legumes e frutas, projeta a imagem de uma
mulher que o fascina.
Guilherme
V.
(Suficiente (-))
Analisando a obra “Boulevard des
Capucines”(1873), de Claude Monet, nascido quinze anos antes de Cesário Verde
(1855-1886), conseguimos deduzir algumas características comuns à escrita de
Cesário. Claude Monet foi um dos pintores franceses criadores do
impressionismo, termo derivado do título de uma de suas obras denominada “Impression, soleil levant” (impressão, nascer
do sol). As primeiras obras do pintor, até meados de 1860, foram de estilo
realista, embora aqui o termo não seja equivalente ao “realismo” de escrita de
Cesário Verde.
Na pintura podemos observar o retrato da
sociedade de Paris sob o efeito de uma fria atmosfera, típica de inverno, que consome
as carruagens, as árvores, e os parisenses a passear. As cores frias utilizadas
neste quadro, para além de levantarem sentimentos tristes, solidão/tristeza,
estações frias que propensam as doenças tal como Cesário em «O Sentimento dum
Ocidental», também ajudam a entender que esta quase fotografia representa uma
manhã ou uma tade, tal como o poeta Verde preferia descrever os seus momentos.
Esta tela analisada com outras da época, mostra como Paris estava num período
de transformação e a prosperar. Paris foi renovada em 1860 e deixou de ser uma
antiga cidade medieval europeia para uma das mais modernas e industrializadas
capitais do mundo, o que, por ser um acontecimento recente também nos leva a
pensar na antiga versão de Paris, mais parecida com o campo, talvez de maior
agrado para Cesário Verde.
Conseguimos também observar “uma turba ruidosa,
negra, espessa”, talvez suficiente para encontrar uma donzela. Tal como nos
poemas de Cesário Verde, o pintor não deixa de caracterizar Paris com a sua
população, que acaba por ter um papel deveras importante nesta tela (como em
Cesário, “a frialdade exige movimento” para Paris). O povo está na rua, e
consegue-se ver um grande movimento (provavelmente, se pertencesse ao quadro,
estaria destinado a ir “sem muita pressa, para o meu emprego”).
Pensando neste Paris dos impressionistas, Paris
de pinceladas de brancos, pretos e cinzentos de Claude Monet, figura principal
dos impressionistas, que conseguiu assim captar as cenas da vida da classe
média da cidade utilizando a sua melhor técnica para representar as expressões
mais detalhadas da natureza, aplicando cores brilhantes, frias e sem misturar,
com pinceladas rápidas e curtas, um detalhe característico do estilo
impressionista. Construiu assim uma obra onde as pessoas são protagonistas e
dominam a tela, mas acabam também por ser o reflexo da nova vida da cidade
moderna, caótica, fria e muito desenvolvida.
Francisco
A.
(Suficiente)
Escolhi
este quadro, de Pieter Claesz — “Vanitas, Natureza Morta” —, pintado em 1630, que
antecede em muitos séculos o nascimento de Cesário Verde. A obra de Claesz é
vasta e parte dela encontra-se no Riijks Museum, em Amesterdão, na Holanda.
Ainda
que o local exato do seu nascimento seja incerto, pensa-se que Claesz terá
nascido em Berchem e, mais tarde, terá ido viver para Haarlem onde se casou e
ficou o resto da vida.
A
sua especialidade como pintor seria retratar os objetos de forma mais real
possível e mostrar como a luz se refletia nestes. Nos seus primeiros trabalhos,
Pieter Claesz usava uma palete de cores mais vivas, mas, ao longo da vida, foi
adotando cores mais escuras e monótonas. O pintor nascido em Berchem, na Holanda,
tinha um estilo artístico que se caracterizava pelo seu teor rico em
simbolismos, com que comparo a própria escrita de Cesário Verde.
Este
quadro faz parte de um estilo de arte simbólica — “Vanitas” é uma palavra latina
que significa “vacuidade, futilidade”. Este tipo de arte simboliza a
transitoriedade da vida, relacionando-se com a vida do poeta, porque também foi,
de facto, curta.
O
simbolismo da morte espalhado por todo o quadro e, especialmente, através do
crânio, que se encontra em cima de um caderno,
pode relacionar-se com Cesário Verde, pois, apesar de ter morrido,
continua vivo nas suas obras. A lamparina de óleo, o relógio de corda parado
podem representar a brevidade da vida. O frágil copo vazio que pode fazer
alusão ao quão “frágil” a vida é, podendo representar também a morte visto que
está vazio, também encaixa bem com a vida de Cesário. A sua irmã terá morrido
em 1872 e, mais tarde, o seu irmão morreu em 1882, acabando poucos anos depois
por morrer ele também.
No
quadro são utilizadas cores escuras e negras, o que corresponde á descrição
sobre a cidade em alguns poemas de Cesário Verde, Concretamente em “O Sentimento
dum ocidental”.
Os
tópicos abordados nas obras de ambos também são igualmente sombrios. O pintor
Pieter Claesz, foca-se em várias das suas obras no tópico da morte, algo que se
pode relacionar com Cesário Verde, tendo em conta as suas circunstâncias de
vida. O sujeito poético de “O Sentimento dum ocidental” foca-se mais nas
descrições da cidade, como um local de inovação e de trabalho, mas também como
local de opressão humana, de depressão, de doença e aprisionamento, descrevendo
também o sofrimento ao longo de toda a extensão do poema.
O
pintor também tem uma atenção muito grande aos detalhes e ao pormenor, as
texturas dos objetos, as cores, a chama extinta da lamparina, a forma como a
luz é refletida dos objetos. Igualmente os poemas de Cesário levam-nos por uma
aventura sensorial, em que conseguimos imaginar estar na localização descrita
nas obras, quase que procurando a perfeição; “Se eu não morresse, nunca! E
eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!”.
João A. (Suficiente -)
Aproveito este quadro de Gonçalo Pena – “Thyssen Atmosférico” (2009) —, que nasceu em 1967, muitos
anos depois de Cesário Verde (1855-1886). Hoje em dia, este pintor vive e
trabalha em Lisboa. Gonçalo estudou e licenciou-se na faculdade de Belas-Artes
e viveu em Portugal até 2012, tendo depois ido viver para a Noruega até 2014.
Este artista é nosso contemporâneo, ao contrário
do escritor que estou a comentar, um oitocentista, mas este quadro pintado a
óleo podia ser uma ilustração de um ou vários poemas de Cesário, como, por
exemplo, “O Sentimento dum Ocidental”, “Cristalizações”, etc.
Cesário Verde vivera na cidade, por isso, tem
vários poemas em que o sujeito poético se situa na cidade a comentar mulheres (como,
por exemplo, em “A Débil”) ou as pessoas que nela andam, ou mesmo o próprio
espaço urbano (como por exemplo, os escritos do poeta referidos no parágrafo
anterior).
Os quadros, obviamente, não se conseguem ouvir
nem podemos sentir algo vindo deles, mas podem transmitir-nos, como sucede com
esta pintura, uma sensação sonora, de temperatura e, até, sentimentos vindos
dele. Estas fábricas todas são um ótimo exemplo de sensação sonora, ou uma
sensação de mal-estar tal como a que esta mulher sente, e que este pintor nos
transmite, como Cesário Verde faz em “Cristalizações” e em “O Sentimento dum
Ocidental” respetivamente: “Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!” (v. 16),
“o céu parece baixo e de neblina, / O gás extravasado enjoa-me, perturba; / E
os edifícios, com as chaminés, e a turba / Toldam-se duma cor monótona e
londrina.” (I, vv. 5-8).
Este conjunto de cores do quadro que estou a
aproveitar podia ser uma representação de uma das quadras do poema “O
Sentimento dum Ocidental”, como mostrei anteriormente.
João Cardoso (Bom/Bom (-))
Magdalena
Carmen Frida Kahlo y Calderón (1907-1954) foi uma pintora mexicana
conhecida sobretudo pelos seus autorretratos. Por volta dos anos 1950, Kahlo frequentemente pintava
quadros de natureza morta, o terceiro género artístico mais marcante nas suas
pinturas, depois de autorretratos e retratos.
De 1951 a 1954, a sua imagem desaparece das telas, como
também havia ela de desaparecer no final do mesmo ano. Apesar de não ser
contemporânea de Cesário Verde, há, como que uma representação visual de seus
poemas, na ligação da luxúria com elementos de natureza morta, neste caso,
frutas e legumes. À medida que descreve as mulheres que observa, no povo ou na
pequena burguesia, Cesário deixa-se influenciar por essas visões, que nele se
refletem. Esses retratos de mulheres são floridos e repletos de cheiro, cor e
sabor, sublimando os sentidos dos leitores, com o contínuo uso de metáforas e
comparações entre partes do corpo feminino e meros frutos e legumes do dia a
dia, elevando a sexualidade e a lascívia presentes no seu verso, como em “Um
bairro moderno” – “E, como um feto, enfim, que se dilate, / Vi nos legumes
carnes tentadoras, / Sangue na ginja vívida, escarlate, / Bons corações
pulsando no tomate” (vv. 56-59). No quadro “Natureza morta com papagaio e
bandeira” (1951), apesar de não ter sabido em vida, falar, ler ou perceber
português, Frida fez um trabalho muito bom a interpretar esse poema de Cesário,
sendo perfeita a representação gráfica, apresentando as cores, a ideia de
cheiros e de sabor, convertendo o que poderia ser a normalidade dentro de uma
fruteira, em algo sedutor, sexual. A sexualidade torna-se mais evidente, menos
velada, no fruto maduro aberto para revelar a carne suculenta, num convite
direto ao prazer, como podemos apreciar nesta obra.
Fazendo outro ponto de contacto entre a pintora
mexicana e o autor português, sabe-se que ambos tiveram uma vida curta e cheia
de percalços de saúde. Em “O Sentimento de um Ocidental” entende-se o constante
conflito interno de um poeta deprimido que confessa e admite Lisboa como uma
cidade aprisionante, com ruas delimitadas por prédios que provocam uma sensação
de clausura, com edifícios sepulcrais cuja imagem remete para a morte, mas, que
por outro lado, contém uma grande diversidade cultural, desde as burguesinhas
do Catolicismo às varinas, costureiras, floristas e até o seu antigo professor
de Latim. A mais conhecida frase de Frida (“Tentei afogar as
minhas mágoas, mas as malditas aprenderam a nadar, e agora estou sobrecarregada
com essa decente e boa sensação.”), mostra essa mesma incerteza em relação ao
seu estado de espírito. Ambos – Verde e Khalo – viveram uma vida injustamente
curta, cruel, e com pouco reconhecimento do seu esplendoroso talento.
Ângelo (Suficiente)
Aproveito o quadro
«Melancholy» de Edvard Munch (1863-1944),
pintado em 1894. Este quadro do pintor foi fortemente criticado pelo público.
Edvard Munch tirou inspiração para pintar este quadro da triste traição amorosa
que aconteceu a um amigo seu, Jappe Nilssen. A infância de Edvard Munch ficou
marcada por várias doenças e pelo problema mental que herdou da sua família.Cesário
Verde também teve vários problemas de saúde, tendo morrido de tubercolose no
dia dezanove de julho de 1886.
Ambos
— Cesário Verde e Edvard Munch — mostram sempre um sentimento de melancolia,
medo e solidão. Podemos associar este quadro de Edvard Munch ao poema “A Débil”,
de Cesário Verde. Ambos representam um homem triste que se sente apaixonado por
uma mulher mas, no fim do poema de Cesário Verde, esse homem fica alegre e
contente, enquanto que no quadro de Edvard Munch isso não acontece.
No
primeiro plano do quadro podemos ver Nilssen, um homem melancólico, que parece
estar a sofrer, sentado numas pedras, aparentando estar a pensar. Podemos
associar este homem melancólico a Cesário Verde, uma vez que o poeta mostra-se,
muitas vezes, triste e sombrio nos seus poemas como se sucede no poema “O
Sentimento dum Ocidental I”: «Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um
desejo absurdo de sofrer.» (vv. 3 e 4); «O gás extravassado enjoa-me, perturba;
/ E os edifícios, com as chaminés, e a turba / Toldam-se duma cor monótona e
londrina» (vv. 6, 7 e 8).
Em
segundo plano, podemos ver um homem e uma mulher que estão prestes a entrar num
barco para ir a uma ilha e nela namorarem. Podemos assumir que o homem que está
no primeiro plano está triste porque a mulher que ele ama está prestes a ir com
outro para uma ilha.Esta situação também está presente no poema de Cesário
Verde “A Débil”: «A ti, que és bela, frágil, assustada, / Quero estimar-te
sempre,recatada / Numa existência honesta, de cristal / Sentado à mesa de um
café devasso , / Ao avistar-te,há pouco, fraca e loura, / (...) / Tive tenções
de oferecer-te o braço. / (...) / Triste eu saí.Doía-me a cabeça» (vv.
2; 3; 4; 5; 6 e 22).
Acho
bastante interessante o quão parecido o homem na pintura de Edvard Munch é
parecido com Cesário Verde. Ambos sentem-se ou já se sentiram tristes devido a
um assunto amoroso. O homem pintado no quadro parece estar bastante triste e
só, daí este quadro se chamar «Melancholy», título que assenta perfeitamente na
pessoa de Cesário Verde.
Pedro P. (Suficiente/Suficiente
(+))
O quadro “Entardecer na rua de Karl Johan”
(1892), pintado por Edvard Munch
(1863-1944), pintor norueguês que nasceu em Loten, Noruega, e morreu em Oslo, pode
ser comparado com o poema “O Sentimento dum Ocidental”, de Cesário Verde, já
que ambos criam uma dada ideia de cidade durante a noite deprimida e doente.
Tanto Cesário Verde como o pintor norueguês criticam
a impessoalidade, a solidão, a falta de higiene, as doenças e indisposição das
pessoas na cidade de alguma forma. Na pintura estão todos a andar lado a lado,
no entanto ninguém interage com a pessoa ao lado. O eu do poema “O Sentimento
dum Ocidental”, sente-se deprimido e sozinho apesar de estar numa cidade,
Lisboa, muito populosa, e rodeado de pessoas. Cesário Verde cria a ideia de
indisposição através da doença, talvez dando indícios de que ele próprio morrerá,
como morreu, de tuberculose.
No entanto Edvard Munch, teve receções ao seu
trabalho completamente diferentes das de Cesário Verde. Este foi criticado
durante toda a sua vida devido à forma como escrevia porque, à frente do seu
tempo, não era percebido pelos outros. Os quadros de Edvard Munch foram objeto
de ótimos comentários: uma das suas pinturas, “O Grito”, tornou-se famosa pouco
depois de ter sido acabada. Apesar desta diferença, Edvard Munch também foi um
dos inovadores de técnicas de pintura do seu tempo, tal como Cesário Verde.
Nesta pintura, reparamos que as pessoas deixam
transparecer tristeza, pelas roupas pretas e estilo gótico, como se todos
estivessem de luto; além disso, o pintor transmite uma ideia de indisposição ou
doença, pelas faces pálidas e expressões de alguns (confronte-se com “O gás
extravasado enjoa-me”, “O Sentimento dum Ocidental”, I, v.6).
As pessoas, na pintura, estão em fila, mas não
alinhadas, talvez como se fossem um “carreiro de
formigas” (“De Verão”, X, v. 5), como Cesário Verde escreveu.
Cesário Verde também faz uma espécie de
contraste entre a luz dos cafés e andares das casas com o escuro da noite. Este
contraste está definitivamente presente neste quadro, onde todas as janelas
estão iluminadas (“A espaços, ilumina-se os andares, / E as tascas, os cafés,
as tendas, os estancos”, “O Sentimento dum Ocidental”, II, vv. 9 e 10).
Acho interessante como é possível existirem duas
obras completamente diferentes e, no entanto, com bastantes coincidências,
criadas por pessoas diferentes em sítios tão distantes um do outro, com anos de
diferença.
Miguel C. (Suficiente (-))
Este quadro é de Andy Warhol. Nele está representada uma atriz famosa, Marilyn
Monroe, em várias versões da mesma imagem, a que o pintor apenas alterou as
cores e as tonalidades mas em todas deixando inferir uma sensação diferente.
Marilyn é um ícone do século XX e o artista pop, neste caso, queria mesmo
tratá-la desse ponto de vista, como fez aliás com outras «marcas» (de latas de
tomate, por exemplo). A imagem surge muito estilizada precisamente porque
interessa enquanto emblema, símbolo.
Acho que isto se relaciona com o tipo de escrita
de Cesário Verde porque ele também exagerava alguns aspetos do que via para dar
ênfase ao que queria transmitir, como no poema de quatro partes “O sentimento
dum ocidental”. Vemos essa estilização, essa hipérbole, de certo modo, em “Há
tal soturnidade, há tal melancolia, / Que as sombras, o bulício, o Tejo, a
maresia / Despertam-me um desejo absurdo de sofrer” (parte I, vv. 2, 3, 4),
“Tão mórbido me sinto; ao acender das luzes; / À vista das prisões, da velha
Sé, das Cruzes, / Chora-me o coração que se enche e que se abisma.” (parte II,
vv. 6, 7 , 8).
Por outro lado, este quadro representa, tal como
faz Cesário em muitos poemas, uma mulher bonita (frágil e, ao mesmo tempo,
poderosa). Cesário escrevia muitas vezes sobre mulheres, idolatrava-as, elas
muitas vezes curavam algo nele ou, ao mesmo tempo, causavam-lhe mal. Será assim
em “A débil” (“Eu, que sou feio, sólido, leal, / A ti, que és bela, frágil,
assustada, (…) Triste eu saí. Doía-me a cabeça. (…) A ti, que és ténue, dócil,
recolhida, / Eu, que sou hábil, prático, viril.”), em “Num bairro moderno” (“E
rota, pequenina, azafamada, / Notei de costas uma rapariga, (…) E recebi,
naquela despedida, / As forças, a alegria, a plenitude, / Que brotam d’um
excesso de virtude (…) O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, / D’uma
desgraça alegre que me incita; / Ela apregoa, magra, enfezadita, / As suas
couves repolhudas, largas.”), em “De tarde” (“Mas, todo púrpura a sair da renda
/ Dos teus seios como duas rolas, / Era o supremo encanto da merenda” / O
ramalhete rubro das papoulas!”).
A
alusão recorrente a cores nas estrofes de Verde e a quase repetição dos versos “Um
ramalhete rubro de papoulas» e «O ramalhete rubro das papoulas!» têm paralelo
nas cores berrantes e multiplicação da mesma imagem usadas por Warhol.
Miguel B. (#)
Para a elaboração deste
trabalho escolhi a poesia de Cesário Verde “De tarde”. O quadro que me
sugere uma comparação é do pintor Renoir
“Caminho subindo a encosta no campo”.
Renoir foi um pintor
francês que nasceu em Limoges, em 21 de fevereiro de 1841. Foi autor de cerca
de seiscentas obras e foi um dos precursores do impressionismo. Considero
que o quadro que escolhi, é um cenário ideal para o que Cesário Verde imaginou
para o seu “pic-nic” nos quatro quartetos que já referi.
A pintura de Renoir que
representa uma bela paisagem campestre num dia soalheiro de verão ou primavera, matizada
de cores suaves, salpicada pelo rubro de papoilas. O elemento feminino está
presente, como sempre, nas obras deste pintor. Também Cesário Verde no seu
poema criou um ambiente propício ao seu “pic-nic”. É um espaço descrito
como muito belo, mas de grande simplicidade. Apesar de ser um “pic-nic” de
burguesas, a beleza está na paisagem, no espaço envolvente e na presença
feminina. O poeta considerou-o até “digno duma aguarela”. O verbo usado no
gerúndio na expressão “descendo do burrico” dá a ideia de movimento, tal
como o título da obra de Renoir sucede com o gerúndio no, “subindo”.
A descrição do espaço,
com cor e luz do crepúsculo do fim do dia, é um hino ao amor, em que sobressai
também a sensualidade feminina. O ramo de papoilas começa por ser o símbolo da
alegria e da cor num campo florido de primavera ou de verão. No final,
Cesário concentra-se nos seios da mulher que compara a duas rolas
enfeitadas com o ramo de papoilas que ela colocou no decote. Aqui, o ramo de
papoilas assume conotações de sensualidade, quer pela sua cor quer pela zona do
corpo escolhida para o colocar.
Todo este cenário está
descrito de forma muito imaginativa. Cesário transmite a simplicidade no
ambiente rústico, na recolha do ramo de papoilas e no conteúdo da merenda.
O poeta parece referir-se a uma experiência que vivenciou, ou imaginou, e a que
atribui muita importância. Nos primeiros dois versos o uso do demonstrativo “Naquele”
e da forma verbal no pretérito perfeito “Houve” remetem para o passado. A
intensidade com que a faz é reveladora do valor que confere a este momento.
Efetivamente, qualquer biografia deste poeta transmite que ele amava o campo.
Apesar de viver na cidade, nunca esqueceu as suas origens. Foi no campo que viveu
tempos da infância e mostrou-se sempre rendido aos seus encantos.
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